O dirigente histórico socialista Manuel Alegre considera que o PS estaria manietado e bloqueado se tivesse um compromisso com o PSD e defende que um acordo à direita representaria um atentado à sua base social de apoio.

Posições assumidas por Manuel Alegre em entrevista à agência Lusa, a cinco dias do início do Congresso Nacional do PS, em relação ao qual espera que “consolide a linha política que está na base desta convergência de esquerda” e que proceda a uma reflexão profunda sobre a União Europa, que, na sua opinião, tal como está, constitui “uma fraude”.

“Espero que do congresso do PS saia reforçada a orientação política que conduziu ao fim do chamado ‘arco da governação’ e à formação deste Governo”, declara o ex-candidato presidencial.

Para Manuel Alegre, “até aqui a democracia portuguesa estava mutilada de uma das suas partes e a atual solução restituiu ao parlamento a sua centralidade”.

“Apesar de todas as dificuldades, algumas das principais promessas eleitorais têm sido cumpridas. É uma solução que reconheço ser difícil, já que implica a necessidade de muito diálogo entre partidos que mantêm a sua identidade, mas tenho de prestar a minha homenagem ao PCP e ao Bloco de Esquerda pela forma muito responsável como têm contribuído para que o Governo funcione – e muitas vezes em situações complexas”, sustenta.

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Confrontado com a posição do eurodeputado socialista Francisco Assis de que o sentido reformista do atual Governo está bloqueado pelo “conservadorismo” do PCP e do Bloco de Esquerda em matérias como o Estado social, Manuel Alegre responde: “Ouvi essas declarações de Francisco Assis, por quem tenho amizade e consideração, mas discordo em absoluto delas”.

“Este Governo não está nem bloqueado nem manietado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. Pelo contrário, esses partidos tiveram a coragem de contribuir efetivamente para acabar com o flagelo de um Governo de direita”, contrapõe Manuel Alegre.

Ao contrário do que defende Francisco Assis, Manuel Alegre acredita que uma solução que mantivesse o quadro político anterior “contribuiria para retirar ao PS a sua autonomia estratégica”.

“Se não houvesse esta mudança, o PS estaria capturado pelo PSD. O mérito de António Costa foi ter sabido virar a página. Se me permitem a imodéstia, sempre com o meu apoio em momentos decisivos”, vinca.

Um eventual entendimento com o PSD, para Manuel Alegre, “sobretudo nas condições atuais, seria um atentado à base eleitoral” do PS, mas também um atentado contra todos aqueles que foram vítimas da governação da direita”.

“E seria também um atentado à razão histórica do PS. Para fazer o que a direita faz, não são precisos partidos socialistas”, salienta.

Em relação ao congresso do PS, Manuel Alegre espera também que se proceda uma reflexão sobre o estado atual da Europa, “porque o projeto europeu está a ser traído”.

“A Europa tal como está é uma fraude. Este Governo incomoda muito a direita portuguesa e a direita europeia. Como já disse, António Costa não provoca, mas também não se deixa provocar. António Costa não afronta, mas também não se coloca de joelhos na Europa. É uma atitude inteligente”, defende o ex-membro do Conselho de Estado e candidato presidencial nas eleições de 2006 e 2011.

Manuel Alegre critica a corrente, segundo ele sobretudo bem representada entre os comentadores das televisões, “que até parece contente quando se fala na ameaça de sanções a Portugal”.

“É uma doença ideológica. Temos de pensar primeiro no interesse nacional e, partir daí, tentar que a Europa mude. O Governo deve falar com toda a gente, mas não podemos aceitar uma Europa de soberania limitada inspirada na velha doutrina Brejnev. Este é um problema essencial”, aponta.

Alegre recusa ser “um otimista beato sobre a Europa” e ataca a trajetória seguida pelos partidos socialistas, sobretudo a partir da década de 90.

“Penso que a Europa está como está também devido à capitulação de muitos dos partidos socialistas europeus e da sua cumplicidade objetiva com os conservadores que hoje dominam a Europa. Espero que o Governo do PS, apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP, que é um Governo pioneiro, seja uma fonte de inspiração para a esquerda europeia”, diz.

Sobre a existência de divergências profundas entre o PS e os partidos à sua esquerda em relação à participação de Portugal no projeto europeu, Alegre entende que “o diálogo e a vontade de convergência também a este nível podem ajudar a resolver algumas questões”.

“Esta Europa, tal como está, dá até razão a algumas das posições do PCP e do Bloco de Esquerda. Embora entenda que o Bloco de Esquerda e o PCP deveriam perceber que a solução não é sair da União Europeia, mas mudar a União Europeia”, advoga Manuel Alegre.