Quando era miúdo jogava no Real de Massamá e caminhava muito para chegar ao treino. “Viajava de comboio sem bilhete porque não tinha dinheiro para o pagar. Tinha de andar a fugir ou a tentar enganar o revisor”, contou Nani ao i, em 2009 (não há link disponível).

A vida de Nani não mudou assim tanto. Hoje vive para fugir dos defesas, levanta-se de manhã para enganar os rivais que se metem pelo caminho. Às vezes também vê um stop, como via nos comboios tantas vezes. “Eu tinha a habilidade para falar e era sincero, dizia a verdade. ‘Olhe, não tenho dinheiro, a minha mãe não tem dinheiro e eu tenho de ir treinar. É a única maneira que tenho para chegar lá’. Alguns entendiam e deixavam-me passar. Outros nem tanto.”

Nani está habituado a isto de ter e não ter. De ganhar e perder. De ser importante e desaparecer. Ainda antes deste Europeu começar, o extremo do Fenerbahçe estava esquecido por toda a gente, o povo queria Ricardo Quaresma. Ele, como se diz por aí, comeu o seu queijinho e ficou tranquilo no seu canto. No primeiro jogo começou de início, marcou o único golo e até foi eleito o melhor em campo. Leva já quatro jogos no Euro-2016 e tem dois golos, colocando-se no topo da lista de goleadores com Cristiano Ronaldo.

“Quando jogamos na rua, pensamos que um dia podemos ser uma estrela. Mas não temos a noção de nada, daquilo que é ser jogador profissional, chegar ao Manchester United e à seleção”, dizia na mesma entrevista ao i. “Mas as oportunidades foram surgindo e o sonho foi-se tornando real. Agora vivo esse sonho. Mas quando olho para trás vejo que as coisas se passaram muito rápido, a uma grande velocidade.”

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As coisas passam tão rápido que entre 1 de setembro de 2006 e 25 de junho de 2016 passaram dez anos e 100 internacionalizações. Cem. Mais do que ele só Cristiano Ronaldo (128), Luís Figo (127) e Fernando Couto (110). Ou seja, este menino deixa para trás senhores como Rui Costa, João Pinto, Vítor Baía, Paulo Sousa, Sérgio Conceição… Nem falamos das lendas mais antigas, porque hoje em dia há mais jogos e a probabilidade de bater recordes fica mais certa. Nani é o quarto homem com mais jogos pela seleção nacional. É obra.

Fernando Couto atingiu essa marca especial a 11 de outubro de 2003, quando Portugal bateu a Albânia por 5-3, no Restelo. O jogador mais perto de Valderrama que o nosso futebol teve, que passou pelo FC Porto, Barcelona e Parma, foi o primeiro português a chegar ao número 100. Luís Figo chegou a essa marca num ano especial: 2004.

Em 2012 foi a vez de Cristiano Ronaldo alcançar tal meta, aos 27 anos, quando Figo e Couto haviam lá chegado depois dos 30. O centésimo de Cristiano foi contra a Irlanda do Norte. Ficou 1-1, marcou Hélder Postiga. Sim, Will Grigg estava no banco desta seleção que ficou na moda no Euro-2016.

Este filme de Nani na seleção começou com camisola preta, tinha o número 32 escrito a amarelo. Foi no primeiro dia de setembro de 2006, como já vimos, quando Portugal até perdeu contra a Dinamarca. Nani marcou de canto direto e foi brindado com uns calduços à moda do Porto, para aprender cedo que entre os grandes é assim. Os golos de Jon Dahl Tomasson, Thomas Kahlenberg, Martin Jørgensen e Nicklas Bendtner roubaram o brilho à estreia do menino saído de Alcochete.

Depois disso, Nani foi ganhando espaço na seleção portuguesa. O extremo com sangue cabo-verdiano não marcou nenhum golo nos Europeus de 2008 e 2012, mas atuou nos oito jogos. Em 2010, em pleno estágio para o Campeonato do Mundo da África do Sul, o jogador do Manchester United teve de abandonar por lesão. Quatro anos depois jogaria no Brasil e até festejaria um golo contra os Estados Unidos, mas Portugal não iria além do empate (2-2).

Nani tem 29 anos e, ao longo do caminho, meteu quatro medalhas da Liga Inglesa, uma Champions, um Mundial de Clubes e mais alguns canecos no bolso. Em 2012 ajudou a copiar o que Os Patrícios fizeram em 1984, chegando à meia-final. Agora pretende imitar uma versão da Geração de Ouro, que chegou à final do Euro-2004, mas que perdeu. Falta mudar o fado, “basta” jogar como se jogava na rua. O comboio está em marcha, do lado certo da linha, por isso é só enganar os defesas como quem enganava o revisor…