É uma luta em que ainda ninguém ficou KO. Nem os taxistas, nem a Uber, nem a Cabify, nem a Comissão Europeia, nem o Governo. Mas nas ruas e ao volante não faltam treinadores de bancada, seja para defender ou para atacar. Entre os partidos, só há um que tem sido claro na posição que adotou face ao tema, o mesmo que apresenta o projeto de lei que esta quarta-feira é debatido no Parlamento – o Partido Comunista Português.

Os comunistas querem uma intervenção legislativa que proíba expressamente que o transporte remunerado de passageiros se faça noutro transporte que não o táxi. Quem for apanhado a fazê-lo deve ser obrigado a pagar uma coima que pode atingir 15 mil euros (se se tratar de uma empresa) ou cinco mil euros (se for uma pessoa singular). Já em fevereiro, o deputado Bruno Dias tinha enviado uma carta ao presidente da Assembleia da República, em solidariedade com os taxistas. Queria saber que medidas ia tomar o Governo face “ao denominado transporte Uber”.

Entretanto, muita coisa aconteceu. A Uber respondeu à carta, o Governo anunciou uma verba de 17 milhões para modernizar o setor do táxi, os taxistas organizaram a maior marcha lenta da história, a Autoridade de Mobilidade e dos Transportes manifestou-se pela primeira vez a confirmar a ilegalidade e a refutar os argumentos da tecnológica e até já há um novo operador no mercado a concorrer com a Uber, o Cabify.

Num setor em alvoroço, as defesas e acusações fazem-se ao volante, nas ruas, e nesta quarta-feira, no Parlamento. Nesta luta de condutores, quem carrega mais no acelerador?

Que luta é esta do PCP pelos taxistas?

O Partido Comunista quer “uma intervenção legislativa sobre o atual regime” dos transportes públicos em veículos ligeiros de passageiros. Ou seja, quer que a lei “estabeleça claramente a proibição expressa doutro tipo de transporte remunerado que não o transporte em táxi e a proibição da deslocalização ilegal de viaturas licenciadas”. Ou seja, para os taxistas não poderem comprar licenças nos concelhos em que não operam para utilizá-las nas cidades em que prestam serviços.

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“Importa dissuadir estas práticas ilegais, punindo não apenas quem executa o transporte mas fundamentalmente o proprietário da viatura que a disponibiliza e ainda quem o angaria, mais se estabelecendo como condição para a impugnação de tais coimas o depósito prévio equivalente ao valor da coima sob pena de apreensão dos documentos, como forma de evitar a litigância destinada a protelar no tempo a aplicação a sanção, prática a que a multinacional vem recorrendo insistentemente”, lê-se a proposta do projeto de lei.

Os comunistas querem, então, que quando for detetado um serviço Uber sejam punidos o motorista, a empresa parceira que está a prestar o serviço e a empresa que o angaria, ou seja, a Uber ou o Cabify. Se as coimas não forem pagas, os documentos do motorista e do veículo podem ser apreendidos, para evitar que a contraordenação se repita.

Assim, o que o PCP propõe é que o infrator do processo de contraordenação efetue o pagamento voluntário da coima mínima depois de ser notificado e no prazo previsto na lei. Se não o fizer, pode ser apreendida a carta de condução, o título de identificação do veículo e o registo de propriedade. Neste caso, são emitidas guias de substituição dos documentos até que o processo de conclua.

Se no final do processo as autoridades concluírem que o infrator não deve ser condenado, é-lhe devolvida a quantia que pagou voluntariamente e os documentos apreendidos.

“O exercício da atividade de transporte em táxi por entidade que não seja titular do alvará a que se refere o artigo 3.º é punível com coima de 2.500 euros a 4.500 euros, tratando-se de pessoa singular, ou de 5.000 euros a 15.000 euros, tratando-se de pessoa coletiva”, lê-se no projeto de lei. Acresce que em caso de reincidência é cobrado o dobro do valor e que estas coimas também se aplicam às empresas que angariem serviços para viaturas sem alvará através de comunicações eletrónicas.

Quando for detetado um “exercício irregular da atividade”, o PCP propõe que a utilização de um veículo não licenciado ou não averbado no alvará, bem como a utilização injustificada de um veículo licenciado em concelho, diferente seja punível com uma multa que pode variar entre de 3.000 e 5.000 euros.

