O que consegue fazer em 0,43 segundos? Provavelmente piscar o olho e nada mais. No entanto, foi tempo suficiente para que Al Unser, Jr. garantisse a sua primeira vitória nas 500 Milhas de Indianápolis, em 1992, numa disputa milimétrica contra Scott Goodyear, que tinha colocado o carro ao lado do seu oponente dois segundos antes do fim da corrida.

A vitória de Al Unser Jr. foi um alívio para adeptos e aficionados, que temiam uma repetição do que lhe acontecera três anos antes na mesma corrida. Al Unser Jr. liderava a corrida a duas voltas do fim quando viu Emerson Fittipaldi aproximar-se perigosamente. Ao disputar a posição, na penúltima curva do circuito, os dois pilotos acabaram por se tocar para azar de Al User Jr, que perdeu o controlo do seu carro e bateu contra o muro.

Redenção é uma palavra que combina com as 500 Milhas de Indianápolis. Assim como tradição. Na casa da família de Al Unser Jr, por exemplo, as suas duas conquistas não são as únicas na estante de troféus. O seu pai, Al Unser, é um dos três pilotos com mais vitórias na prova, com quatro conquistas. O seu tio, Bobby Unser, venceu três vezes, em três décadas diferentes.

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Esta combinação de histórias, personagens e disputas até a última curva ajudaram a tornar as 500 Milhas de Indianápolis uma das corridas mais importantes do calendário do automobilismo mundial, ao lado do grande prémio do Mónaco de Fórmula 1 e das 24 Horas de Les Mans. Na sua 100º edição, celebrada este domingo, o Observador preparou um guia a explicar o que há de especial nesta corrida

O que se disputa nas 500 Milhas de Indianápolis?

As 500 Milhas de Indianápolis é uma corrida pertencente à IndyCar, a principal categoria americana de monopostos. A IndyCar apresenta, no entanto, várias diferenças em relação à F1, a começar pelos carros, todos feitos a partir do mesmo chassi. A Honda e a Chevrolet fornecem os motores e uma espécie de “kit aerodinâmico”, para que cada equipa construa o seu modelo. Na prática, isto significa uma diferença tecnológica menor entre os carros mais velozes e os mais lentos.

Uma mesma equipa pode ter carros com cores diferentes e o seu tamanho é flexível, com formações a contar com cinco pilotos e outras com apenas um.

Em 2016, a IndyCar é disputada em 16 corridas, 15 nos Estados Unidos e uma no Canadá. Há três tipos de circuitos: mistos, ovais e de rua. As 500 Milhas de Indianápolis é a principal prova do calendário.

E por que 500 Milhas? São 500 voltas?

Diferente da maioria das categorias de automobilismo europeu, a IndyCar utiliza as milhas como medida para calcular a velocidade e a distância entre os pilotos e a distância total percorrida pelos pilotos numa corrida num circuito oval.

No caso de Indianápolis, a distância de 500 milhas foi decidida por Carl Fisher durante a idealização da primeira prova, em 1911. A ideia era que a corrida começasse de manhã e terminasse à tarde, durando aproximadamente sete horas, de modo a manter o interesse dos espetadores. De acordo com os seus cálculos, este tempo seria alcançado se a corrida tivesse 500 milhas de percurso total. Naquele ano, Ray Harroun venceu a corrida em 6 horas, 42 minutos e 8 segundos. Comparativamente, Juan Pablo Montoya venceu as 500 milhas de Indianápolis, em 2015, em 3 horas, 5 minutos e 56 segundos.

Uma volta no circuito de Indianápolis tem uma distância de 2,5 milhas, o que equivale a cerca de 4,02 quilómetros. Logo, as 500 milhas de Indianápolis são disputadas em 200 voltas.

Se a primeira corrida foi disputada em 1911, por que esta é a 100º edição?

As 500 milhas de Indianápolis não foram realizadas em 1917 e 1918 devido à I Guerra Mundial. O cancelamento da prova foi repetido entre 1942 e 1945 por causa da II Guerra Mundial. Desde então, é uma tradição anual continuada.

E a Fórmula 1 não tem nada a ver com as 500 Milhas de Indianápolis?

Não. Mas no passado, já teve. A corrida fez parte do calendário da Fórmula 1 entre 1950 e 1960. Entre 2000 e 2007, o circuito de Indianápolis voltou à categoria, mas com um traçado misto, que mantinha apenas uma curva do traçado oval original.

A Fórmula 1, no entanto, sempre contribuiu com nomes para as 500 milhas de Indianápolis. Os casos mais destacados são Graham Hill, Jim Clark, Mario Andretti, Emerson Fittipaldi e Jacques Villeneuve, que foram campeões mundiais de Fórmula 1 e que já venceram a prova.

Graham Hill venceu as 500 Milhas de Indianápolis em 1966

Juan Pablo Montoya, atual vencedor da corrida, também já disputou a Fórmula 1 e participa este ano da disputa, ao lado de Takuma Sato, Alexander Rossi, Sébastien Bourdais e Max Chilton, todos ex-pilotos da categoria.

