Se ser um muçulmano na América já incomoda muita gente, ser um muçulmano gay incomoda muito mais. A ligação entre o Islão e a homossexualidade tem sido questionada nos últimos dias devido ao massacre na madrugada de domingo num bar gay em Orlando (EUA), reivindicado pelo ISIS e levado a cabo por Omar Mateen, muçulmano de origem afegã. A mulher de Omar veio sugerir que o terrorista era homossexual e frequentador daquele espaço. Com o destaque dado a esses dois pormenores, vários muçulmanos LGBTI têm vindo a público pedir o fim da discriminação dupla e garantir que o Islão não condena nenhuma orientação sexual ou identidade de género.

Hamed Sinno é de origem árabe, vive na América, é gay e cresceu numa família muçulmana. É também líder de uma banda de indie rock e, durante um concerto em Washington na segunda à noite, revelou a sua história para lamentar o ato terrorista. “Há muitos de nós (muçulmanos) que são queer e que se sentem revoltados com o ataque mas parece que não podemos sofrer com isso, simplesmente por fazermos parte de famílias muçulmanas… É isto que é ser chamado de terrorista paneleiro”, disse, noticia a CNN. Sinno comparou ainda a homofobia em países do Médio Oriente com o racismo que sente muitas vezes nos Estados Unidos.

Os crimes de ódio nos EUA têm vindo a diminuir, mas há uma exceção: os crimes contra muçulmanos aumentaram. Os dados são de 2015 do FBI.

Samra Habib, lésbica, é outras das protagonistas. A autora do projeto fotográfico “Just Me and Allah” disse ao The Guardian que “ser queer e muçulmana não é uma doença” e reclamou o direito à mesma frustração que qualquer outra pessoa sente perante o ato terrorista. “Ser uma muçulmana pacífica que está tão chateada com os ataques homofóbicos como qualquer outra pessoa não é nada assim de tão transcendente”, defendeu. “Nós precisamos de um espaço seguro para nós. Nós fazemos parte de um grupo muito pequeno. Muitos de nós estão assustados e isso não é nada fácil”, acrescentou.

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Entretanto, vários muçulmanos pró-LGBTI têm saído à rua em solidariedade com o massacre mais sangrento da história dos EUA:

https://twitter.com/UnitedFrontRev/status/742066829330243584

Uma mulher muçulmana transgénero aproveitou ainda a ocasião para inverter a lógica: além de se dizerem discriminados pela sociedade, as pessoas muçulmanas e LGBTI podem ser agora discriminadas por ambas as comunidades. Pelo menos é o que garante a ativista no Twitter.

A mulher explica que nenhum dos grupos acha que estas pessoas são “puras” o suficiente. “Os primeiros rotulam-nos como ‘kaffirs’ (não-muçulmanos) ou ‘desviantes’ e os segundos dizem que não somos suficientemente queer. Há uma retórica anti–trans e outra envolta em racismo e islamofobia. Somos atacados dos dois lados“, escreveu a mulher num texto intitulado “Os muçulmanos queer existem”.

https://twitter.com/YxxngHippie/status/742083993810706432

Há um outro homem, Shawn Ahmed, que escreveu no Twitter: “Se em vez de me estarem a condenar a mim por ser muçulmano e gay, se condenassem antes o atirador, isso seria ótimo”, aponta o NPR.

Além das figuras que vão aparecendo a fazer declarações pontuais, há mesmo associações que se dedicam a defender quem faz parte deste grupo. A organização Muslim Alliance for Sexual and Gender Diversity destacou que, este ano, o Ramadão coincide com o mês do Orgulho LGBT (junho) e que isso é motivo para celebrar os dois eventos. Dizem os responsáveis que o Ramadão é um período de “paz e intensa autorreflexão” e que “dói muito ver que estes períodos de felicidade e celebração foram marcados por tanta violência e horror”.

Segundo um inquérito do Pew Research Center de 2014, os muçulmanos estão divididos quanto à aceitação da homossexualidade: 45% dos entrevistados dizem que a homossexualidade deve ser aceite e 47% considera que deve ser desencorajada.

Views_about_homosexuality_by_religious_group

Pew Research Center