5-4 nos penáltis e a Liga dos Campeões é do Real Madrid.

Resumir um jogo destes é facílimo. É tarefa que se cumpre com uma frase, como se leu. Só que qualquer final que chegue ao ponto a que esta chegou transforma um jogo em dois, e isso obriga-nos a pensar. A tentar explicar o arco-da-velha que se construiu durante o primeiro para se chegar ao segundo, que são os penáltis. Porque quando a bola para a 11 metros da baliza começa outro jogo e o primeiro não tem nada a ver com o segundo. Ou melhor, o resultado do segundo não depende do que aconteceu no primeiro. E antes de Cristiano Ronaldo bater o quinto remate e Jan Oblak não se mexer para evitar esse, e os quatro anteriores, fizemos umas contas.

Quando os 120 minutos de futebol acabaram já tínhamos visto muita coisa. Jogadores a estenderem-se no relvado a cada paragem no jogo, a obedecerem ao corpo que lhes exigia descanso. Muitos com as meias em baixo, enroladas nos tornozelos, para tentarem enganar as pernas pesadas. Uns quantos a pedirem um alongamento para curar as cãibras. Os piores a terem que ser substituídos, por não aguentarem mais. O prolongamento ainda não tinha aparecido e já os homens do Real e do Atlético andavam nisto, num jogo de ver quem aguenta mais. É normal: os colchoneros chegaram à final com 5.130 minutos de futebol na bagagem (57 jogos) e os merengues com 4.680 (52 partidas). É um exagero para o corpo humano.

Mas enquanto ele esteve fresco e deixava 22 homens correrem, à vontade e sem cansaço, o Real Madrid foi melhor. Começou agressivo, a pressionar o rival lá à frente, a juntar Kroos e Modric para lá da linha do meio campo, a querer trocar bolas em sítios onde, perdendo-a, seria menos mau. Estavam mais espevitados, mais alerta, a serrarem os dentes como costuma serrar o rival que desde maio de 2014, desde a final da Liga dos Campeões que agora reeditavam, apenas tinha vencido uma vez em dez tentativas. Os dois médios pegavam na equipa e na bola, ganhavam faltas, eram duros como não é habitual, reclamavam o destaque que fugia a Bale e, sobretudo, a Ronaldo.

E lutaram e correram e puseram o pé em bolas indecisas e deram ao Atlético um sabor do próprio veneno. A equipa de Simeone provou-o quando fez uma falta perto da área e levou o jogo para o momento em que duas equipas mais se equilibram. A bola parou e Sergio Ramos mexeu-se onde é mais decisivo. Na área, a saltar, a elevar-se, a decidir. O central desviou na cara de Oblak (15’) a bola que Kroos cruzara. O capitão estava em fora-de-jogo e os árbitros, fora dela, não viram. O golo com que dois anos antes salvou a final era o golo que agora inaugurava o marcador e invertia os papéis dos rivais.

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MILAN, ITALY - MAY 28: Sergio Ramos of Real Madrid celebrates scoring the opening goal during the UEFA Champions League Final between Real Madrid and Club Atletico de Madrid at Stadio Giuseppe Meazza on May 28, 2016 in Milan, Italy. (Photo by Chris Brunskill Ltd/Getty Images)

Foto: Chris Brunskill Ltd/Getty Images

O Atlético passou a ter que ser perseguidor em vez de perseguido. A ter a bola à qual renuncia e entre no jogo que gosta, que é o de jogar com os espaços, de jogar sem bola, de ter paciência para esperar pelo erro alheio para poder atacar rápido a baliza dos outros. De repente, o Real passou a fazer de Atlético e viu-se até ao intervalo um Gabi e um Koke a terem tanta bola que parecia estranho. Zidane foi esperto e mandou os seus renunciarem ao talento que tinham a mais e defenderem como se fossem menores que os colchoneros. Resultou porque fecharam-se bem, tanto que apenas dois remates (34’ e 43’) de Griezmann foram inofensivos de mais. Isto enquanto o Real ficava com mais espaço, pois o Atlético sabe precaver-se melhor quando os outros têm a bola do que quando é ele que a tem e a pode perder.

Assim o Atlético não podia continuar e a pica com que o Real entrou na final foi a pujança que a equipa de Simeone trouxe à segunda parte. Entraram acelerados, com todos a jogarem uns metros mais à frente, com Griezmann longe da área, a fugir para as alas por estar sedento de espaço. Ao primeiro minuto arranjou-o e depois arranjou maneira de um passe rasteiro entrar na área, pelo centro. O Real abria um buraco indesculpável e tentou ganhar posição como não se pode dentro da área — o central deu um encontrão a Fernando Torres, que se preparava para guardar a bola de costas para a baliza, e derrubou-o. O homem que não completara um passe na primeira parte cavava um penálti.

