A história de um dos mais famosos videojogos de todos tempos, poderia ter sido escrita por um qualquer escritor de romances policiais – está repleta de intrigas, política, espionagem e interesses económicos. Tetris começa em Moscovo no ano de 1984 com Alexey Pajitnov, um programador russo do Centro Computacional de Moscovo, que estava encarregue de conceber um programa que pudesse testar um dos mais recentes computadores em terras soviéticas: o Elektronika 60.

Em criança, Pajitnov era fascinado por jogos de tabuleiro com os quais se divertia no seu tempo livre. Um jogo de nome insólito fascinava o pequeno Alexey em particular: o Pentomino, um jogo de 12 figuras diferentes compostas por cinco quadrados cada e cujo objetivo era juntá-las dentro de uma caixa retangular. Foi este Pantomino que serviria de inspiração para o que viria a ser um dos jogos mais famosos de sempre: o Tetris. Alexey, já adulto e com uma carreira de programador, testa então o “moderno” Elektronika 60, um computador básico, sem grandes capacidades gráficas, com apenas um monitor que podia mostrar texto. Sendo um apaixonado por jogos de tabuleiro, Pajitnov desenvolveu, em 1984, a primeira versão do Tetris, onde usou apenas carateres para formar as peças do jogo.

Nessa época, o jogo era bastante diferente da versão que todos conhecemos. As linhas que eram formadas permaneciam no ecrã; as peças, feitas de carateres, não tinham qualquer cor; não existia qualquer tipo de som ou música e o jogo terminava assim que o ecrã estivesse completo.

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Mas Pajitnov não foi a única mente brilhante por trás do jogo. Com ele estavam também, Vladimir Pokhilko, um empresário e académico russo que se especializou em interação homem-computador e que foi o primeiro psicólogo clínico a realizar experiências usando videojogos, que acabou por desempenhar um papel importante no desenvolvimento e comercialização do jogo. Dmitry Pavlovsky, programador e amigo pessoal de Pajitnov e com o qual já tinha colaborado na conceção de vários jogos, e Vadim Gerasimov, estudante do ensino secundário de 16 anos com grande aptidão para a programação, foram também eles as mentes brilhantes que, juntamente com Pavlovsky, efetuaram a primeira conversão para PC do Tetris.

Em 1985, pouco tempo depois de o jogo estar concluído, cópias do mesmo circulavam já para além das vedações da Academia Soviética de Ciências e do Centro Computacional, invadindo toda a URSS. Contra isto pouco podiam fazer os quatro criadores, já que nessa altura, toda a propriedade intelectual era detida pelo Estado e como tal, considerada do domínio público. Assim, não era possível comercializar ou mesmo patentear o jogo e a única coisa que inibia a propagação mundial do Tetris era a Cortina de Ferro imposta pelo governo Soviético.

A primeira distribuição de Tetris pela Europa

Nessa mesma altura, a Hungria era um dos países que mais exportava jogos e equipamento informático para o Ocidente e em 1986, Robert Stein da Andromeda Software, que fez fortuna a comprar software na Hungria para depois o comercializar no Reino Unido, teve pela primeira vez contacto com o jogo numa visita ao Instituto Húngaro de Tecnologia. Depois de alguma pesquisa, foi informado que o jogo havia sido criado no Centro Computacional de Moscovo e depressa reuniu esforços para tentar obter uma licença para comercializar o Tetris. Depois de ver rejeitados os seus pedidos pelo Centro e após muita insistência, conseguiu chegar à fala com Pajitnov e fez-lhe uma proposta com um valor a rondar os £10,000 de adiantamento – ao que Pajitnov acedeu informalmente. Stein tomou essa resposta como um documento formal de aceitação que mais tarde viria a gerar um conflito com o chefe do governo soviético.

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Stein resolve então contactar algumas editoras Inglesas que pudessem estar interessadas em publicar o jogo e rapidamente o mesmo chamou a atenção da Mirrorsoft, uma das maiores editoras a nível mundial e braço direito da Maxwell, que por sua vez detinha editoras também nos estados unidos, pelo que rapidamente poderiam inundar o mercado americano. Mas quando estavam já preparados para lançar o jogo, Stein recebe um telex de uma empresa Russa de nome Elorg que afirmava que estavam a tentar lançar no mercado o Tetris de forma ilegal, uma vez que quem detinha a licença do jogo era a Elorg e ninguém havia solicitado a permissão da mesma para que este fosse publicado noutro país.

