O Fundo de Resolução deverá ter que compensar os credores do Banco Espírito Santo (BES) porque a resolução do banco poderá trazer mais prejuízos do que uma hipotética liquidação, segundo soube o Observador. A Deloitte, auditora independente contratada pelo Banco de Portugal, está quase a concluir as contas à estimativa de recuperação que os credores do BES teriam num cenário de liquidação do banco no dia 3 de agosto, ou seja, antes da operação que dividiu o banco na parte boa (o Novo Banco) e num “banco mau”, o BES.

As contas vão fixar o patamar mínimo de compensação a que podem aspirar os credores do BES, no entanto, o pagamento de uma eventual indemnização por parte do Fundo de Resolução só se deverá materializar com o processo de liquidação do Banco Espírito Santo, o que vai demorar anos. Mas se esta conta não pode ficar fechada já, os números que vão ser revelados permitem ancorar as expectativas de indemnização futura, sobretudo por comparação com os passivos e ativos que estão no Banco Espírito Santo. E o resultado deste exercício permite concluir que o cenário de indemnização pelo Fundo de Resolução é o mais provável, pelo menos para algumas classes de credores.

As regras da resolução bancária estabelecem que tem de ser feita uma avaliação independente aos prejuízos que teriam os credores da instituição num eventual cenário de liquidação. Isto porque os credores não podem perder mais numa resolução do que perderiam numa liquidação. A comparação é feita a partir dos ativos e passivos que o BES tinha antes da resolução. O exercício simula a expectativa de recuperação de perdas por parte dos credores caso o banco fosse para a insolvência, com todos os seus passivos e ativos, incluindo o que está hoje no Novo Banco.

Este tipo de avaliação nunca foi feito antes da resolução do BES, pelo menos numa instituição com esta dimensão. Mas sabe-se por exemplo que o BES, mesmo depois de ter registado prejuízos recorde de 3.600 milhões de euros e estar em incumprimento dos rácios exigidos a um banco, tinha ainda uma situação líquida positiva. Do ponto de vista meramente contabilístico ainda não estava falido.

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Os cálculos são feitos à percentagem de recuperação para cada classe de credores, colocando em primeiro lugar os credores mais protegidos numa operação de insolvência — os depositantes até 100 mil euros que foram salvaguardados na resolução. Só depois virão os credores comuns, subordinados e acionistas. Ainda que não exista um contrafactual, porque o BES resolvido não está ainda em liquidação, as contas mais recentes da instituição vão permitir tirar conclusões sobre as perdas prováveis que os credores vão sofrer e que resultam da diferença entre um passivo muito elevado e um ativo quase inexistente.

Recuperação de créditos no atual BES é residual

Basta olhar para os números publicados esta segunda-feira, relativos ao final de 2015, para concluir que as hipóteses de recuperação por parte dos credores são muito residuais. O passivo ascendia a 5.446 milhões de euros, para um ativo de 159,3 milhões de euros. Nem todo este passivo corresponde a créditos já reconhecidos, uma vez que estão incluídos neste montante provisões, como a constituída para o papel comercial do Grupo Espírito Santo vendido aos clientes do BES.

O próprio presidente do BES, Luís Máximo dos Santos, reconhece no relatório às contas divulgadas esta terça-feira esta grande assimetria. “Importa não escamotear o essencial: por força da enorme desproporção entre o seu ativo e as suas responsabilidades, a percentagem de recuperação dos créditos será muito baixa”.

O balanço de 2015 indica que existiam 992 milhões de passivos subordinados que incluíam os créditos de detentores de dívida subordinada e o empréstimo da Oak Finance, um veículo detido por vários investidores internacionais que por decisão do Banco de Portugal passou o chamado banco mau. A estes passivos já reconhecidos terão de ser somadas as responsabilidades de 2.238 milhões de euros com as obrigações seniores também detidas por grandes investidores internacionais. Mais de três mil milhões versus 159 milhões, corresponderia a uma percentagem de recuperação de apenas 5% do crédito.