Mas o homem que já falhara um pontapé destes contra o Real esta época voltou a não acertar. O pé esquerdo do francês teve pontaria para a barra e o bom início do Atlético foi apenas isso, um bom início. Não se tornou num arranque gigante porque, além do penálti, também Savic não acertou na baliza que tinha a dois metros (54’), Koke não surpreendeu com um remate de longe, com a bola a meia altura (58’), nem a cabeça de Saúl afinou a mira (60’) no desvio a um cruzamento de Yannick Ferreira-Carrasco, o extremo que Simeone trocou com um trinco ao intervalo.

Os homens que seguem o Cholismo, filosofia de El Cholo para quem o esforço é inegociável e o correr mais que os outros, também, tinham muito mais bola que o costume. Atacavam muito, estavam quase sempre no meio campo do Real, mas arriscavam. Lidavam com um risco que não sabem evitar e os merengues recuavam para serem o Real do contra-ataque, das três setas (Ronaldo, Bale e Benzema) apontadas à baliza. Nenhuma se espetou no coração do Atlético para o matar, a ele e à final, porque depois de Benzema atirar ao boneco (70’) de Oblak, o guarda-redes viu Ronaldo fazer o mesmo (78’). Menos de um minuto depois, arrependeu-se.

Atletico Madrid's Belgian forward Yannick Ferreira Carrasco (L) reacts after scoring a goal during the UEFA Champions League final football match between Real Madrid and Atletico Madrid at San Siro Stadium in Milan, on May 28, 2016. / AFP / PIERRE-PHILIPPE MARCOU (Photo credit should read PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images)

Foto: PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images

Porque a bola continuou viva, a jogada seguiu e o Atlético contra-atacou rápido até a pressa abrandar em Gabi. À entrada da área, o capitão transformou o pé direito num gancho que picou a bola e a fez chegar a Juanfran, que à direita da área cruzou a bola de primeira. Foi direita ao segundo poste, onde Danilo não ligou nenhuma a Carrasco e Lucas Vásquez já foi tarde para emendar isso. O belga marcou, foi à bancada beijar a namorada e os colchoneros renasciam numa altura (79’) em que o Real não o conseguia fazer. Bale arrastava-se, Ronaldo só estava em campo porque queria, Modric ia morrendo aos poucos e apenas Casemiro tinha pernas para o jogo.

Só que Zidane já não tinha substituições na manga enquanto a Simeone sobravam duas. Os merengues viram os rivais a pressionarem, a encostá-los à área e a tirarem a senha para pararem as corridas de Carrasco em falta, à vez, para distribuírem cartões amarelos. Fernando Torres ainda esteve perto de marcar antes de Sergio Ramos matar à tesourada o último contra-ataque do Atlético nos 90’. O capitão sabia que mais 30 minutos de final era mau, mas pior seria perdê-la logo ali. Por isso a final continuou.

E quase todos se arrastaram pelo relvado devido aos tais milhares de minutos que toda a gente tinha nas pernas. Felipe Luís e Koke tiveram que sair, Gareth Bale sentir cãibras cada vez que se esforçava (acabou o jogo a coxear) e as meias em baixo eram uma nova moda em San Siro. Dizem que os treinos de Diego Simeone são uma canseira que não dá descanso entre exercícios e a cabeça dos jogadores do Atlético parecia pensar melhor — ou errar menos vezes — em esforço. Mas foram Ronaldo, de cabeça, e Bale, com o pé esquerdo, a ameaçarem entre as duas vezes que Danilo, o mais fresco dos defesas em campo, tirou o pão da boca a Griezmann e Carrasco. Não houve mais golos, também porque Lucas Vásquez quis tentar à segunda o remate que lhe devia ter saído à primeira, na última jogada da partida.

Porque a seguir começou a outra. A tal em que Jan Oblak nunca se mexeu para tentar parar um penálti e parecia fazer de propósito para nem tentar. A mesma em que apenas Juanfran falhou ao acertar no poste e Cristiano Ronaldo, mesmo jogando poucochinho, acabou a fazer muito por ter batido o penálti que teu a 11.ª orelhuda da Liga dos Campeões ao Real Madrid. A Undécima, como lhe chamam. Mas esse já foi o outro jogo. No que durou 120 minutos, o Atlético voltou a não perder com o Real (pela décima vez nos últimos 11 encontros) e a jogar com uma alma que nos dá pena ouvir quem os treina, no final, a dizer que “está a pensar” sobre se fica, ou não, no clube que tornou gigante nos últimos quatro anos.

No outro jogo, o dos penáltis, fez-se vencedor Zinedine Zidane, o primeiro a ganhar a Champions como jogador (2002), adjunto (2014) e treinador (2016). O francês é um homem distinto, tal como tudo é diferente quando uma final se decide neste jogo.

MILAN, ITALY - MAY 28:  Sergio Ramos of Real Madrid of Real Madrid lifts the Champions League trophy after the UEFA Champions League Final match between Real Madrid and Club Atletico de Madrid at Stadio Giuseppe Meazza on May 28, 2016 in Milan, Italy.  (Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

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