“O meu conselho é que desligue o telemóvel, se não vai parar ao governo sombra até ao fim do dia.” Apenas alguns dias depois do referendo que abalou a União Europeia, o derrotado e demissionário David Cameron permite-se fazer piadas com o que se passa no Partido Trabalhista. Esta segunda-feira, no primeiro debate parlamentar depois da vitória do Brexit, uma deputada trabalhista tomou posse — e nem a gravidade do atual momento político do Reino Unido impediu o ainda primeiro-ministro inglês de brincar com os opositores. É que o Partido Trabalhista está em plena ebulição e Jeremy Corbyn pode não conseguir ser líder quando o próximo governo tomar posse.

Os acontecimentos têm-se sucedido a grande velocidade. Neste momento, e depois de 48 horas de movimentações intensas nos bastidores, mais de 30 ministros do governo sombra do Partido Trabalhista já se demitiram ou foram demitidos. Todos eles e mais umas dezenas de deputados acusam Jeremy Corbyn de não se ter empenhado a sério na campanha pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Por esse motivo, o líder viu-se obrigado a chamar alguns dos seus mais fiéis seguidores para o governo sombra, transformando-o substancialmente.

De acordo com o jornal The Telegraph, são já 150 os deputados trabalhistas dispostos a votar favoravelmente uma moção de censura a Jeremy Corbyn, que está desde sexta-feira a ser pressionado para abandonar o cargo. Na terça-feira realiza-se essa votação, depois de, na segunda, uma reunião do grupo parlamentar trabalhista ter acabado com gritos entre deputados e a equipa de imprensa de Corbyn.

Os participantes desse encontro descreveram-no à saída como “catastrófico” e “desastroso”. Os opositores do líder não são meigos e acusam-no de “ser um vácuo rodeado por vazio”, uma pessoa que não assumes responsabilidades e que não será capaz de unir o partido na nova fase política que está prestes a iniciar-se.

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Jeremy Corbyn, no entanto, não quer ir a lado nenhum. E hoje repetiu-o perante uma multidão de dez mil pessoas que se juntou para o apoiar à porta do Parlamento inglês.

“Aqueles que querem mudar a liderança do Partido Trabalhista terão de participar numa eleição democrática”, disse Corbyn. Sobre a moção de censura anunciada pelos companheiros de partido e sobre o Brexit, o líder trabalhista nada disse, preferindo focar-se na situação social do Reino Unido e nas críticas ao governo de Cameron.

Mas a pressão é enorme. Segundo amigos e companheiros partidários de Jeremy Corbyn, o líder trabalhista é apoiante do Brexit, embora tenha feito campanha pela permanência. Para os deputados e militantes do partido, a suposta frouxidão de Corbyn no apelo ao voto é imperdoável.

Tweet do editor de Política da revista New Statesman dando conta de que um amigo de Corbyn lhe disse que o líder trabalhista é apoiante do Brexit.

Para já, e sem se saber se a moção de censura sairá vitoriosa, ninguém arrisca chegar-se à frente para desafiar abertamente Jeremy Corbyn. O “golpe”, como o denominam os apoiantes do líder, está dependente desse momento decisivo. Na terça-feira, ao fim da tarde, Corbyn saberá se conseguiu evitar o seu próprio exit.