As relações à distância não são pêra doce. Olhe-se para Danielle e e José, que se despedem no terminal 1 aeroporto de Barajas, em Madrid. Ela, londrina; ele, madrileno. Cada um vive na sua cidade e a partir daí vivem a sua relação, pontuada por encontros ora numa capital, ora noutra.

Neste momento, Danielle já está a sobrevoar os céus de uma Europa que na madrugada de sexta-feira levou um dos maiores rombos da sua história: a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), que ajudou a fundar. Quando chegar ao Aeroporto de Gatwick, esta jovem de 27 anos vai chegar a um país que, assim, não lhe agrada. As relações à distância não são pêra doce, já foi referido. Mas o que dizer de um divórcio?

“Fizemos coisas muito boas enquanto parte da UE e agora é triste ver isso a ser desperdiçado e desvalorizado”, diz Danielle ao Observador, depois de meter a mala no check-in. Uma vez que a sua viagem para Madrid coincidiu com a data do referendo, tratou de votar antecipadamente. Pela permanência do Reino Unido na União Europeia, já se percebeu. “Mas agora parece que não serviu de grande coisa, não?”, lamenta. “Isto entristece-me muito.”

Já José, o namorado espanhol de Danielle, fica preocupado. Este domingo, a votação é outra — de novo, depois do impasse criado desde dezembro do ano passado, os espanhóis vão (tentar) escolher um novo Governo. E, para José, há mais coisas a ligar as duas realidades do que um voo low-cost.

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“Preocupa-me que aqui em Espanha se comece a pensar de outra maneira em relação à Europa por causa do Brexit”, diz. “Há partidos aqui que se podem aproveitar disto, até porque antes já tinham falado de forma bastante negativa da União Europeia”, explica, para depois concretizar sobre quem fala: “Do Pablo Iglesias e do Podemos, hombre, claro. Diz uma coisa num dia, depois diz outra, nunca sabes bem o que esperar dele quando na verdade ele é um radical. Isso traz um nível de incerteza que não é possível de aguentar”.

José votou nas eleições de dezembro e garante que também o fará nas deste domingo. Em quem, não o revela. Mas adianta que nos seis meses que entretanto se passaram não mudou de orientação de voto. “As minhas ideias continuam a ser as mesmas”, explica. “A paciência é que já é cada vez menos. Têm que se resolver de uma vez por todas.”

“Há que pensar nas coisas antes de fazê-las, não?”

Já Roberto, de 33 anos, não vai dar para esse peditório. Espanhol, parte de férias com a mulher e a filha, num carrinho de bebé, rumo a Londres. Votar nas eleições espanholas ficou para segundo plano. “Votei da outra vez mas agora sinceramente tenho outras coisas muito mais interessantes e úteis para mim e para a minha família”, atira. “Tenho mesmo mais que fazer do que estar a gastar o meu tempo a votar em tipos que não chegam a acordo nem por nada”, queixa-se Roberto, que em dezembro votou na Izquierda Unida, que agora está coligada com o Podemos.

Pela maneira com que fala, mais parece que quando Roberto chegar a Londres vai imediatamente ao número 10 da Downing Street para dar um ralhete ao primeiro-ministro britânico, David Cameron. Em 2015, foi ele quem prometeu um referendo para conquistar o eleitorado eurocético, mesmo que ele próprio tivesse feito campanha pela permanência. E a 23 de junho o tiro saiu-lhe pela culatra. “Há que pensar nas coisas antes de fazê-las, não?”, diz Roberto em jeito de pergunta retórica. “Agora diz que se vai demitir. Bom, se calhar devia ter-se demitido antes de dar cabo da Europa, sempre fazia melhor figura.”

Agora, também Roberto tem receio de que outros políticos pela Europa fora queiram repetir o número de Cameron. A começar por Grécia, Portugal, Itália e, claro, Espanha. “Agora que já está feito num sítio, de certeza que vai haver gente que não se vai calar enquanto não fizerem com eles também. Espero que aqui não queiram imitar Cameron”, diz. “É catastrófico, isto, é uma tristeza para a Europa.”

