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Os "caça-emelgas". Nenhum agente da EMEL escapa a este grupo do Facebook

Este artigo tem mais de 5 anos

Bloquear a EMEL antes que ela bloqueie os lisboetas. "Eu vi um gajo da EMEL" é um grupo do Facebook que desmascara as localizações dos agentes de fiscalização da capital. Merecem mesmo um "gosto"?

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Ilustração: Milton Cappelletti, LUSA

Ilustração: Milton Cappelletti, LUSA

O fiscal com fato azul passou, serenamente, pela fila de carros estacionados na Rua Silva Carvalho, em Lisboa. Este “emélio”, “emeliano”, “emelzinho” ou “emelga”, como lhes chamam os utilizadores das redes sociais, seguia pela rua de Lisboa com uma mão atrás das costas, enquanto a outra mexia no telemóvel. Quando levantava o olhar, virava sempre a cabeça para a direita, porque era aí que estavam os carros estacionados. A certa altura abrandou, apoiou-se sobre a perna direita debruçando-se sobre um dos veículos e aproximou-se dele. Era um Peugeot que pertencia a Sérgio.

Quando Sérgio chegou ao carro, o fiscal da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) já tinha partido havia precisamente 21 minutos. Sérgio tinha cometido dois erros naquela manhã. Primeiro: tinha-se atrasado no ginásio, por isso já não tinha moedas suficientes no parquímetro. Segundo: ainda não tinha encontrado o grupo de Facebook “Eu vi um gajo da EMEL”, que denuncia a localização dos fiscais desta empresa através da rede social. Se seguisse o grupo, tinha visto a foto que Teresa tinha tirado ao fiscal quando este se preparava “para estragar a manhã de alguém”. Assim, foi a de Sérgio que ficou estragada.

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Foi há cerca de um mês que Fernando Pereira – o autor fictício da página que nasceu apenas para gerir este grupo – criou o “Eu vi um gajo da EMEL”. Em conversa com o Observador, Fernando Pereira, que prefere manter o pseudónimo com receio de ser notificado pelas autoridades, explicou ao Observador que abriu a página porque os seus amigos “queixavam-se muito da EMEL, principalmente de alguns fiscais mal-intencionados, que têm alguma obsessão em multar e não têm bom senso”. A verdade é que o sentimento dos amigos de Fernando era partilhado por muitos: 3.553 facebookianos tinham aderido ao grupo até 25 de maio deste ano.

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O objetivo é simples: “Bloqueia a EMEL antes que a EMEL te bloqueie a ti”. Sempre que um dos membros passar por um fiscal pode fotografá-lo e publicar no grupo a imagem legendada com o nome da rua onde o dito agente está a passar. Se se estiver atento ao grupo vai sempre saber-se onde estão os ditos agentes e pode “impedi-los de extorquir o nosso dinheiro”. Mas as regras de funcionamento do grupo já tiveram de ser mudadas nos últimos tempos: agora é proibido mostrar os rostos dos fiscais nas fotografias publicadas num grupo que passou de aberto a fechado. Os motivos? Ameaças e até esperas.

Como conta o administrador da página, ela começou por ser um grupo aberto: qualquer pessoa podia aceder às informações ali contidas sem qualquer autorização. E isso incluía alguns agentes da própria EMEL, que não gostaram das denúncias dos internautas sobre fiscais da instituição estacionados em lugares reservados ou proibidos. Alguns dos membros do grupo começaram a receber ameaças: “Espero que tenha noção do que está a arranjar. Boa noite, durma bem”, pode ler-se numa captura de ecrã publicada no grupo. A partir daí, os administradores começaram a eliminar os fiscais infiltrados no grupo e a impor novas regras: os rostos são proibidos na página. “Não são eles que queremos atingir. Queremos apenas fazer com que se acabem as surpresas das multas astronómicas”.

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Esta não é a primeira página de internet que permite aos utilizadores esquivarem-se de problemas com a justiça. No Facebook existem inúmeros grupos onde os membros publicam a localização das Operações STOP da polícia e os sítios onde foram instalados os radares que detetam carros em excesso de velocidade. De resto, existem alternativas para quem não é fã de redes sociais: a aplicação Waze, por exemplo, funciona como um mapa. Durante a viagem, recebe o feedback dos outros utilizadores. E assim fica a saber onde é que o trânsito está mais crítico, onde anda a polícia, os lugares em que tem de abrandar para escapar aos radares e onde é que as autoridades estão a fiscalizar os carros.