Elorg, diminutivo de Electronorgtechnika, era um departamento do governo soviético encarregue do intercâmbio de software. Stein foi então convocado pelo governo para explicar o porquê de estar a tentar publicar o jogo sem a sua autorização e depois de muita discussão e de um poder de persuasão magnífico, conseguiu convencer o governo soviético a assinar um contrato de publicação do jogo e recebeu luz verde para poder finalmente lançá-lo.

Com este contrato de publicação, em semanas o jogo foi catapultado para o estrelato e tornou-se rapidamente líder de mercado, vendendo mais de 100 mil cópias logo no primeiro ano e apenas nos Estados Unidos.

O gigantesco sucesso comercial de Tetris

Em meados de 1988 o pequeno tesouro de Pajitnov rendia milhões de dólares a várias empresas na Europa e na América. Mas o jogo estava apenas disponível para computadores e o grande mercado dos videojogos estava nas consolas e para entrar nesse mercado a Mirrorsoft entrou em contacto com Randy Broweleit, representante da TENGEN que era a divisão da Atari para a produção de videojogos, de forma a entrar nesse tão apetecível mercado.

Broweleit, convicto que a Mirrorsoft detinha os direitos de publicação e distribuição do jogo, ficou radiante com a ideia de colocar o Tetris na consola mais vendida nos EUA e, em Maio de 1989 é lançado oficialmente o Tetris para a NES, a consola doméstica da Nintendo. Contudo existia ainda um grande mercado por explorar, o Japão, que sempre tivera um grande mercado para puzzle games.

Henk Rogers, um jovem empreendedor que ganhava a vida a pesquisar puzzle games pelo mundo para produzi-los no mercado nipónico através da sua empresa Bullet-Proof, conheceu Randy Broweleit em janeiro de 1988 no Consumer Electronics Show (CES) em Las Vegas e entrou em contacto pela primeira vez com o jogo que o iria tornar milionário. Nesse mesmo evento, Henk conseguiu negociar as licenças de produção do jogo para computadores e consolas para o mercado nipónico e regressou ao Japão para produzir a sua versão do Tetris. Nesta altura, todos lucravam com o jogo menos a Rússia. Todas as empresas que tinham comprado o direito de produção do jogo à Mirrorsoft estavam a fazer os seus pagamentos em conformidade mas de alguma forma esse mesmo dinheiro não estava a chegar à Elorg e à URSS.

Nikolai Belikov da Elorg resolve então convocar uma reunião com o Robert Stein para examinar o contrato estabelecido com a Andromeda Software e descobre que o primeiro pagamento que deveria ter sido efetuado três meses após a assinatura do contrato, ocorrida a 10 de maio de 1988, ainda não tinha sido paga e já estávamos em outubro do mesmo ano. Nikolai estava bastante desagradado com toda esta situação e procurava uma forma de forçar a Andromeda Software a fazer o pagamento.

Ao mesmo tempo, a gigante Nintendo preparava-se para apresentar ao mundo o Game Boy, a sua mais recente consola portátil, e queria um jogo de lançamento que projetasse ao máximo as vendas. O Tetris era perfeito. Howard Lincoln, da Nintendo of America, falou então com Henk de forma a assegurar discretamente a licença de produção do jogo para consolas portáteis. Henk não perdeu tempo e foi direto ao “topo da cadeia”, pedindo a Stein que fosse seu intermediário para negociar a licença junto da Elorg, oferecendo a este 25 mil dólares pelo negócio. No entanto, Stein já se encontrava a negociar esse mesmo licenciamento com a Mirrorsoft sem que Henk soubesse.

As trocas de faxes entre Stein e Henk duraram três meses sem que nada se resolvesse. Stein dava indicações de estar de partida para a Rússia, mas essa viagem tardava em acontecer porque as negociações com a Elorg tinham chegado a um impasse devido aos montantes em dívida.

