Pelo oitavo dia consecutivo, França volta a ser palco de manifestações e bloqueios organizados pelos sindicatos e trabalhadores que protestam contra a proposta de reformulação do código de trabalho do Governo de Manuel Valls. Com alguns setores do país paralisados, com destaque para a energia, o primeiro-ministro francês admitiu esta quinta-feira a hipótese de “modificações” e “melhoramentos” ao código do do trabalho, mas disse que estava “fora de questão mudar o enquadramento” deste pacote legal.

O Governo já mudou cerca de 500 itens dos cerca de 6 mil da lei laboral, mas essas alterações não foram suficientes para acabar com a contestação dos sindicatos.

A prova disso é o que se está a passar esta quinta-feira. Segundo o El País, pelo menos um terço dos comboios estão parados e apenas 15% dos voos agendados para partir de França devem ser realizados. Na véspera, os trabalhadores das 19 centrais nucleares do país aprovaram uma votação para entrarem em greve — algo que pode ter consequências diretas na vida do país, uma vez que 75% da produção elétrica do país depende destas centrais.

A lei coloquialmente conhecida como “El Khomri”, uma vez que a ministra do Trabalho se chama Myriam El Khomri, prevê uma liberalização do mercado laboral, algo fortemente contestado pelos sindicatos e também por alguns partidos à esquerda do Partido Socialista francês. No novo código, as empresas terão mais liberdade para fixar – e assim baixar – o pagamento de horas extraordinárias que vão para lá das 43 horas semanais. Em França, o horário semanal de trabalho é de 35 horas, sendo que nas oito seguintes o trabalhador ganha mais 25% do que o valor que recebe habitualmente por hora. Atualmente, a partir das 43 horas ganha-se mais 50%.

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Com esta nova lei, o pagamento pode ser limitado a um bónus de 10%, independentemente daquilo que estipulem os contratos coletivos de trabalho. E é precisamente aqui que surge uma das maiores discórdias entre sindicatos e Governo, que tem a ver com a “inversão de normas” – isto é, as regras internas decorrentes de negociação entre trabalhadores e patrões passará a ter primazia perante os contratos coletivos de trabalho, que passarão a ter um valor prático ilustrativo.

Os despedimentos coletivos por motivo de baixa de produção ou volume de negócios da empresa também passarão a ser mais fáceis. Neste momento, só são permitidos caso a empresa tenha uma perda de volume de negócios durante 12 meses consecutivos ou prejuízo durante seis meses.

Hollande numa “armadilha”

Segundo o Le Monde, quando questionado sobre quais seriam os aspetos do novo código de trabalho que o Governo estava disposto a alterar, Valls respondeu de forma furtiva, mas deixou pelo menos uma certeza: “Veremos quais são, mas não haverá modificações à filosofia do texto”. Em visita oficial no Japão, onde participará da reunião do G7, o Presidente François Hollande declarou o seu apoio ao primeiro-ministro e ao projeto-lei.

Numa entrevista dada esta manhã à rádio BFMTV-RMC, Valls lançou críticas à CGT, a união sindical que responsável pela onda de manifestações que têm marcado um pouco o ano político francês e que se têm intensificado nas últimas semanas. “Eu respeito a CGT e a sua história (…), mas não é a CGT que pode bloquear um país, não é a CGT que pode impor uma lei”, disse, para depois acrescentar que “este país sofre por vezes com o seu conservadorismo, com a sua impossibilidade de se reformar e é por isso que vivemos um momento crucial”.

Este tem sido o período mais duro para o Presidente François Hollande, desde que este tomou posse em 2012. Ao The Guardian, o cientista político Pierre Mathiot explica que o atual clima de instabilidade pode prejudicar uma eventual candidatura de Hollande nas eleições presidenciais de 2017. “Hollande está numa armadilha independentemente daquilo que ele fizer”, diz. “Se ele adotar uma postura autoritária, como Sarkozy fez, e usar a polícia para abrir as refinarias, isso vai agitar as bases de esquerda e só vai satisfazer a direita que de qualquer maneira também nunca votaria nele no ano que vem. Mas se ele começar a arrepiar caminho com a lei laboral, a esquerda não vota nele na mesma. Nada do que ele possa fazer lhe traz um benefício político: esse é o problema.”

Enquanto isso, a popularidade de François Hollande está num mínimo histórico. No final de abril, uma sondagem da Elabe apurou que 87% dos franceses estão descontentes com os quatro anos do socialista no poder.

Moção de censura discutida na terça-feira

O novo pacote laboral começará a ser discutido pelo senado a 14 de junho, depois de o Governo ter recorrido ao decreto 49.3, obtendo o consentimento para tal em Conselho de Ministros. Na prática, o Governo de Manuel Valls evitou que a lei “El Khomri” fosse votada no parlamento — a câmara baixa — onde cerca de 50 socialistas garantiram a sua oposição ao projeto-lei. Na altura, Valls justificou esta decisão dizendo que “a reforma deve seguir, porque o país tem de avançar, porque as relações salariais e os direitos dos salariados devem progredir”.

A decisão levou a que Os Republicanos (antiga UMP, liderada por Nicolas Sarkozy) e a União de Democratas e Independentes, ambos de centro-direita, avançassem com uma moção de censura contra o Governo de Manuel Valls., que já tem discussão agendada para terça-feira. Jean-Luc Mélenchon, fundador do Parti de Gauche, de esquerda radical, já falou a favor de uma moção de censura, apelando ao fim do “reino crepuscular”.