Querem o divórcio, é isso? Então vamos às partilhas. Durante anos, tolerámos as vossas escapadinhas, a vossa gastronomia, os vossos hooligans, os turistas em Albufeira, os expat em Albufeira e Albufeira em geral. Fizemos de conta que gostávamos dos Take That, deixámos que um jogador como Michael Thomas fosse titular do Benfica, pedimos que nos mandassem o Vale e Azevedo de volta, aturámos os McCann e fomos tão misericordiosos que só vos eliminámos duas vezes nos penáltis. Em nome da Europa a que orgulhosamente pertencemos esta é a nossa lista de exigências. Esperemos que as vossas futuras gerações tenham a beleza do Boris Johnson e a inteligência do Nigel Farage.
Adele – Cantou enrolada a uma bandeira portuguesa. Querem mais provas da ligação profunda ao nosso país? Comeu sardinhas e ouviu fado. Um conselho: invistam na desmumificação das Spice Girls ou na recauchutagem da Samantha Fox. A Adele é nossa!
Blur – Durante alguns anos foram os cronistas reais do país real: parques, desempregados, transportes públicos, pessoas com sotaque cockney. Depois abandonaram a vocação paroquial e foram à procura de novos sons na América, em África naquele planeta distante a que só Damon Albarn tem acesso. Ficamos com estes, se não se importam.
Chá das cinco – What goes around, comes around. Já se devem ter esquecido, mas foi uma portuguesa, Catarina de Bragança, que levou para essas terras bárbaras o hábito civilizado de que tanto se vangloriam. It’s payback time, bitches!
Comentários no The Guardian – Não desfazendo dos excelentes comentários dos leitores do Observador (que leio religiosamente), não há nada que se compare às caixas de comentários do The Guardian. É verdade que temos acesso ao site em qualquer lugar do mundo, excepto na Coreia do Norte e na Carruagem 2 do Intercidades, mas achámos por bem “europeizar” este monumento à liberdade de imprensa.
Harry Potter – É do conhecimento geral que se J.K. Rowling não tivesse vivido no Porto no início da década de 90 nunca teria criado Harry Potter. De acordo com a lei de propriedade intelectual em vigor na Europa continental (e que acabei de inventar), isso confere-nos direitos sobre qualquer personagem de ficção inventada por ela, mesmo que assine com um pseudónimo masculino.
Helen Mirren – Aos 70 anos está mais sexy do que nunca. Retirem-lhe o título, insultem-na, façam o que quiserem, o certo é que a Europa lhe fica muito bem e ela fica muito bem à Europa.
Hugh Grant – A pensar na vossa reputação, concluímos que seria melhor extirpar-vos deste senhor que ocupa os tempos livres a receber prazer oral de travestis. Estamos em crer que o eleitorado do UKIP não terá qualquer objecção.
Isabel II – Eu sei, eu sei, vocês agora gostam todos muito da senhora, ela é o garante da união, o último e duradouro símbolo das vossas manias imperiais, mas aqui no continente também nos faz falta uma figura unificadora e unânime. Não se preocupem, na volta mandamos a Letizia e a Teresa Guilherme.
James Bond – Vai custar, mas tudo na vida tem o preço. Além disso, Sean Connery é escocês, Pierce Brosnan é irlandês, portanto sabemos bem de que lado é que eles estão. E não é do vosso. Como também ficam sem a rainha, não vão precisar de um espião ao serviço de sua majestade.
Jarvis Cocker – Este foi o homem que escreveu “Disco 2000” e “Common People” e pensavam que podiam ficar com ele? Nem pensar.
Julian Barnes – Num ano em que teve uma grande alegria com o triunfo do Leicester na Premier League, vocês tinham de lhe estragar a vida com isto do Brexit. Saibam que este é o mais continental dos vossos escritores, apaixonadíssimo pela cultura francesa, portanto, nem vão dar pela sua falta. Au revoir!
Keith Richards – De início pensámos em reclamar os Rolling Stones, mas como prova da nossa generosidade e boa-fé cumprimos o dever doloroso de vos deixar Mick Jagger, Ron Wood e aquilo que resta do Charlie Watts. Sim, somos péssimos negociadores, mas temos este coração de “beurre”. Nada a fazer.
Martin Amis – Aos 66 anos, cheio de rugas e sem a frescura dos tempos de Money, o filho de Sir Kingsley continua a ser o “enfant terrible” da literatura inglesa. Ora, “enfant terrible” não é uma expressão muito inglesa, pois não? É nosso, temos pena.
Mo Farah – Os vossos branquelas já não dão uma para a caixa? Onde é que andam os Sebastian Coe? Já não bastava terem subtraído os mármores aos gregos ainda têm de roubar um atleta destes à Somália? Sempre a bater nos pequeninos. Fica connosco com a promessa de o devolvermos à Somália assim que possível.
Noddy – Esta é pessoal, desculpem lá qualquer coisinha. O Noddy irritava-me bastante, confesso, mas depois de ter passado os primeiros anos de vida do meu filho a ver repetidamente clássicos como “Noddy Salva o Natal” ou o “Pó Mágico da Lua”, sinto que é meu dever enquanto pai resgatar o Noddy das vossas garras. Além disso, antes da chegada da Uber, era o único motorista simpático que eu conhecia.
Página 3 do The Sun – Esclareçam-me só uma coisa: já acabaram com as maminhas ao léu? Em caso afirmativo, a página 3 é toda vossa.
Premier League – Essa grande instituição puramente inglesa tem de passar a Mancha. Quer dizer, nós mandamos Mourinho, Guardiola, Wenger, Ranieri, Klopp, Hazard, Ozil, Martial e o magnífico Robert Huth e ainda têm o desplante de achar que a Premier League é vossa? Não brinquem com coisas sérias. Ouvi dizer que o campeonato escocês vai ser muito animado no próximo ano.
Roger Scruton – Nos divórcios são sempre as crianças que sofrem mais. E os politólogos. Assim, rogamos a vossas excelências que nos seja atribuída a guarda de Roger Scruton e, em troca, ficam com o João Carlos Espada, que nos poderá visitar de quinze em quinze meses e nas férias de Natal dos anos bissextos.
Rolls Royce – Não é que eu tenha intenção de (nem dinheiro para) comprar um, mas não quero que a lembrança dos tempos áureos do Herman seja conspurcada por este símbolo da vossa arrogância aristocrático-industrial.
Rowan Atkinson – O Bean, sobretudo depois dos filmes americanos, é perfeitamente detestável, eu sei. Porém, vive na minha memória cada um dos episódios do “Blackadder”. Very british, não é? Pois, mas a ideia é fazer-vos sofrer um bocadinho.
Steve McQueen – Se pensarem bem (e caso tenham dúvidas perguntem ao Nigel Farage), o Steve McQueen não vos faz falta. Têm o Ken Loach e o Mike Leigh para fazer filmes sobre a vidinha inglesa, desemprego, aborto e outros temas fracturantes. A nós dá-nos jeito um McQueen. Prometemos não o enviar para certas zonas da Polónia e da Hungria.
Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor, e autor do romance As Primeiras Coisas, vencedor do prémio José Saramago em 2015