Nunca se deu muito por ele, de tão discreto que era. Mas Chainho, primeiro no Estrela da Amadora, mais tarde no FC Porto, era quase “omnipresente” no relvado, mais a defender do que propriamente na hora de atacar. Fernando Santos apreciava-lhe o “labor”, deu-lhe a titularidade na Reboleira quando este chegou vindo da III Divisão, e da Reboleira levou-o para as Antas, onde Chainho conquistou o “penta” ao lado do engenheiro que o erigiu.

Voltariam a encontrar-se pouco depois de ambos deixarem o FC Porto. A experiência em Atenas correu tão mal a um quanto a outro. E Chainho pensou mesmo em despedir-se do futebol. Tinha 28 anos. Mas Fernando Santos não deixou.

Ainda o quis contratar para o Sporting e depois convidou-a para seleção grega, mais aí como adjunto. Quis o acaso que não voltassem a cruzar-se, como no princípio. O contacto, ainda o mantêm. E Chainho, hoje treinador no Casa Pia que o formou um dia, revê-se no selecionador nacional, na liderança de Fernando Santos.

Em entrevista ao Observador, Carlos Chainho, hoje com 41 anos, falou de tudo isso, mas também do Euro 2016. Afinal, o que tem de mudar Fernando Santos para que Portugal vença a Hungria e “limpe” o Euro em França? Essa é daquelas “bolas” que Chainho recuperaria em três tempos nos idos do FC Porto: “Nada. Deixa a bola começar a entrar e vais ver!”

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Fizeste a formação no Casa Pia, não foi?
Sim, sim. E no Carcavelos. Só fui para o Casa Pia nos juniores.

Foi o Fernando Santos que te descobriu na III Divisão? Tu foste contratado pelo Estrela da Amadora ao Casa Pia em 1994, o ano em que ele foi treinar o Estrela.
Por acaso não foi ele que me descobriu, não. Aliás, nem é o Fernando quem começa por treinar o Estrela nesse ano. O treinador era o João Alves. Foi ele que pediu que me contratassem. Nos juniores do Casa Pia jogávamos eu, o Calado e o Rui Borges. E jogámos muitas vezes contra o Estrela nesse escalão. Certo dia, no meu segundo ano de sénior, o Casa Pia faz um jogo-treino contra o Estrela. No mês a seguir já estava a assinar com eles. Gostaram de mim. Mas foi o João Alves que quis. Ele saiu cedo do Estrela em 1994, o Acácio Casimiro fez alguns jogos quando ele saiu, e depois é que chega o Fernando Santos.

Com o Fernando Santos no Estrela eras tu e mais dez, não era? O homem gostava de ti.
[Risos] É verdade. Eu lembro-me que cheguei ao Estrela, fiz um primeiro jogo contra o Belenenses e nunca mais deixei de ser titular.

O Estrela do Fernando Santos, se bem me lembro dessa década, não jogava nada mal…
Não, nada mal mesmo. Até podes não acreditar, mas eu sempre gostei do Estrela. Mesmo antes de lá jogar. O segredo daquela equipa era a própria equipa. O Fernando Santos teve o mesmo plantel, ou parte dele, durante quatro temporadas. E isso é importante. Éramos uma família. E ainda hoje tenho contacto com muitos deles. Nós éramos bons: Ivkovic, Rui Neves, Jorge Andrade, Rebelo, Leal, Rodolfo, Calado, Lázaro. Taira, Mário Jorge, Paulo Ferreira, Mauro Airez, Gaúcho, Rui Águas, tantos. E conseguimos a melhor classificação de sempre do Estrela, um sexto ou sétimos lugar na I Divisão.

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O “onze” do Estrela da Amadora que conseguiu a melhor classificação de sempre do clube na I Divisão: 7.º lugar em 1997/1998. O treinador? Fernando Santos. Chainho é o segundo da fila de cima, a contar da esquerda (Créditos: D.R.)

