Para explicar o conceito do L’Artusi nada como transportá-lo para a realidade portuguesa. Imagine-se, para esse efeito, que alguém pegava no mítico Livro de Pantagruel e decidia abrir um restaurante em que todos os pratos da ementa não eram criações de um chef ou cozinheiro mas antes reproduções fidelíssimas das receitas compiladas e selecionadas pelos autores da obra, Maria Manuel Limpo Caetano, Bertha Rosa-Limpo e Jorge Brum do Canto.

Foi precisamente isso que o italiano Paolo Morosi, 67 anos, fez com La Scienza In Cucina e L’Arte di Mangiar Bene de Pellegrino Artusi. “Não é bem um livro, preferimos antes chamar-lhe um manual”, avisa a filha Isaura, a responsável pelo restaurante. Seja então: é um manual feito entre o final do séc. XIX e o princípio do séc. XX que reúne 790 receitas de cozinha tradicional italiana, de todas as regiões. E isto não é, de todo, um pormenor — foi a primeira obra deste género a abranger a totalidade da, à época, recém-unificada Itália.

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A obra que deu origem ao restaurante, na respetiva montra.
(foto: © Divulgação)

A relação de Paolo com o manual em questão não é de agora. Não só o ofereceu de presente de casamento ao irmão, em 1974, como, garante a filha, “já tinha a ideia de abrir um restaurante com as receitas do Artusi”. Há uns anos, vendeu os negócios que tinha no Brasil, no ramo da hotelaria e restauração, e mudou-se para Lisboa. Quando Isaura — que é italo-brasileira — decidiu vir ter com o pai, surgiu a oportunidade ideal para passar das ideias aos atos. Pegaram no antigo restaurante Merca-Tudo mas não fizeram obras revolucionárias. “Como a comida é caseira, a ideia é que isto pareça uma casa e tenha um ambiente familiar”, diz Isaura. Dia 1 de maio abriram portas.

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Mas quem era esse Pellegrino Artusi?

Isaura elucida. “Ele não era cozinheiro, era um comerciante muito interessado pela gastronomia.” Tão interessado que decidiu, por si, compilar uma série de receitas de origens diversas. “Muitas eram-lhe enviadas por carta, por donas de casa, e ele experimentava-as com a sua cozinheira Marietta. Mas também acontecia ele experimentar um prato num restaurante e gostar tanto que ia à cozinha e pedia para o refazerem à sua frente”, conta a responsável. Depois, Artusi não se limitava a descrever a receita. “No livro ele conta sempre uma história engraçada à volta de cada prato, com muitas expressões toscanas”, explica Isaura.

Curiosamente, a primeira edição do livro foi um fiasco. “Ninguém o queria publicar, teve de pagar do próprio bolso essa primeira edição”, recorda a responsável. Mas o reconhecimento acabaria por chegar, antes mesmo da sua morte, em 1911. Data desse ano a versão de La Scienza In Cucina que usam no L’Artusi. “É a mais completa, porque ele foi sempre acrescentando receitas”, justifica Isaura. Das 790 que compõem a dita edição, foram escolhidas 17 para o primeiro menu do restaurante. Tanto se podem pedir à carta, como optar por um menu degustação para duas pessoas, com sete pratos, que fica por 100€.

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Isaura Morosi ao balcão do L’Artusi. O restaurante ocupa o antigo espaço do Merca-Tudo, na rua homónima. (foto: © Divulgação)

Como seria de esperar, a oferta tem muito pouco a ver com a dos outros restaurantes italianos de Lisboa. “Aqui percebe-se que a comida italiana não é só pasta e pizze.”A provar a afirmação de Isaura estão coisas como língua de vitela com molho picante (14€), caldeirada à livornese (18€), empadão de pombo (18€) ou o chamado assado morto com cheirinho a alho e alecrim (18€). Com uma base de trabalho tão grande é natural que a ementa vá rodando. E Isaura confirma-o: “Sim, só trabalhamos com produtos frescos e por causa da sazonalidade algumas receitas vão entrando e outras saindo.”As bebidas que acompanham são todas italianas, para evitar que o velho Artusi dê voltas na tumba. Vinhos, claro, mas também cerveja, refrigerantes ou até água.

E até a banda sonora foi pensada de acordo com o conceito da casa. Nada de Eros Ramazzotti nem Toto Cutugno (o de “L’Italiano”): Paolo Morosi fez uma playlist com música contemporânea da obra de Pellegrino Artusi e a filha Isaura intercalou-a com gravações das receitas, declamadas pelo recém-falecido ator italiano Paolo Poli.

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O bacalhau Monte Branco (11€(, outra das receitas de Artusi.
(foto: © Divulgação)

A partir de 1 de junho o restaurante abrirá também ao almoço mas só na esplanada. A sala interior ficará disponível sob reserva para quem quiser um almoço de trabalho, num ambiente mais recatado. Nesse período serão servidas receitas mais rápidas e económicas, mas também elas retiradas do manual de Artusi. E nem podia ser de outra forma. Afinal, como Isaura faz questão de dizer: “Os cozinheiros aqui são meros intérpretes do livro.” Capisce?

Nome: L’Artusi
Morada: Rua do Merca-Tudo, 4 (São Bento), Lisboa
Telefone: 21 396 9368
Horário: Das 19h às 22h30. Encerra às terças. A partir de 1 de junho abre também aos almoços, exceto ao domingo.
Preço Médio: 50€ (menu degustação, sem vinhos) ou 35€ (à carta)
Reservas: Aceitam
Site: lartusiristorante.com