Em maio deste ano foi lançada uma petição para que as regras dos referendos fossem alteradas no Reino Unido. Se tivesse sido aprovada antes da votação de quinta-feira, os resultados não seriam considerados suficientes, o que poderia levar à convocação de um segundo referendo. Mas será que agora as três milhões de assinaturas reunidas têm poder para lançar uma nova votação sobre a saída do Reino Unido da União Europeia? E o referendo que deu a vitória ao Brexit é vinculativo?

A petição, criada por um cidadão (William Oliver Healey), queria que o resultado do referendo só valesse se mais de 75% dos eleitores votassem. Para o desfecho da votação ser implementado, teria de ultrapassar mais de 60% dos votos. Este referendo contou com 72% de afluência às urnas e a saída ganhou com 51,9%. Se a petição já tivesse sido aprovada eram condições suficientes para um novo referendo. E ainda que a petição venha a ser aprovada agora, pode ter efeitos retroativos?

Mesmo antes de conhecidos os resultados da votação, Nigel Farage admitiu que um resultado 52% contra 48% era uma margem pequena para ser conclusiva. Bem, a verdade é que o líder do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), que desejava a saída da União Europeia, se referia a uma vitória por pouco da permanência. Falta saber se pensará o mesmo agora.

Poderá haver um novo referendo?

Uma análise do jornal norte-americano Washington Post dá algumas respostas: “Bem, é certamente possível. Mas isso não significa que não seja totalmente tonto.” O jornal lembra que, na sua história, o Reino Unido só realizou três referendos nacionais – e nunca sobre o mesmo tema –, porque a grande maioria das decisões são tomadas pelos órgãos eleitos.

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Este só aconteceu porque David Cameron precisava de apaziguar os ânimos dentro do Partido Conservador. Mas o resultado foi exatamente o oposto: a divisão dentro do partido manteve-se, o referendo deu vitória à saída da União Europeia, contra as expectativas do primeiro-ministro, e ele próprio acabou por abandonar o cargo.

Quando decidiu realizar o referendo, Cameron podia tê-lo definido como vinculativo e não o fez. No entanto, com este resultado, que dá a vitória à saída da UE por uma diferença de quatro pontos percentuais, o primeiro-ministro dificilmente poderá não respeitar o compromisso que assumiu quando anunciou a intenção de referendar a permanência do Reino Unido na União Europeia.

Até podem existir três milhões de pessoas a pedir um novo referendo, mas será isso suficiente para dizer aos 17 milhões de pessoas que votaram pela saída que o voto delas não conta para nada?, questiona o Washington Post.

O que poderia levar a um novo referendo, ou a uma recusa dos resultados deste, seria uma mudança no governo. Se houver eleições nacionais antecipadas (que têm de ser decididas pela Câmara dos Comuns) e se o partido vencedor for assumidamente defensor da permanência na União Europeia, poder-se-á argumentar que os eleitores recuaram face ao resultado do referendo de 23 de junho de 2016. Mas os partidos tradicionais também estão “partidos” em relação à União Europeia.

Os dois partidos que defenderam a permanência – o Partido Conservador, de David Cameron, e o Partido Trabalhista, de Jeremy Corbyn – já estavam bastante divididos, com algumas fações dos partidos a defenderem a saída. Logo, falta um partido indiscutivelmente pró-Europa para contrariar os resultados deste referendo.

A petição terá algum poder para conseguir um novo referendo?

  1. Uma petição no site do parlamento só precisa de 100 mil votos para poder ser discutida. A petição pela alteração das regras nos referendos já ultrapassou largamente essa marca. Quer dizer que pode ser debatida no parlamento, mas não quer dizer que vai ser aprovada.
  2. Mesmo que a petição seja aprovada, não tem efeitos retrativos. Nem mesmo por ter sido lançada a 25 de maio, um mês antes da votação. Para poder ter efeito sobre este referendo, as regras teriam de ter sido alteradas antes da votação.
A demonstrator holds a placard that reads "So Long Great Britain" during a protest against the pro-Brexit outcome of the UK's June 23 referendum on the European Union (EU), in central London on June 25, 2016. The result of Britain's June 23 referendum vote to leave the European Union (EU) has pitted parents against children, cities against rural areas, north against south and university graduates against those with fewer qualifications. London, Scotland and Northern Ireland voted to remain in the EU but Wales and large swathes of England, particularly former industrial hubs in the north with many disaffected workers, backed a Brexit. / AFP / JUSTIN TALLIS (Photo credit should read JUSTIN TALLIS/AFP/Getty Images)

JUSTIN TALLIS/AFP/Getty Images

Um novo referendo daria vitória à permanência na União Europeia?