Como é que era o Fernando Santos como treinador na Amadora? Muito diferente do que é hoje?
Não, não mudou nada. Ele era um treinador muito rígido. Mas “rígido” no bom sentido. A preparação física para ele era fundamental. Era com cada “tareia” que não queiras saber. Uma vez em Sintra, na pré-epoca, estávamos a fazer “intervalados” de 100 e 200 metros, e um de nós – acho que era o Poejo, que jogou no Sporting – caiu para o lado. Desmaiou. Eu com o Fernando Santos aprendi a sofrer na pré-época. Mas aquilo era importante; chegávamos aos jogos a sério e até voávamos! [Risos] O Fernando é um líder. Mas também tem outro lado, que é o da amizade com os jogadores. Os jogadores respeitam-no por ele ter pulso forte, mas também por ser amigo. Eu e ele somos, ainda hoje, muito próximos. Sempre entendemos o futebol da mesma forma.

Pois, já vi que ele não mudou muito. Mas pelo menos já não fuma no banco. Na altura ele também era “avesso” a gravatas, ou ainda não fazia as caretas que faz hoje?
Ele sempre foi assim. [Risos] Ele agora não fuma no banco porque não pode. Houve uma altura em que ele deixou mesmo de fumar, mas agora sei que voltou ao vício. Ele de gravatas nunca gostou muito, não. E fazia isso ao colarinho. Mas nós no treinos, com o que ele nos fazia correr, nem reparávamos se fazia ou não. Só reparei depois. Mas sabes, o Fernando, apesar de ser supersticioso e católico, não é nada nervoso nos jogos. Aquilo não são nervos. Ele é que é assim.

E o mau feitio? Ainda hoje os jogadores se queixam…
Ui, de manhã ninguém podia dizer-lhe nada. Há um dia em que o Jorge Andrade chega ao treino, diz-lhe bom dia, ele ele responde-lhe: “Bom dia? Só se for para ti, car…!” [Risos] Lembro-me como se fosse hoje. Mas depois, passados uns 10 minutos ou assim, aquilo lá acalmava e parecia outra pessoa.

Quando o Fernando Santos vai para o FC Porto, tu vais com ele, não é? É o ano do “Penta”.
Lá está, tal como em 1994, não é ele quem me contrata. É que o Fernando Santos só vai para o FC Porto quando a temporada termina. Mas eu assinei antes, depois do Natal ou lá o que foi. Como o Benfica e o Sporting também me queriam contratar, o Porto chegou-se à frente e contratou-me mais cedo. Mas claro que se o Fernando, quando chegasse ao Porto não me quisesse, eu ia embora. Ele queria. Sem o aval dele, nada feito. Aliás, quando ele assina pelo Porto, envia-me uma mensagem – estava eu de férias – a dizer para eu me preparar, porque ia ser uma “batalha” dura ser titular no Porto. Lembro-me que fiz realmente a preparação antes da pré-epoca, sofri muito nos primeiros treinos no Porto, estive cinco ou seis jogos sem ser convocado, mas depois adaptei-me, entrei na equipa e não saí mais.

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O FC Porto do “penta” em 1998/1999. Chainho, o camisola “18”, surge logo abaixo de “Super” Mário Jardel (Créditos: D.R.)

Via-se que ele confiava em ti. Como é que ele te motivava? O Fernando Santos também é conhecido por ser um “motivador”.
Ele dizia-me sempre: “Trabalha, que com trabalho vais chegar lá, Carlos!” O Fernando Santos sempre foi muito sincero com os jogadores. E, acredites ou não, isso é o mais importante para nós. O Fernando conhecia-me como ninguém. Às vezes, quando eu estava menos bem, ele puxava por mim nos treinos e dizia-me: “Prepara-te, que a tua oportunidade vai chegar.” Eu preparava-me, e dois ou três jogos mais tarde ele metia-me a titular. O Fernando é aquele treinador que nunca te deixa cair.

