A sede da comunidade polaca em Londres foi pintada com a inscrição “vão-se embora”, aumentando os receios dos emigrantes, que sentem que estão a ser alvo de ataques racistas e xenófobos na sequência do triunfo do Brexit.

“Este sentimento é uma mistura entre o desgosto e o medo. Nós temos o centro a funcionar desde 1962 e nunca tivemos de nos confrontar com atos de racismo”, disse esta terça-feira à agência France Press Joanna Ciechanowska, diretora da galeria que funciona no interior das instalações do Polish Social and Cultural Association (POSK), na zona de Hammersmith, em Londres.

A responsável pelo centro da comunidade polaca em Londres aponta como causa as mensagens que foram utilizadas durante a campanha do referendo que decidiu a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit).

“É muito preocupante. Ouço amigos que viajam de comboio e que dizem que as pessoas que se sentam ao lado, de um momento para o outro, lhes dizem diretamente: “Façam as malas e vão-se embora. Se as pessoas tinham um grão de agressividade dentro delas, o referendo fez com que tudo saísse cá para fora”, relatou Ciechanowska.

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Para outro elemento do centro polaco de Hammersmith, “o resultado do referendo parece que concedeu autorização às pessoas para expressarem racismo e xenofobia”.

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, que anunciou a demissão em outubro na sequência do Brexit, já criticou “a série de reprováveis” incidentes que se seguiram à decisão sobre o abandono do Reino Unido da União Europeia.

“Nos últimos dias, temos visto inscrições lamentáveis que atingem o centro comunitário polaco e elementos de minorias étnicas têm sido avo de insultos verbais”, disse Cameron.

O primeiro-ministro demissionário afirmou também que é preciso ter presente que os membros das minorias estão no Reino Unido tendo contribuído de forma muito importante para a sociedade britânica.

“Não vamos apoiar os crimes e o ódio ou qualquer tipo de ataques do género, que devem terminar”, concluiu Cameron.

A embaixada da Polónia já manifestou “choque e preocupação” sobre os incidentes e “abusos” contra a comunidade polaca no Reino Unido.

Uma série de autocolantes com a frase “Deixem a União Europeia: não queremos aqui a bicharada polaca” foram espalhados na zona onde se concentra a comunidade em Huntingdon, perto de Cambridge, no passado sábado.

“Nós estamos a levar o assunto de forma muito séria, porque se trata de um crime de ódio”, disse à agência noticiosa AFP Nick Percival, da polícia de Cambridgeshire.

Uma série de outros incidentes registam-se nas redes sociais, através da Internet.

O chefe do Conselho Nacional da Polícia disse que se registaram 85 casos de crimes de ódio através da Internet entre quinta-feira e sábado da semana passada, correspondendo a um aumento de 57 por cento, comparado com o que se verificou no mês de maio.

O presidente da Câmara de Londres, Sadiq Khan, disse na segunda-feira que colocou a polícia municipal em alerta, em virtude dos incidentes que se têm verificado.

Khan sublinhou que encara com “seriedade e responsabilidade” a defesa da “fantástica mistura de pessoas, a diversidade e a tolerância”.

John O’Connell, do grupo anti-racista Far Rigt Watch disse que foram detetados mais de noventa incidentes nos últimos três dias, que incluem insultos verbais e agressões físicas.

O ministro das Finanças, George Osborne, apelou à unidade e à “presença de espírito” e pediu aos britânicos para condenarem divisões radicais, “onde quer que seja”.

Sayeeda Warsi, política conservadora que mudou de opinião a meio da campanha e votou pela manutenção do Reino Unido na União Europeia, tem também criticado abertamente os incidentes xenófobos dos últimos dias.

“Eu passei o último fim-de-semana em contacto com organizações, pessoas e ativistas que estão atentos em relação aos crimes de ódio e que relatam situações preocupantes. Encontram pessoas na rua que lhes dizem: ‘Nós votamos pelo Brexit, por isso, chegou a hora de vocês se irem embora'”, relata Sayeeda Warsi à Sky News.

O jornal The Sun, assumido apoiante do Brexit tem estado a ser alvo de críticas, depois de ter publicado o título: “As ruas estão cheias de lojas polacas, de miúdos que não falam inglês (…), mas agora as bandeiras britânicas foram hasteadas, outra vez”.

Shashank Joshi, membro do think-tank RUSI, disse que o artigo do “é totalmente vil” e acusou o The Sun de responsabilidade pelos incidentes e ataques que se têm registado no Reino Unido.