Que batalha é a dos táxis?

Querem que empresas como a Uber e Cabify continuem a operar sob a condição de passarem serviços apenas para os taxistas — e não para as empresas parceiras, como os rent-a-car ou de animação turística — como têm vindo a fazer. Questionado pelo Observador, o presidente da Associação Nacional de Transportes Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), Florêncio de Almeida, disse em maio que só havia uma solução — que “a central de distribuição de serviços da Uber e da Cabify passasse estes serviços para os taxistas, os únicos com alvarás e licenças para o transporte ocasional de passageiros”.

Sobre se concordaria com uma solução que incluísse um novo enquadramento legal para a aquisição de alvarás e licenças, que permita a entrada dos novos operadores no mercado, Florêncio de Almeida afirmou que está contra. Isso representaria uma liberalização do setor, algo que não existe em nenhum país, referiu. “Seria perder o serviço público de transporte de passageiros. E depois quem é que controla os preços?”

“Ninguém é contra a Uber e a Cabify. Sou o primeiro a dizer que são muito bem-vindas dentro do que é legal”, afirmou Florêncio de Almeida ao Observador, a 5 de maio.

Na ação principal que está a preparar para entregar ao Tribunal — no âmbito da providência cautelar que apresentou contra a Uber em abril de 2015 — Florêncio de Almeida diz que a ANTRAL vai avançar um “pedido de indemnização de alguns milhões de euros”, que visa não só a Uber como as outras entidades citadas no processo e que foram notificadas pelo tribunal, onde se incluem operadores bancários, de telecomunicações, o IMT, a ASAE e as câmaras municipais de Lisboa e Porto. Entretanto, afirma que já pediu à Justiça que explicasse porque é que estas entidades não estão a cumprir a decisão do tribunal.

“Eles estão a incorrer com um processo-crime, tal como a Uber, naturalmente”, explicou Florêncio de Almeida, acrescentando que a decisão do tribunal “não tem poder suspensivo” e que ao não cumprirem com a ordem do tribunal “estão a ser coniventes com a situação”.

Em outubro de 2015, a Federação Portuguesa de Táxis (FPT) também já tinha defendido a aplicação de uma coima de quatro mil euros no momento em que fosse “detetada a fraude de transporte ilegal e clandestino” de passageiros, através da utilização de aplicações como a Uber.

Para Carlos Ramos, presidente da FPT, a coima deve ser aplicada no momento em que a infração é detetada pelas autoridades às mesmas entidades que os comunistas preveem: o condutor, o dono do carro e os intermediários deste tipo de serviços. Este valor deve ser depositado” ou pago de imediato.

Para que lado luta o Governo?

O Governo já disse que quer encontrar soluções até ao final do ano. Para cumprir com o objetivo, preparou um grupo de trabalho sobre o transporte flexível. De acordo com o que foi avançado à Agência Lusa pelo secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, a ideia é fazer com que os requisitos de acesso à profissão de taxista também sejam cumpridos pelas plataformas de transporte privado, como a Uber e a Cabify.

“Se houver uma nova tipologia de operadores de transporte eu acho que os requisitos de acesso ao mercado e à atividade devem ser homogéneos”, disse o secretário de Estado, acrescentando que “a haver alterações nessa matéria, com certeza que haverá aqui equidade nos tais requisitos de acesso à profissão, acesso à atividade e ao mercado, o que significa que não vai haver custos de contexto diferenciados”.

Ao contrário do que querem os taxistas, a solução do Governo pode passar por um novo enquadramento legal, que altere as condições impostas a quem quer efetuar transporte de passageiros, ou seja, abrindo o mercado.

O grupo de trabalho inclui membros do Governo, das associações do setor do táxi, das Câmaras Municipais do Porto e de Lisboa, a Associação Nacional de Municípios, a Associação do Porto de Lisboa, a ANA — Aeroportos de Portugal e o Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT). Tal como os taxistas já tinham pedido, não fazem parte das negociações empresas como a Uber ou a Cabify.

O que defende o regulador do setor dos transportes?