A verdade é que a tua experiência no FC Porto começa muito bem, vocês são “penta”, mas depois, mesmo com o Jardel no plantel, ficam dois anos “em branco”.
Mais ou menos. Nós vencemos as Taças todas. E fizemos uma época na Liga dos Campeões, em 1999/2000, muito boa. Quase chegámos às meias-finais. Quase, quase. Foi uma roubalheira contra o Bayern, lembras-te? Mas depois há um ano em que o Sporting é campeão e no ano seguinte é a vez do Boavista. No ano do Sporting, acho que só ficámos a um ponto deles e que aquilo só se decidiu na última jornada, lá no estádio do Salgueiros. No ano do Boavista, chegámos a ter 12 pontos de vantagem, mas a época teve tantos jogos, Liga dos Campeões, taças, que quebrámos com o desgaste. O Fernando não teve culpa de nada. Se o Porto só tivesse jogado o campeonato nesses anos, ele não era só “penta”: era “hexa” e “hepta” como treinador também. É que não tenhas a menor dúvida. Quem é que tinha a melhor equipa? Nós. O Jorge Costa até dizia que podíamos encomendar as faixas de campeão logo no começo da época…

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A noite em que o FC Porto foi “roubado” diante do todo-poderoso Bayern. Chainho esteve lá, Chainho dixit (Créditos: D.R.)

Ao fim de três temporadas no FC Porto, o Fernando Santos sai. Vai para a Grécia. Mas tu, que também sais em 2001, vais para a Espanha…
É verdade. Foi o Jorge [Mendes] quem me levou para o Zaragoza. E não me arrependo nada. O Zaragoza, quando eu fui para lá, tinha acabado de vencer uma Taça do Rei. Mas sabes porque é que eu saí? Não foi por causa do Fernando sair. Foi por causa do Quintana. Lembras-te do Quintana? Era um paraguaio. Enfim… O Óctavio [Machado] vem ter comigo no início da época e diz-me que eu jogaria pouco nesse ano porque o Porto tinha contratado um tal de Quintana. “Aí é por causa do Quintana? É que não seja por isso.” E fui-me embora. E depois o Quintana acabou por não dar em nada.

É verdade que não vais para a Grécia com o Fernando Santos em 2001, mas no ano seguinte acabas mesmo por ir. Ele contratou-te para o Panathinaikos, não foi?
Sim, sim. Eu tinha mais dois anos de contrato com o Zaragoza, mas ele telefonou-me e disse que me queria no clube. Vou-te ser sincero: joguei na Grécia pelo Porto e os adeptos gregos sempre me impressionaram. E sempre gostei do Panathinaikos.

É como diz o outro: sou do Panathinaikos desde pequenino…
[Risos] Quase. Mas realmente a Grécia seduzia-me. E aceitei o desafio do Fernando.

Infelizmente, a época não te correu bem. Ou melhor, não vos correu bem aos dois.
O Fernando só fez três jogos no Panathinaikos e saiu. Mas realmente aquela foi uma época para esquecer. A minha mãe morreu quando eu estava na Grécia. Cheguei a pensar em deixar de jogar futebol e tudo. Mas o Fernando conversou comigo, lembrou-me que ela quereria que eu continuasse, e continuei. Ele aí foi muito importante para mim. Quando ele sai, vem outro treinador, o Sergio Markarían, um uruguaio, ainda fiz seis ou sete partidas a titular com ele, mas depois pedi para sair. Queria voltar a Portugal para estar mais próximo da minha família. E é assim que vou para o Marítimo. O Sporting na altura também estava interessado em mim…

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A experiência no Panathinaikos não correu bem. Nem a Chainho, nem a Fernando Santos. Nenhum deles “aqueceu o lugar” (Créditos: D.R.)

Não era o Sporting que estava “interessado” em ti: era o Fernando Santos. Isso foi na época dele, em 2003/2004.
É verdade. Mas acabei por não assinar.