As negociações para lá da Cortina de Ferro

Em fevereiro de 1989, cansado de esperar e suspeitando que Stein estava a negociar nas suas costas, Henk resolve voar sozinho para Moscovo. Mas numa coincidência digna de um romance policial, nessa mesma semana viajam também para Moscovo, Robert Stein e Kevin Maxwell da Mirrorsoft, cada um a defender os seus interesses pessoais em torno dos direitos de distribuição de Tetris.

Tanto Stein como Maxwell tinham reuniões agendadas para o mesmo dia mas Henk não só não tinha o endereço da instituição estatal Elorg, como não tinha qualquer reunião agendada. Henk estava agora em Moscovo sem saber como contactar a Elorg e ninguém lhe dava informações sobre a mesma. Resolve então contratar uma intérprete, Ulla, para tentar obter alguma informação. Ulla conseguiu finalmente a tão desejada morada da Elorg e a 21 de fevereiro de 1988, Henk conseguiu milagrosa e ilegalmente chegar à fala com Nikolai.

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Nesta altura qualquer reunião com um estrangeiro tinha de ser comunicada previamente ao KGB e fornecidas todas as informações que se achassem necessárias, tais como: o propósito da reunião, que negócios iam ser discutidos, qual o background do visitante, etc., mas a reunião ficou então agendada com Henk para o dia seguinte, coincidindo com as reuniões de Stein e Maxwell.

O primeiro a encontrar-se com Nikolai foi Henk que mostrou orgulhoso o Tetris que estava a produzir no Japão afirmando ser representante da maior editora de do jogo em todo o o mundo, ao que Nikolai responde: “a Elorg não concedeu os direitos de produção para consola a ninguém!”. Foi com esta afirmação que todo o mercado em volta do Tetris deu uma reviravolta: Nikolai explicou então que a única licença que tinha sido emitida pela Elorg foi para a Andromeda Software e destinava-se apenas a computadores pessoais.

A divisão dos direitos de Tetris sob o olhar atento da URSS

Nikolai tinha entretanto confrontado Stein com as licenças fornecidas por eles à Mirrorsoft e nesse mesmo dia confrontou também Maxwell sobre a licença concedida à Tengen. Após tensas negociações com a Elorg, os direitos de produção do Tetris ficaram divididos entre três partes. Robert Stein e a Andromeda Software Direitos detiveram os direitos de produção do Tetris apenas para computadores pessoais e a obrigação de pagamento dos valores em divida em 2 semanas. Henk Rogers e a Bullet-Proof teriam os direitos de produção do para consolas portáteis com opção de aquisição dos direitos para consolas domésticas. Kevin Maxwell e a Mirrorsoft ficaram com a opção de adquirir os direitos para consolas domésticas.

Este volta-face colocou Henk numa posição privilegiada e logo tratou de fazer amizade com Pajitnov que o via como uma pessoa honesta, que realmente entendia e gostava do jogo e que se mostrava negocialmente muito mais acessível que Maxwell.

Henk, mal chegou aos EUA, informou Howard Lincoln (da Nintendo) que tinha conseguido os direitos para as consolas portáteis e que tinha agora hipótese de obter os direitos para as consolas domésticas. Howard Lincoln contactou de imediato Minoru Arakawa – presidente e fundador da Nintendo of América – e os três foram para Moscovo onde assinaram um contrato por 500 mil dólares mais 0,5 dólares por cada jogo vendido.

Este negócio não podia ter ocorrido em melhor altura pois o pai de Kevin, Robert Maxwell (empresário de media britânico e membro do parlamento), estava extremamente desagradado com o facto de o filho não ter conseguido adquirir os direitos para as consolas portáteis e pressionava agora o governo russo através dos seus contactos diplomáticos. Com os direitos de produção para consolas portáteis e domésticas, a Nintendo intentou contrata a Atari para o produzir e apenas quatro meses após o lançamento a editora viu-se obrigada a recolher todos os jogos que ainda se encontravam à venda.

O resto é do domínio público e os números falam por si. Em 2006, quando foi oficialmente lançado para mobile, iOS, BlackBerry OS, PlayStation Portable, vendeu mais de 100 milhões de cópias.

O Tetris é um jogo simples, que cativou milhões e que, apesar de não ser mais do que uma série de formas constituídas por quadrados que encaixam uns nos outros, possui uma das histórias de bastidores mais complexa e politicamente densa da história dos videojogos.

Sérgio Serra, Rubber Chicken