Segundo a informação recolhida pelo Observador, a percentagem de recuperação calculada pela Deloitte para uma liquidação será superior, pelo menos para algumas classes de credores. E as contas de 2015 divulgadas esta segunda-feira demonstram que transferência das obrigações seniores para aliviar o balanço do Novo Banco pode ter sido determinante.

Este passivo transitou do Novo Banco para o BES no final do ano passado por ordem do Banco de Portugal, uma decisão muito contestada a nível internacional e que motivou já pelo menos uma providência cautelar nos tribunais portugueses a pedir a suspensão desta operação. Mas para já, e tendo como referência as responsabilidades associadas a estas obrigações, que totalizam 2.238 milhões de euros (valor nominal mais juros) passaram todas para o balanço do BES, o que fez disparar os passivos da instituição para mais de cinco mil milhões de euros.

O chamado “buraco” do BES, que traduz a situação líquida negativa da instituição ascendia no final de 2015 a 5.287 milhões de euros.

Se a diferença para o cenário de liquidação for favorável aos credores então cabe ao Fundo de Resolução, uma instituição pública que é financiada pelos bancos, pagar a compensação. O Observador questionou o Banco de Portugal sobre os resultados desta comparação, mas fonte oficial limitou-se a responder que o relatório ainda não está concluído. “A avaliação do BES em cenário de liquidação está a ser concluída pela Deloitte, prevendo-se que o relatório final seja entregue até ao fim do corrente mês de maio”. Até lá, o BdP não faz comentários às conclusões porque não estão definidas.

A auditoria da Deloitte custou 2,8 milhões de euros e a conta recaiu sobre o “banco mau”, segundo as contas de 2015 do Banco Espírito Santo e deverá ficar concluída no dia 25 de maio.

Credores podem ter de esperar anos

Mas se a lei é clara em relação a quem deve assumir a fatura, já o período para a sua liquidação levanta dúvidas, isto porque as regras de resolução bancária mudaram entre a intervenção no BES e a conclusão desta avaliação.

A legislação que estava em vigor em agosto de 2014 determinava já “que nenhum credor da instituição de crédito pode assumir um prejuízo maior do que aquele que assumiria caso essa instituição entrasse em liquidação”. No caso de o prejuízo da resolução ser superior, caberia ao Fundo de Resolução pagar a diferença. No entanto, previa apenas que a avaliação independente calculasse “uma estimativa do nível de recuperação dos créditos por classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei”, num cenário de liquidação.

Essa estimativa teria que ser comparada com o resultado para os credores do processo de resolução do BES. A consequência desta leitura é que o valor definitivo da compensação só será apurado e pago, uma vez concluída a liquidação do banco, o que vai demorar anos. O processo ainda não começou, apesar do pedido já feito nesse sentido pelo Banco de Portugal ao Banco Central Europeu.

Haverá contudo quem defenda a aplicação da diretiva de recuperação e resolução bancária, transposta em março do ano passado, que prevê um pagamento mais rápido. O que diz a atual lei geral das instituições de crédito (artigo 145 H):

“O Banco de Portugal designa uma entidade independente, a expensas da instituição de crédito objeto de resolução para, em prazo razoável a fixar por aquele, avaliar se, caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, os acionistas e os credores da instituição de crédito objeto de resolução (…) suportariam um prejuízo inferior a que suportaram em consequência da aplicação da medida de resolução, determinando essa avaliação”.

Caso a avaliação prevista no n.º 14 determine que os acionistas, os credores, o Fundo de Garantia de Depósitos ou o Fundo de Garantia do Crédito de Agrícola Mútuo suportaram um prejuízo superior ao que suportariam caso não tivesse sido aplicada a medida de resolução e a instituição de crédito objeto de resolução entrasse em liquidação no momento em que aquela foi aplicada, têm os mesmos direito a receber essa diferença do Fundo de Resolução”.