E nunca mais voltaste a trabalhar com ele, pois não?
Estive quase para fazer parte da equipa técnica dele, há dois ou três anos, quando estava a treinar a Grécia. O convite foi-me feito por ele, mas, mais uma vez, não voltámos a trabalhar os dois. É a vida.

E histórias engraçadas com o Fernando Santos?
Sabes que quando o Porto é “penta”, a primeira pessoa a quem ele vem dar um abraço é a mim? É verdade. Mas ele às vezes também era “mau”. Nós fazíamos sempre um jantar em equipa. E os treinadores também iam. A meio da noite alguém perguntava ao Fernando: “Mister, amanhã não há treino, pois não?” E ele respondia: “Não, não. Não se preocupem que não há treino.” No final da noite, alguns já tinham “abusado” durante o jantar, e ele dizia: “Meus meninos, amanhã há treino às nove horas em ponto!” Com ele não havia cá abébias.

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Fernando Santos “é um líder”. E Chainho quer sê-lo também, agora que pendurou as botas e é treinador no Casa Pia. Como jogador já tinha “pinta” (Crédtos: D.R.)

Tu hoje em dia és treinador. Estás nos juniores do Casa Pia, não é? Sentes que há muito do treinador Fernando Santos no treinador Carlos Chainho?
Claro que há. O homem foi meu treinador durante nove anos. Nove. É muito. Sinto que a minha postura como treinador é a mesma que a dele. Sou muito rigoroso como ele. Vou sempre exigir o máximo de cada um. Mas também tento motivá-los. E como treinador só motivas um jogador se fores verdadeiro com ele. O Fernando sempre foi assim. É um treinador que é próximo de todos. Ele é respeitado porque também respeita toda a gente. Eu tento ser assim.

Bem, falemos do Euro. O Fernando Santos está a ser muito ambicioso ao dizer que quer vencer ou não?
Não. Ele diz isso para motivar a equipa. Mas claro que ele acredita que pode vencer. Ninguém como ele conhece os jogadores que tem. Se o treinador não tiver ambição, como podem os jogadores ter? Não podem. Ele sempre teve ambição. No Porto queria sempre mais. No Estrela queria sempre mais. Aliás, no Estrela, mesmo no ano em que conseguimos a melhor classificação de sempre, ele não ficou satisfeito; queria mas pontos. O Fernando é assim.

Então, o que é que não está a correr bem até agora? Empatar com a Islândia e a Áustria, para quem quer vencer o Euro, não é um bom começo.
Sinceramente? É a eficácia. Só. Se a bola entrasse, hoje não se discutia o que correu mal. Eu acompanho o Euro, e há seleções que não jogam nada – desculpa, mas é mesmo assim – e conseguem marcar. E nós não. O problema de Portugal é só esse: os golos.

O Fernando Santos é daqueles treinadores que quando as coisas estão a correr mal fazem uma “revolução”? Ele contra a Áustria já “sentou” uns quantos: o Danilo, o João Mário.
Não. Claro que se não vences, ele pode tirar um ou dois. Foi o que fez. Mas não muda tudo. Isso seria estar a culpar o grupo. E ele nunca fez isso. Quando as coisas não corriam bem, o Fernando sentava-se com os jogadores, pedia a opinião de todos, e era como uma família que nós resolvíamos os problemas das derrotas ou dos empates. Aposto que foi isso que ele fez na seleção.

Agora vem aí a Hungria. O que é que é preciso para vencer e seguir para os “oitavos”?
Acho que é preciso mudar um bocadinho a mentalidade. Nós quando chegámos ao Euro pensávamos que era tudo fácil. E não é. A Islândia e a Áustria não são seleções fáceis. Mas a bola vai acabar por entrar.

E afinal de contas, ganhamos isto ou não?
Não sei. Honestamente não sei. Mas Portugal tem tudo para chegar pelo menos às meias-finais. E aí tudo pode acontecer. É preciso é chegar lá.