A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) diz que a Uber é ilegal e que cabe à ANTRAL acionar os meios para que a providência cautelar seja cumprida. No parecer que realizou para o Ministério do Ambiente, o regulador diz que o facto de a empresa ser uma “plataforma tecnológica” não impede que seja considerada, do ponto de vista legal, um operador de transportes; e que as entidades parceiras não podem transportar passageiros ocasionais a um ritmo “frequente e de volume significativo”. São estas as duas principais bandeiras utilizadas na defesa da Uber para mostrar que opera legalmente.

Ou seja, se é verdade que as empresas de rent-a-car podem celebrar contratos de aluguer de veículos sem condutor, ou com condutor em circunstâncias especialmente previstas, não podem, face ao regime legal em vigor, realizar validamente, a título de prestação frequente e de volume significativo, o transporte remunerado de passageiros ocasionais. (…) É ainda importante salientar que o regime jurídico do rent-a-car proíbe, nos termos do n.º 3 do artigo 6º, a sublocação dos veículos alugados”, lê-se.

O parecer da AMT diz também que a figura do “motorista de turismo” está prevista na lei como resposta ao crescente peso da economia de turismo no país, mas que, nos últimos anos, a falta de regulamentação deste serviço “deu azo a todo o tipo de abusos no aproveitamento do segmento”, que era “exclusivo dos táxis”.

“Do que antecede resulta claro que a utilização de empresas rent-a-car, ou de quaisquer outras empresas de animação turística, ou de designação afim, como parceiros não confere legalidade ao modelo de negócio da Uber“, acrescenta o regulador.

A AMT explica ainda que a Uber atua no universo das “inovações paradoxais”, que “oscila entre a apetência para a novidade, própria da ‘cultura do efémero’, e a confiança quase espontânea e sem reservas que se instala entre desconhecidos” e que essa mesma confiança pode “envolver riscos regulatórios na medida em que propicia o crescimento do poder de mercado, favorece a cartelização”, entre outros.

O que diz a Europa sobre tudo isto?

Ao contrário do parecer da AMT, o Fórum Internacional dos Transportes (ITF), que pertence à OCDE, defende que as aplicações que têm como objetivo servir a mobilidade dos utilizadores, como a Uber ou a Cabify, proporcionam “mais transparência, previsibilidade e responsabilização” do que os tradicionais táxis.

Para o ITF, as “aplicações de mobilidade são populares porque entregam mais valor ao consumidor” do que a maioria dos serviços”, reduzem os custos de transação a assimetria de informação entre condutores, operadores de frotas e passageiros. O regulador diz ainda que é preciso adaptar a regulação atual para serviços de transporte de passageiros.

“A regulação deve proporcionar o desenvolvimento de serviços inovadores que contribuam para os objetivos das políticas públicas como melhoria da mobilidade, segurança, bem-estar dos consumidores e sustentabilidade. Isto vai, provavelmente, obrigar a aliviar as barreiras à entrada no setor do transporte privado de passageiros e aliviar a regulação das tarifas dos táxis”, lê-se no estudo.

Em março, um porta-voz da comissária europeia dos Transportes, Violeta Bulc, adiantou ao Observador que a Comissão Europeia não quer que sejam os Estados-membros a decidir sobre temas que podem dificultar o crescimento da economia de partilha na Europa. Mais: não vai favorecer modelos de negócio em detrimento de outros.

Respostas precipitadas ou descoordenadas de nível nacional ou local a estes desafios podem criar incertezas legais, fragmentar aquele é que o mercado único e dificultar o crescimento da economia colaborativa na Europa. A posição da Comissão Europeia é esta: estamos a tentar perceber como podemos encorajar o desenvolvimento de serviços novos e inovadores e a utilização temporária de ativos, sem favorecer um modelo de negócio em detrimento de outro”, afirmou o porta-voz da comissária.

A Comissão Europeia está a preparar um guia para orientar os Estados-membros sobre como aplicar as regras europeias aos serviços de economia de partilha, onde se inclui empresas como a Uber ou a Cabify, reconhecendo que apesar de estes serviços abrirem a porta a um maior leque de escolhas, preços mais baixos e oportunidades de crescimento, também levantam questões importantes relacionadas com os direitos dos consumidores, impostos e legislação laboral.