Em conversa com o Observador, a EMEL afirma ter conhecimento de grupos como estes. “As redes sociais são muito ricas em conteúdos e os conteúdos comentam-se, discutem-se, analisam-se e são por vezes muito inspiradores. Há grupos que funcionam como verdadeiras auditorias de qualidade, sinalizando alguns erros e oportunidades de melhoria. Outros não merecem comentários”. Lisboa tem capacidade para albergar 250 mil veículos estacionados na via pública. Entram cerca de 500 mil na cidade todos os dias úteis. É por isso que tanto a EMEL como a autarquia insistem na pertinência de uma empresa concessionária dos parquímetros.

Quem não entende isto não consegue entender a dificuldade do trabalho do agente de fiscalização, mas acima de tudo não entende a cidade em que vive, nem está disposto a contribuir para que se viva melhor em Lisboa”, declarou a EMEL ao Observador.

Edgar Gonçalves tem 36 anos, trabalha numa empresa de gestão, é natural de Coimbra e é o que a internet chama de “papa-grupos”. Para ele, o Facebook não serve apenas para partilhar as músicas da moda e umas quantas citações de William Shakespeare. É também um mecanismo de poupança. E de fugir ao que considera ser “um excesso de zelo das autoridades em Portugal”. Em conversa com o Observador, Edgar conta que decidiu aderir “a todos os grupos e mais algum” quando recebeu uma multa da EMEL de 30 euros que decidiu ignorar com a esperança de que ela expirasse ao final de dois anos. Isso não aconteceu e viu-se obrigado a pagar 150 euros pela coima. Foi nessa altura que entrou nos grupos de Operações STOP das cidades que costumava visitar.

Isto não é fugir à lei. É a resposta dos portugueses à cultura de medo que as autoridades instalaram no seio da nossa sociedade. Nós não vemos os polícias ou os fiscais como nossos protetores. Para nós, eles não estão do nosso lado: estão contra nós.

Esta opinião é partilhada por Inês Almeida, que aderiu aos grupos de Operações STOP de Lisboa assim que tirou a carta de condução há três anos. “É o salve-se quem puder”, conta por telefone. E embora ainda não tenha aderido ao recém-nascido “Eu vi um gajo da EMEL”, admite fazê-lo em breve:

Eu já vi carros de agentes da EMEL estacionados em cima dos passeios, parados nos lugares reservados para ambulâncias. Os meus amigos até me contaram que, uma vez, mandaram rebocar um carro e logo a seguir estacionou no mesmo lugar um carro dos fiscais da EMEL. Afinal, quem está a enganar quem?”, questiona a estudante de Enfermagem.

A EMEL realça que todos os agentes de fiscalização “são formados para terem e fomentarem comportamentos de cidadania exemplar — debaixo da farda continuam a ser pessoas”. Quando algo foge à regra e a empresa tem conhecimento de que algum agente não cumpriu as regras de trânsito e de conduta impostas pela EMEL, abre-se um “um procedimento interno de repreensão“.

Mas nem todos os membros destes grupos aderem às páginas por revolta. Alguns conseguem manter o sentido de humor até quando o carro é bloqueado e rebocado. É o caso de Ângelo, que no final de abril deixou uma mensagem sincera “ao gajo(a) da EMEL que eu não vi”. Dizia ele que quer que o tal fiscal “acerte sempre ao lado nos números do euromilhões; na noite daquela que devia ser a q**** da sua vida, não O consiga ou não O consigam levantar; o tipo que eles menos gostam na EMEL seja promovido para seu chefe; os filhos sejam sempre os segundos melhores em tudo o que fizerem; quando forem de férias, ou esteja a chover ou, no caso da praia, esteja bandeira vermelha; aquela garrafa de vinho, que estão a guardar para uma ocasião especial, esteja estragado; quando forem sair existam sempre pelo menos mais 3 pessoas com uma roupa igual à vossa e um penteado semelhante; o vosso companheiro(a) durante o ato sexual vos chame pelo nome do vosso(a) melhor amigo(a)”.

