Salão Nobre da Câmara de Paris. Um luxo. Uma sala antiga, imponente. Enormes espelhos de um lado. Grandes janelas do outro. Pesados candelabros no teto barroco, neoclássico, estilo imperial. Luzes no palco, com as cores da bandeira portuguesa, verde e vermelho em vez da tricolor francesa.

É Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Esta é a componente do feriado nacional que contempla a emigração, que pela primeira vez é comemorada na segunda maior cidade portuguesa, ou melhor, na segunda maior cidade com portugueses (a primeira é Lisboa). Várias centenas de convidados, quase todos emigrantes e lusodescendentes aplaudem. O Presidente francês, François Hollande, acaba o discurso, tarde, muito mais tarde do que fariam prever os os dez minutos previstos inicialmente. O seu staff começa a ficar nervoso, a dar sinais de impaciência, porque são horas de seguir para o jogo que vai abrir o Europeu de Futebol – França-Roménia – comenta uma fonte diplomática com o Observador. Hollande promete que vai a Portugal em julho (embora não no dia 14…) Risos.

O Presidente português já tinha discursado em francês (e em português), quebrando a seguir o protocolo (como aliás de costume). O primeiro-ministro António Costa tinha feito uma intervenção, depois da presidente da câmara parisiense. Quando a fadista Raquel Tavares começou a cantar – com Marcelo e Costa aplaudindo por perto, ainda no palco, depois de uma sessão de selfiesPedro Graça, 36 anos, guia turístico em Paris, natural de Matosinhos, falava com o Observador: recordou como esteve duas horas fechado, escondido, apavorado, dentro do Bataclan, enquanto o atentado terrorista de 13 de novembro se consumava.

Tinha ido ver os Eagles of Death Metal. Não ia a um concerto de rock há sete anos. “É impossível descrever as emoções lá dentro”, lembra Pedro Graça. Minutos antes, Marcelo Rebelo de Sousa (e François Hollande) tinham condecorado quatro portugueses que ajudaram a socorrer as vítimas do atentado. Pedro, ferido numa coxa, só abandonou a sala de espetáculos mais tarde nessa noite. Só às quatro da manhã é que a sua família soube que estava vivo. “Quando saí, a sala estava vermelha…” As porteiras portuguesas que auxiliaram as vítimas também passaram essa madrugada a limpar sangue nos seus prédios.

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A quebra de protocolo foi mais uma originalidade inventada pelo Presidente português, ao pedir ao Presidente francês para também o ajudar a colocar as condecorações (da República Portuguesa), quatro Ordens da Liberdade, nos homenageados, feitos damas e cavaleiro: Margarida de Santos Sousa, porteira, que ajudou a socorrer em sua casa vítimas do Bataclan; o casal Manuela Gonçalves e José Gonçalves, que auxiliaram uma jovem grávida ferida e outras vítimas que fugiam dos ataques; e Natália Teixeira Syed, que também prestou socorros no seu prédio a vítimas dos ataques. Todos eles são “exemplos de coragem e compaixão”, disse Marcelo Rebelo de Sousa. “Homens e mulheres que agiram com responsabilidade e fraternidade”, afirmou Hollande.

Pedro Graça, com uma bala na coxa, ficou com algumas sequelas. Sobretudo algumas psicológicas, embora ache que só sofreu de stresse pós-traumático na fase imediatamente posterior aos atentados. “Passei uma semana fechado em casa”, comenta com o Observador. Hoje, tem os sentidos mais alerta. Ainda não ouve música no metro, um lugar onde continua a sentir-se um pouco desconfortável.

Pedro Garcia

Pedro Graça, 36 anos, o guia turístico que foi ferido nos atentados e esteve duas horas escondido no Bataclan

Este guia turístico é um emigrante recente, da vaga da crise. Está em Paris apenas há quatro anos. Manuel Carrilho, de 68, chegou nos anos sessenta, para fugir à guerra. Está na mesma sala, a ouvir os presidentes dos dois países. Trabalhou em tudo, foi de carpinteiro a funcionário de uma fábrica de chocolates. Agora preside à Associação de Amizade Franco-Portuguesa Pontault-Combault, perto de Paris e organiza todos os anos um dos maiores eventos da emigração em França, que junta de 20 mil a 25 mil pessoas. “isto é muito importante para a comunidade portuguesa em França”, diz ao Observador. “Foi uma das promessas do Presidente durante a campanha”. António Costa também diria, no seu discurso, que prometeu comemorar o 10 de junho com emigrantes e lusodescendentes em Paris.

Pelos vistos, François Hollande foi quem foi apanhado mais desprevenido. E não só por acabar a tarde a colocar condecorações portuguesas. Mas pela invulgaridade de ter na sua capital a comemoração do dia nacional de outro país. “Portugal não é só um parceiro, é um amigo”, diria no seu discurso. Uma confusão para a sua agenda. Antes da cerimónia na Câmara de Paris, reuniu-se no Palácio do Eliseu com Marcelo Rebelo de Sousa e com António Costa. O presidente francês foi o primeiro a falar na reunião e comentou sobretudo o problema da situação Europeia, sobretudo motivada pelo Brexit, o referendo que terá lugar no dia 23 de junho mês no Reino Unido sobre a presença britânica na União Europeia. Qualquer que seja a decisão, obriga a um novo esforço na União Europeia, disse Hollande a Marcelo e Costa, garantindo que os dois países estavam de acordo no caminho a seguir.

Quando o assunto das sanções europeias saltou para cima da mesa, François Hollande terá sido explícito no apoio a Portugal contra eventuais sanções a Portugal no âmbito do procedimento por défice excessivo.

É preciso cumprir mas não asfixiar”, terá dito Hollande na reunião, segundo uma fonte diplomática ouvida pelo Observador.

Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da Economia e embaixador de Portugal junto da OCDE, também estava presente no salão nobre da Mairie de Paris e afirmou ao Observador que as sanções europeias não deviam acontecer: “A OCDE e eu próprio já dissemos que não há o mínimo de razões para haver lugar a sanções”.

Ao discursar às centenas de portugueses presentes (pensava-se que seriam uns 800, seriam entre 300 e 400 segundo uma fonte diplomática), Marcelo apelou à emoção: “Quantos portugueses são saíram, faz agora cinquenta anos, numa situação de pobreza, para começarem a vida sozinhos. As famílias acompanharam-nos depois, com trabalhos, duros, muito duros, no inicio dos anos 60 e nos anos 70. A França não esquece, mas Portugal ainda esquece menos a vossa coragem, a coragem dos vossos avós e dos vossos pais. Vocês são dos melhores de todos nós.”