E a pista é verdadeiramente oval? Os pilotos andam em círculo 200 vezes?

O circuito de Indianápolis é mais um retângulo com vértices redondos do que um círculo, para ser preciso. A pista conta com duas retas longas, duas retas curtas e quatro curvas com uma inclinação a 9° 12′. A largura da pista é de 15 metros, espaço suficiente para disputas de até quatro carros lado a lado.

E como funciona a dinâmica da corrida?

As 500 Milhas de Indianápolis começam duas semanas antes da corrida. O evento iniciou-se este ano a 16 de maio com o primeiro treino livre e com o “Rookie Orientation and Refresher Tests”, uma espécie de teste obrigatório feito com pilotos que nunca participaram na corrida, em que precisam superar uma velocidade mínima ao longo de três etapas para que estejam autorizados a disputar a prova. Em seguida, foram realizados treinos livres diários até o último sábado, quando os pilotos participaram do treino de classificação para a corrida.

De acordo com a velocidade em milhas por hora desta sessão, os pilotos foram divididos em dois grupos no domingo. O primeiro, formado pelos nove primeiros colocados de sábado, disputou a pole position, conquistada por James Hinchcliffe com a velocidade de 230,760 milhas por hora. Os outros pilotos disputaram numa outra sessão os outros lugares da grelha de partida a partir da décima posição.

Esta segunda e sexta-feira aconteceram os últimos treinos livres antes da corrida, a que acontece no domingo. No sábado, dia anterior à corrida, não há atividade na pista.

E quantos pilotos são? Quem são os favoritos para ganhar prova?

No total, participam 33 pilotos nas 500 Milhas de Indianápolis, em 2016. O número é definido pela organização da corrida, baseada em parâmetros de segurança, e excede o número de pilotos que normalmente disputa a temporada da IndyCar. Tal acontece porque as equipas podem convidar pilotos que não estão inscritos no campeonato para disputarem unicamente a prova de Indianápolis. Em geral, os “convidados” são pilotos de outras categorias, como a Nascar ou a Fórmula 1, ou ex-pilotos da própria IndyCar.

É difícil apontar um favorito em Indianápolis, sobretudo com a constante mudança na liderança da corrida. Com exceção da prova realizada em 1930, há, pelo menos, uma dezena de trocas de líderes ao longo da disputa. O recorde foi em 2012, quando a liderança foi trocada 34 vezes ao longo das 200 voltas.

A posição de largada não costuma ser importante, pois a prova costuma ser interrompida diversas vezes por acidentes. Outro fator de imprevisibilidade são as estratégias para a troca de pneus, que podem embaralhar a classificação.

Esta ano vão disputar a corrida seis ex-vencedores da corrida: Ryan Hunter-Reay, Hélio Castroneves, Scott Dixon, Juan Pablo Montoya, Scott Dixon e Buddy Lazier. Há também cinco estreantes: Alexander Rossi, Max Chilton, Matthew Brabham, Spencer Pigot e Stefan Wilson. Pippa Mann é a única mulher inscrita na prova este ano. Simon Pagenaud é o atual líder do campeonato e larga na oitava posição.

E qual é o prémio do vencedor?

O vencedor das 500 Milhas de Indianápolis recebe o Troféu Borg Warner, o mais antigo troféu do automobilismo, além de um prémio em dinheiro que pode variar entre 8,9 e 12,5 milhões de euros, de acordo com os contratos firmados por patrocinadores.

O vencedor ganha ainda 100 pontos na disputa do campeonato, o que representa o dobro de pontos em relação às outras etapas do ano.

INDIANAPOLIS, IN - MAY 27: A detail of the Borg Warner Trophy on the yard of bricks during the Indianapolis 500 Mile Race Trophy Presentation and Champions Portrait Session for 2013 Indianapolis 500 Champion Tony Kanaan of Brazil, driver of the Hydroxycut KV Racing Technology-SH Racing Chevrolet, at Indianapolis Motor Speedway on May 27, 2013 in Indianapolis, Indiana. Kanaan earned his first Indy 500 victory by winning the 97th running of the race. (Photo by Chris Graythen/Getty Images)

Este é o Troféu Borg Warner dado ao vencedor das 500 Milhas de Indianápolis

Por que razão os vencedores comemoram bebendo leite?

Tudo começou em 1935, quando Louis Meyer venceu a prova pela segunda vez e pediu um copo de leite para se refrescar do calor após a corrida, algo comum no sul dos Estados Unidos. No ano seguinte, Meyer voltou a vencer a corrida e recebeu, desta vez, uma garrafa de leite. O momento foi registado por um fotógrafo e ganhou as páginas dos jornais do país. Inspirado pela imagem, a empresa Milk Foundation passou a patrocinar o momento nos anos seguintes. Desde então, a garrafa de leite tornou-se sinónimo de vitória nas 500 Milhas de Indianápolis.