Um dia após a demissão de Romero Jucá do ministério do Planeamento do governo interino de Michel Temer, na sequência de uma conversa gravada de forma oculta em que sugere um “pacto” para “estancar a sangria” da Operação Lava Jato, foi revelada esta quarta-feira outra escuta que está a tramar o presidente do Senado brasileiro, Renan Calheiros, filiado no PMDB, o mesmo partido de Jucá e do Presidente interino.

Segundo avança o jornal Folha de S. Paulo, Calheiros sugeriu enfraquecer a lei da “delação premiada”, mecanismo utilizado por um réu da justiça brasileira que aceite colaborar na investigação ou denunciar outros envolvidos num crime em troca de uma redução de pena. Esta lei tem sido fundamental para descobrir esquemas de corrupção entre os partidos políticos e empresários na Petrobras.

A ideia foi defendida numa conversa gravada anonimamente, em março, por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras, alvo da Operação Lava Jato. Machado também foi o interlocutor de Romero Jucá na escuta revelada esta segunda-feira, que resultou na sua demissão.

De acordo com a Folha de S. Paulo, Machado gravou pelo menos duas conversas com Renan Calheiros como forma de “defesa“, porque temia ser preso na sequência das investigações da justiça brasileira. Machado e Calheiros são alvo de inquéritos da Operação Lava Jato.

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Numa das partes da conversa, Machado sugeriu fazer “um pacto” para “passar uma borracha no Brasil”. Calheiros responde que “antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [Tribunal Federal] [podem] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação”.

Calheiros refere-se a uma lei aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, em fevereiro, que determina que um réu condenado na segunda instância da Justiça brasileira comece a cumprir pena de prisão, ainda que esteja a recorrer da decisão em tribunais superiores. A mudança nesta lei poderia beneficiar Machado, porque dificultaria a sua prisão.

Em seguida, o presidente do Senado diz que Dilma Rousseff deveria tentar negociar uma “transição” com os ministros do Supremo Tribunal Federal para frear a crise política, antes da votação do impeachment.

Sérgio Machado: É o seguinte, o PSDB, eu tenho a informação, se convenceu de que eles é o próximo da vez.

Renan Calheiros: [concordando] Não, o Aécio [Neves, presidente do PSDB] disse isso lá. Que eu sou a esperança única que eles têm de alguém para fazer o…

Sérgio Machado: [Interrompendo] O Cunha [Eduardo Cunha, presidente afastado da Câmara dos Deputados], o Cunha. O Supremo. Fazer um pacto de Caxias, vamos passar uma borracha no Brasil e vamos daqui para a frente. Ninguém mexeu com isso. E esses caras do…

Renan Calheiros: Antes de passar a borracha, precisa fazer três coisas, que alguns do Supremo [Tribunal Federal] [pode] fazer. Primeiro, não pode fazer delação premiada preso. Primeira coisa. Porque aí você regulamenta a delação e estabelece isso.

Sérgio Machado: Acaba com esse negócio da segunda instância, que está apavorando todo mundo.

Renan Calheiros: A lei diz que não pode prender depois da segunda instância, e ele aí dá uma decisão, interpreta isso e acaba isso.

Sérgio Machado: Acaba isso.

Renan Calheiros: E, em segundo lugar, negocia a transição com eles [ministros do Supremo Tribunal Federal].

Sérgio Machado: Com eles, eles têm que estar juntos. E eles não negociam com ela.

Renan Calheiros: Não negociam porque todos estão putos com ela. Ela me disse e é verdade mesmo, nessa crise toda –estavam dizendo que ela estava abatida, ela não está abatida, ela tem uma bravura pessoal que é uma coisa inacreditável, ela está gripada, muito gripada– aí ela disse: ‘Renan, eu recebi aqui o Lewandowski [Ricardo Lewandowski, atual presidente do Supremo Tribunal Federal] , querendo conversar um pouco sobre uma saída para o Brasil, sobre as dificuldades, sobre a necessidade de conter o Supremo como guardião da Constituição. O Lewandowski só veio falar de aumento, isso é uma coisa inacreditável’.

De acordo com Calheiros, os ministros do Supremo Tribunal Federal não negociam com Dilma Rousseff uma solução para frear na Justiça o seu processo de destituição, porque estariam “putos” com a Presidente afastada. Para superar a crise política, o senador propõe como “plano A” a implantação do regime político “semiparlamentarista” e como “plano B” o impeachment.

O presidente do Senado afirma ainda que os políticos estão com medo da Operação Lava Jato e que foi procurado pelo senador Aécio Neves, presidente do PSDB, para informar-se sobre a “delação premiada” do senador cassado Delcídio Amaral, réu da operação.

Através de um comunicado divulgado à imprensa, citado pela Folha de S. Paulo, Renan Calheiros defendeu-se ao afirmar que os “diálogos não revelam, não indicam, nem sugerem qualquer menção ou tentativa de interferir na Lava Jato ou soluções anómalas. E não seria o caso porque nada vai interferir nas investigações”. Sérgio Machado não foi localizado pela publicação.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, homologou esta terça-feira a “delação premiada” de Machado e poderá utilizar, a partir deste momento, as suas informações para abrir novos inquéritos da Operação Lava Jato ou atualizar as investigações em andamento.