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A brincar, a brincar, os utilizadores do grupo “Eu vi um gajo da EMEL” vão deixando alguns recados para esta empresa municipal. Há quem sugira lançar uma petição que peça um referendo para que os lisboetas decidam se a EMEL faz ou não sentido existir: é que, defendem os utilizadores deste grupo, “há gajos da EMEL em todo o lado, já nem vale a pena postar locais ou vir aqui à procura. Reproduzem-se como coelhos”. A EMEL partilha da mesma opinião, pelo menos no que diz respeito à eficácia do trabalho da empresa:

Não são essas denúncias que comprometem o sucesso no terreno. Pelo contrário. As áreas fiscalizadas em que o agente está localizado registam taxas superiores de pagamento em parquímetro ou mais rápida libertação de lugares por aqueles que não têm a intenção de pagar, criando uma maior rotação de estacionamento. É francamente vantajoso e ajuda-nos a cumprir a nossa missão”.

Por isso é que não veem ameaça nas redes sociais e, afirmam, não têm intenção de proceder legalmente contra estes grupos e aplicações.

A legalidade da EMEL enquanto instituição autorizada a multar os condutores foi, ainda assim, posta em causa, desta vez não apenas pelos cidadãos, mas também pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (ANSR) que veio dizer que “nenhuma empresa pode exercer a atividade de fiscalização” atualmente porque não existe para já na lei nenhuma equiparação entre funcionários de uma concessionária e agentes de autoridade.

A polémica estalou no Porto, quando a CDU colocou em causa a legitimidade da EPorto em enviar avisos de pagamento aos cidadãos acusados de estacionamento indevido. A 1 de março deste ano, a empresa de concessão gerida por Paulo Nabais lançou um novo serviço de notificação. Essa notificação pedia aos portuenses um pagamento máximo equivalente à subtração entre o que pagariam se tivessem estacionado o carro indevidamente num parque concessionado e o que já tinham pago. Imagine que estacionava o carro num parque de estacionamento onde se paga um euro por hora entre as oito e as 20 horas (12 horas de estacionamento pago). O que receberia em casa era uma multa de onze euros, referente à diferença entre a taxa de pagamento máxima para este parque e o valor que já havia pago por ter utilizado o espaço. A Câmara Municipal do Porto afirmou que este aviso estava previsto no Código Regulamentar do Município e que era um procedimento transversal a várias autarquias, mas a CDU insiste que essa lei só está em vigor a partir do momento em que as autarquias equipararem os agentes das concessionárias a “agentes de autoridade administrativa”, o que, recorda a ANSR, ainda não aconteceu.

Em Lisboa, as mesmas dúvidas foram levantadas em relação à EMEL, porque a ANSR foi perentória ao afirmar que em Portugal não existe qualquer empresa concessionária do estacionamento em via pública autorizada a fiscalizar o estacionamento indevido. Em 2014, foi publicada uma lei que prevê que os agentes de fiscalização de empresas concessionárias têm as mesmas funções que os agentes de autoridades, mas a regulamentação ainda não foi publicada, portanto “não pode haver a equiparação a agente de autoridade de empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal”, explicou a ANSR à agência Lusa.

Acontece que a EMEL não é uma empresa privada de concessão: é uma entidade pública que pertence à Câmara Municipal de Lisboa e, portanto, pode estar livre das ressalvas da ANSR. As declarações desta autoridade baseiam-se no Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro, que diz respeito apenas às “empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal”. Ainda esta quinta-feira, André Regueiro, especialista da DECO, afirmou à TSF que não é ilegal que as concessionárias explorem os parquímetros, mas os agentes enviados para esse fim não estão habilitados para o fazer porque teriam de estar equiparados a “agentes de autoridade administrativa”, algo que se espera desde 2014, mas que ainda não aconteceu. Foi por isso que a EMEL enviou uma carta à DECO, pedindo que a instituição de defesa do consumidor “esclareça que esta questão não se coloca relativamente às empresas municipais de estacionamento nem às Câmaras ou policias municipais”.

Se assim for, o trabalho da EMEL é legitimado por lei, quer pela Câmara Municipal de Lisboa, quer pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. E isso implica também o levantamento de autos de notícia quando presenciam uma infração rodoviária. Em 2015, a empresa ganhou 21 milhões de euros, dos quais 19% teve origem em ações de bloqueio e de remoção de automóveis. “Foi um ano de intensificação do ritmo de crescimento dos rendimentos operacionais da EMEL”, admite a marca num relatório relativo ao ano passado.

Não há pois “caça-emelgas” que lhes façam frente. Mas podem fazer com que alguém não fique com o dia estragado.

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