Na verdade, apesar dos protestos e petições não há dados que demonstrem que uma nova votação teria resultados diferentes.

Quem já era a favor da permanência, muito provavelmente continuará a sê-lo. Mas apesar do desânimo de muitos com a votação, não é claro que os defensores da permanência sejam defensores de um novo referendo. Uma sondagem do Sunday Mirror (um jornal popular) e Sunday People, que entrevistou cerca de mil pessoas, mostra que a maior parte das pessoas inquiridas não deseja um segundo referendo.

Há os que votaram a saída da União Europeia e se arrependeram – Bregret. Mas que percentagem dos 51,9% representarão? O suficiente para mudar completamente o resultado do referendo? Não há certeza.

Um referendo é vinculativo?

“Acordem. Não temos de fazer isto”, alerta David Lammy, deputado do Partido Trabalhista em Tottenham, desde 2000. “Podemos parar com esta loucura e acabar com este pesadelo com um voto no parlamento. O nosso parlamento soberano deve votar agora se devemos sair da União Europeia”, sublinha, citado pelo The Guardian.

O referendo é de aconselhamento, não é vinculativo. A plataforma de campanha pela saída já se desmascarou e algumas pessoas já desejam não ter votado pela saída. O parlamento precisa agora de decidir se devemos levar o Brexit em frente e se deve haver uma votação na próxima semana”, apela o deputado do Labour. “Não vamos destruir a nossa economia com base nas mentiras e arrogância de Boris Johnson.”

O acordo pode não ser legalmente vinculativo, mas é democraticamente vinculativo. Esta parece ser a interpretação dominante, mesmo nos líderes europeus que lamentaram a vitória do Brexit, mas defenderam que o resultado deve ser respeitado. O governo britânico, atual ou futuro, não pode simplesmente ignorar a escolha da maioria dos votantes. Até porque a afluência às urnas foi grande – mais de 72%.

O Reino Unido já está fora da União Europeia?

Apesar da demissão de David Cameron, prometida para outubro, e da saída do comissário britânico Jonathan Hill, o Reino Unido ainda faz parte da União Europeia. Faz e fará até que invoque o artigo 50 do Tratado de Lisboa. E, mesmo que os ministros dos Negócios Estrangeiros dos países fundadores tenham instado o Reino Unido a preparar a saída o mais rápido possível, o país não é obrigado a fazê-lo.

O Reino Unido invocará o artigo 50 quando quiser. Disse-o David Cameron e apoiou-o Boris Johnson, a cara da campanha do Brexit. E os britânicos não têm pressa, querem preparar bem as condições que vão apresentar à Europa para terem o mínimo do impacto na economia e no emprego (pelo menos).

Assume-se que quando é acionado o artigo 50, e iniciado o processo de desvinculação já não é possível voltar atrás. Mas como lembrou o jornal britânico Independent, num artigo de opinião, o artigo 50 não diz explicitamente que um Estado-membro não pode recuar no processo.

As leis que definem a saída do Reino Unido têm de ser aprovadas pela Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns para que a saída seja validada. Mas assim que seja invocado o artigo 50, a União Europeia pode concluir a saída do país mesmo que ao fim de dois anos os as partes não tenham chegado a um acordo.

Escócia pode vetar?

E é preciso ter em consideração que o Reino Unido não é só a Inglaterra. Na Escócia, venceu a permanência na União Europeia e a primeira-ministra, Nicola Sturgeon, disse à BBC que pode aconselhar os membros do parlamento escocês a vetar a saída do Reino Unido. Além disso, Sturgeon pondera um segundo referendo à independência da Escócia, embora não deseje ver erguidas fronteiras com a Inglaterra.

Três dias depois da vitória do Brexit, as questões continuam a ser muitas e as respostas mantém muitos ses e condições. As pressões pela saída ou por um novo referendo podem chegar de muitos lados, mas a decisão final caberá ao governo britânico. Esperamos para ver o que virá daí nos próximos dias (ou meses).