Marcelo Rebelo de Sousa vetou a chamada lei das barrigas de aluguer, segundo se no site da presidência, e deu luz verde ao alargamento dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida e à lei da reposição das 35 horas de trabalho na função púbica. Mas esta com uma condição: se aumentar a despesa pública, envia decreto para fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional. Os três diplomas chegaram esta terça-feira de manhã às mãos de Marcelo Rebelo de Sousa e ao final do dia a decisão já estava tomada. Este é o primeiro veto desde que o novo Presidente da República tomou posse.

De acordo com a nota divulgada esta quarta-feira de madrugada, o diploma sobre a legalização da gestação de substituição foi vetado e devolvido ao Parlamento para que os deputados possam vir a acolher as recomendações do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida (CNECV). Na mensagem enviada por Belém à Assembleia, o Presidente cita o último parecer do CNECV sobre o projeto de lei em questão, que considera que no diploma que viria a ser aprovada pelo Parlamento “não estão salvaguardados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante, nem é feito o enquadramento adequado do contrato de gestação”.

Marcelo Rebelo de Sousa lembra ainda que o Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida já tinha sido chamado a pronunciar-se sobre o tema há quatro anos e, tanto nessa altura como agora, entendeu que o texto proposto pelo Parlamento “não respondia à maioria das objeções” colocadas. Em causa está o facto de o diploma não garantir, no entender do Conselho, resposta para as seguintes questões:

  • “A informação ao casal beneficiário e à gestante de substituição sobre o significado e consequências da influência da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal;
  • Os termos da revogação do consentimento, e as suas consequências;
  • A previsão de disposições contratuais para o caso da ocorrência de malformações ou doenças fetais e de eventual interrupção da gravidez;
  • A decisão sobre quaisquer intercorrências de saúde ocorridas na gestação, quer a nível fetal, quer a nível materno;
  • A não imposição de restrições de comportamentos à gestante de substituição”.

Por não responder a estas questões, o Presidente da República optou por devolver o diploma à Assembleia da República, para que os deputados pudessem “ter a oportunidade de ponderar, uma vez mais, se quer acolher as condições preconizadas pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, agora não consagradas ou mesmo afastadas”. Marcelo lembra até que o PCP, um dos partidos que votou contra o diploma, sublinhou na sua declaração de voto que o projeto de lei não acolhia as condições formuladas pelo Conselho Nacional de Ética.

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O Presidente da República sublinha, por isso, que a decisão de vetar a lei não foi tomada em prol das suas “convicções ou posições pessoais”, mas apenas atendendo aos pareceres do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, “cuja competência legal e de composição é inquestionável”.

Na nota sobre o veto publicado no site da Presidência, Marcelo recorda ainda que a aprovação deste projeto de lei na Assembleia da República “não correspondeu à divisão entre grupos parlamentares apoiantes do Governo e grupos parlamentares da oposição, nem à clássica distinção entre direita e esquerda”. O diploma vulgarmente conhecido por barrigas de aluguer foi aprovado no Parlamento com os votos do Bloco de Esquerda, PS (à exceção de dois deputados), PEV, PAN e 24 deputados do PSD, incluindo Passos Coelho. PCP e CDS chumbaram a proposta.

Depois do veto político de Marcelo, o Parlamento pode, no entanto, reconfirmar a votação. O Bloco de Esquerda, autor do projeto de lei, pode voltar a sujeitar o diploma a votação e, se voltar a ser aprovado, passa a ter força de lei. Ao Observador, o Bloco de Esquerda já tinha afirmado que estava pronto para reconfirmar a votação no Parlamento caso o Presidente mandasse o diploma para trás.

35 horas promulgadas à condição

No caso da lei do regresso às 35 horas de trabalho semanal na função pública, que muita tinta tem feito correr nos últimos dias, Marcelo decidiu promulgar o diploma “deixando em aberto recurso ao Tribunal Constitucional em caso de aumento real de despesa”. Ou seja, é uma promulgação à condição: se o regresso às 35 horas de trabalho fizer aumentar a despesa pública, então o Presidente admite pedir a fiscalização da constitucionalidade da lei por poder ir contra a chamada “norma travão” da Constituição.

Segundo se lê na nota divulgada esta madrugada por Belém, o diploma aprovado pelo Parlamento “suscitou e suscita dois tipos de questões: umas de natureza política, outras de natureza jurídica”. Por isso Marcelo deixa bem claro que está a dar “o benefício da dúvida” ao Governo com base nos seus “compromissos eleitorais e de programa de governo”, mas lembra que se o Executivo não conseguir controlar a despesa então envia a norma para o TC.

Seguindo o raciocínio feito pelo comentador e ex-líder do PSD Luís Marques Mendes este domingo, a questão “mais sensível” para Marcelo é a de saber se esta alteração no horário de trabalho vai ou não provocar um aumento de despesa pública que, a confirmar-se, seria “negativo” e “arriscado”. “Se o novo regime determinar aumento de despesas, será eventualmente impossível compatibilizá-lo com a proibição constitucional de tal aumento, por questionar o Orçamento de Estado vigente através de iniciativa parlamentar”, diz o Presidente lembrando a norma-travão da Constituição, que só permite aumentos de despesa face ao Orçamento do Estado por decisão do Governo e não dos deputados.

Que se trata de reversão legislativa em tempo de consolidação orçamental e crescimento económico não garantidos, afigura-se óbvio, o que levanta a questão politicamente mais sensível: a de saber se esta reversão vai ou não aumentar a despesa pública, num contexto em que tal é negativo e mesmo arriscado”, lê-se.

No final, e justificando a promulgação do decreto de lei, Marcelo deixa mesmo um recado ao Governo: que seja “extremamente rigoroso” na aplicação da lei, “sob pena de vir a enfrentar fiscalização sucessiva da constitucionalidade”. Ou seja, é esperar para ver. “Só o futuro imediato confirmará se as normas preventivas são suficientes para impedir efeitos orçamentais que urge evitar”, escreve ainda o