As autoridades vão preferir a primeira tese, na medida em que procurarão adiar o mais possível a entrada de mais uma obrigação nas contas já muito pressionadas do Fundo de Resolução. Esta entidade é financiada com contribuições dos bancos que, no limite, pagam a fatura, mas está no perímetro das contas públicas pelo que os seus encargos podem pesar no défice.

As contas da Deloitte, cuja apresentação tem sofrido sucessivos atrasos, são aguardadas com expectativa pelos grandes credores do BES, mas também pelos que investiram em ações do banco e até pelos clientes do papel comercial que têm questionado o Banco de Portugal sobre o tema.

No caso do papel comercial, para a qual está a ser negociada uma solução alternativa, os clientes ainda não são credores do BES, e no atual quadro jurídico só poderão vir a reclamar créditos se um tribunal considerar que o banco violou os deveres de intermediação financeira quando vendeu a dívida das empresas do Grupo Espírito Santo aos balcões.

Mas neste quadro, reconheceu já o presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ainda antes se de serem conhecidas as primeiras contas oficiais do banco mau, o nível de recuperação é muito baixo.

“Um ano depois, ainda não existem contas publicadas do BES, não têm o relatório dos auditores, mas conheço os grandes números e sei dizer que qualquer percentagem de reclamação de uma dívida que lá caia é ridícula ou irrisória”.

Banco de Portugal “limpa” Novo Banco, em prejuízo do BES

O cenário inicial de separação de águas entre o banco bom e o chamado banco mau não era assim tão negro para os credores do antigo Banco Espírito Santo. Mas à medida que o Banco de Portugal foi transferindo passivos e responsabilidades para o BES, foi também fazendo subir as probabilidades de ter de ser paga uma compensação aos credores da instituição.

A primeira grande transferência foi o empréstimo da Oak Finance ao antigo BES, um veículo criado pela Goldman Sachs em que investiram grandes fundos internacionais, desde o fundo de pensões da Nova Zelândia passando pela Elliott Management Corporation, do americano Paul Singer, que processou a Argentina. Este financiamento de 835 milhões de dólares (744 milhões de euros) passou para o BES no final de 2014, numa decisão que motivou um processo que corre em Londres.

Desde a resolução que o Banco de Portugal salvaguardou a possibilidade de transferir ativos entre os dois universos, o Novo Banco e o BES. E antes de fechar o perímetro final, no fim de 2015, deu ordem para a operação mais polémica: a passagem de responsabilidades de 2.238 milhões de euros com cinco emissões de obrigações seniores.

Este movimento permitiu a reforço da solidez financeira do Novo Banco, em véspera de relançamento do processo de venda, agravando as perdas imputadas aos credores e sem onerar os contribuintes. Mas provocou mais uma guerra, a pior até agora, com os investidores internacionais e contaminou analistas e instituições financeiras. Esta transferência também está ser contestada, mas nos tribunais portugueses que aceitaram já uma providência cautelar apresentada por um destes investidores, a Merril Lynch que o Banco de Portugal contestou.

E o que acontece se o Banco de Portugal perder os processos dos investidores? Ainda que as decisões judiciais determinem a devolução destas obrigações ao Novo Banco, o supervisor bancário aprovou também no mesmo dia — 29 de dezembro — uma “clarificação”, que envia eventuais encargos que resultem de processos para o mesmo sítio, o Fundo de Resolução.

“Compete ao Fundo de Resolução neutralizar, por via compensatória junto do Novo Banco, os eventuais efeitos negativos de decisões futuras, decorrentes do processo de resolução, de que resultem responsabilidades ou contingências.”

Considerando que o Fundo de Resolução é o acionista do Novo Banco, e a quem mais interessa assegurar uma venda por um encaixe o mais alto possível, pode-se dizer que no final do processo é sempre esta instituição que paga a conta. Mas não é indiferente o momento em que tem de o fazer. Do ponto de vista das autoridades e dos bancos, quanto mais tarde melhor.