Rajoy: “É importante transmitir uma mensagem de estabilidade”

Logo pela manhã, o Presidente do Governo em funções e candidato nas eleições de domingo, Mariano Rajoy, fez um discurso onde apelou à “serenidade” e à “tranquilidade”, depois de terem sido conhecidos os resultados do referendo britânico.

“Nestes momentos é importante transmitir uma mensagem de estabilidade institucional e económica, não são momentos para alimentar ou acrescentar incertezas”, disse, garantindo que “o Governo está em contacto permanente com os seus parceiros europeus e preparado para qualquer eventualidade”.

Ainda sobrou tempo para Rajoy deixar o seu pensamento sobre o atual estado da UE, dizendo que “este resultado deve fazer refletir todos os estados-membros, para nos esforçarmos como nunca para reconquistar o vigor do espírito fundacional do projeto de integração europeia”.

Rajoy aproveitou ainda para fazer um pouco de campanha no seu discurso, a dois dias das eleições, referindo-se à atuação do seu Governo, em funções desde 2011. “O feito de que Espanha tem já grande parte das suas necessidades cobertas e um sistema de financiamento saneado permitem-nos suportar em condições de solidez as turbulências financeiras que se possam produzir”, disse. Certo é que, quando fechou esta sexta-feira, o IBEX, o índice espanhol na bolsa, registou uma queda de 12,35%. Isto é, a maior da sua história.

O líder do Partido Popular, que as sondagens colocam à frente para este domingo mas longe da maioria absoluta, referiu ainda que ia entrar em contacto com os líderes das “principais forças políticas espanholas para conhecer a sua opinião” sobre o Brexit.

Ao longo do dia, todos foram falando. Pedro Sánchez, líder do PSOE, falou à rádio SER de um “golpe duro para todos nós que somos pró-europeus” e que este surgiu de uma “combinação de populismo com uma direita irresponsável”. Pablo Iglesias, do Podemos, deixou um post no Twitter onde lamentava o sucedido mas onde também deixava pistas para o futuro: “Dia triste para a Europa. Temos de mudar de rumo”. Além disso, referiu que “ninguém quereria sair de uma Europa justa e solidária”. Albert Rivera, do Ciudadanos, também sugeriu uma mudança de caminho, referindo que “a velha política abriu alas ao populismo na Europa” e que “faz falta renovação e coragem para modernizar e liderar mais União e mais Europa”.

“É preciso fazer uma reflexão sobre a inutilidade dos referendos”

Na tarde de sexta-feira, o El País transmitiu um debate onde representantes do PP, PSOE, Ciudadanos e Podemos discutiram a Europa e o papel de Espanha na UE. Ali, conforme escreveu o mesmo jornal, comprovou-se que “em Espanha não há espaço para os eurocéticos”.

Ainda assim, sobram diferenças entre aquilo que pensam a partir daí. O ministro dos Negócios Estrangeiros em função, José Manuel García-Margallo, do PP, apelou a uma maior integração europeia, dizendo que esta “não se para, acelera-se”. Do Podemos, Pablo Bustinduy, disse que “há que refundar uma Europa democrática e que esteja de acordo com os valores da sua fundação”. Josep Borrell, do PSOE, disse que o Brexit vai ser um “choque que vai criar confusão e incerteza”. Finalmente, pelo Ciudadanos, Fernando Maura, numa alusão à possibilidade de um referendo na Catalunha, disse que “é preciso fazer uma reflexão sobre a conveniência ou inutilidade dos referendos para tomar decisões de caráter complexo”.

Ao todo, há 200 mil espanhóis que vivem no Reino Unido, 40% destes em Londres. Em Espanha, os britânicos são 319 mil.