Este artigo foi originalmente publicado a 28 de julho de 2016. O Observador republica-o a propósito da entrega do Prémio Nobel da Literatura a Bob Dylan. Pode ler a notícia aqui.

Nasceu em Duluth, Minnesota, a 24 de Maio de 1941, mas pirou-se para Nova Iorque assim que pôde. Deve ter sido a melhor decisão que tomou numa vida que, nesta terça-feira, completa 75 anos. Se não tivesse corrido o risco, talvez o mundo hoje ignorasse quem é Robert Allen Zimmerman, nome de batismo de Bob Dylan. A ele e a tudo o que tinha para dar em forma de canções, muitas delas talhadas para se transformarem em hinos e vencerem a implacável lei da morte.

Bob Dylan inspirou os músicos que foram seus contemporâneos e centenas de outros nas gerações que se sucederam desde pelo menos 1962, ano em que lançou o primeiro álbum, homónimo. Desde os Beatles aos Yo La Tengo, de Bryan Ferry a Bruce Springsteen, o que não falta são nomes que celebraram a importância e a influência de Dylan ao gravarem versões de temas que resultaram da criatividade e da visão do mestre.

Na sexta-feira, 20 de maio, Dylan lançou mais um álbum, o 37º. O título é Fallen Angels e inclui 12 versões de temas de outros músicos — tal como o músico tinha feito no registo anterior, Shadows in the Night.

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Bob_Dylan_-_Fallen_Angels

Com o mesmo tom de homenagem, mas dando a volta ao assunto, o Observador foi buscar aos arquivos dez temas, mais um extra, registados por gente ilustre que o admira ou que o admirou. Aqui ficam, escolhidos de entre uma oferta vasta. Inevitavelmente, há muita matéria de elevada qualidade que ficou de fora. É uma espécie de prenda de aniversário.

“If Not For You”, George Harrison

Integra o triplo álbum All Things Must Pass, de 197o, a melhor obra alguma vez assinada por um ex-Beatle. As guitarras slide e a voz doce do antigo guitarrista dos fab four são os elementos que fazem desta versão um clássico. Harrison chegou a gravar com Bob Dylan uma versão deste tema, durante as sessões que deram origem ao álbum New Morning.

“Goin’ To Acapulco”, Jim James & Calexico

Numa lista desta natureza, é impossível ignorar a excelente banda sonora do filme “I’m Not There”, de 2007, realizado por Todd Haynes. Jim James (My Morning Jacket) e os Calexico assinam uma interpretação irresistível de uma canção que integra uma das grandes peças na discografia de Dylan, Basement Tapes, de 1975, gravada com os The Band.

“Fourth Time Around”, Yo La Tengo

Outra escolha proveniente da banda sonora de I’m Not There. Uma canção contemplativa, melancólica, que faz parte, na versão original, do álbum Blonde on Blonde, de 1966. Os Yo La Tengo mexem pouco no tema, mas este assenta-lhes como uma luva. Até parece que é uma criação da banda de New Jersey.

“It Ain’t Me Babe”, The Turtles

O comum dos mortais nunca terá ouvido falar desta banda, nem mesmo muitos dos apreciadores da música popular anglo-saxónica dos anos 1960. O facto é que os Turtles devem alguma da (pouca) fama alcançada à custa de um single que, no lado A, tinha a canção de Dylan “It Ain’t Me Babe”. Até criaram uma fotocópia deste tema, com “Let Me Be”. Em alternativa, existe a versão de Johnny e June Cash, aqui numa atuação na Austrália em 1973.

“Ballad of a Thin Man”, Stephen Malkmus and The Million Dollar Bashers

O original é um dos temas que faz parte de um dos grandes discos de Bob Dylan, Highway 61 Revisited, de 1965. Stephen Malkmus afasta-se quase nada das soluções escolhidas por Dylan e serve-se de uma banda que integra nomes consagrados. O teclista de jazz John Medeski, o guitarrista Nels Cline, dos Wilco, Tom Verlaine, líder dos Television, assim como Steve Shelley e Lee Ranaldo, dos Sonic Youth, fazem parte do grupo.

“A Hard Rain’s a-Gonna Fall”, Bryan Ferry

O líder dos Roxy Music arrancou com uma carreira a solo quando a banda vivia os seus dias dourados, na década de 1970, e os álbuns que editou integraram, frequentemente, canções de outros músicos, entre os quais o inevitável Bob Dylan. Esta leitura de “A Hard Rain’s a-Gonna Fall” é a primeira faixa de These Foolish Things, de 1973, o primeiro álbum assinado pelo vocalista dos Roxy Music.

“It’s All Over Now Baby Blue”, Van Morrison

O tema parece ter sido escrito a pensar em Van Morrison e na sua forma de interpretação inspirada nos blues. Foi registada nos anos 1960, quando Morrison integrava a banda irlandesa Them. Com arranjos bem diferentes, e já nos anos 1970, Eric Burdon e os Animals também prestaram homenagem a Dylan através deste tema. Vale a pena escutar.

“Like a Rolling Stone”, The Rolling Stones

Em 1995, os Rolling Stones lançaram um álbum intitulado Stripped. Ao longo de vários meses, foram gravando novas versões, semi-acústicas, de canções da autoria de Mick Jagger e Keith Richards, com a curiosidade de uma parte do trabalho ter sido realizado nos estúdios da Valentim de Carvalho, em Portugal, por ocasião de um dos concertos que a banda deu em solo lusitano. “Like a Rolling Stone”, gravada ao vivo, foi incluída neste disco e é a única faixa que não se deve à autoria da dupla Jagger-Richards. Recorda quão bom é o vocalista dos Stones quando decide pegar numa harmónica.

“Chimes of Freedom”, The Byrds

Falar sobre músicos e bandas que gravaram versões de temas criados por Bob Dylan e não mencionar os Byrds seria razão suficiente para um processo criminal. A banda recorreu, com frequência, à obra de Dylan e adaptou diversas canções ao seu som característico, marcado pelas harmonias vocais e pelas guitarras elétricas de 12 cordas. O primeiro êxito dos Byrds é “Mr. Tambourine Man” e, além desta faixa, o álbum de estreia inclui mais três temas de Dylan, entre os quais este “Chimes of Freedom”.

“Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again”, Cat Power

Para muita gente, Bob Dylan tem canções fantásticas, mas a interpretação. Quem não aprecia o tom provocador e a voz desleixada do mestre, as versões são a solução correta para escutar a música. A voz suave de Cat Power faz maravilhas neste terreno, como se pode avaliar pela versão de “Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again”, mais uma faixa da banda sonora de I’m Not There.

Extra: “The Times They Are A-Changin'”, Bruce Sprinsgteen

Não falta quem estabeleça relações sólidas entre Bob Dylan e Bruce Springsteen. E o caso até faz sentido. Ambos cantam a América como mais ninguém, com uma leitura por vezes dolorosamente acutilante sobre as realidades da sociedade e do país. Springsteen teria existido sem Dylan? Talvez, mas não seria a mesma coisa. Aqui, o Boss interpreta um enorme clássico perante um mestre que se esforça por esconder a comoção.