Talento já o tinha antes de cruzar caminhos com Presley mas foi a partir da gravação de “That’s All Right Mama”, em 1954, que a vida de Scotty Moore começou, pelo menos aquela que ficaria na história. O músico nunca negou que foi com Elvis que se tornou influente e que fez história mas, ao mesmo tempo, sempre levou essa associação de forma profissional e pouco deslumbrada. É como diz a frase do livro de memórias That’s Alright, Elvis, de 1997 (escrito com James L. Dickerson, o amigo que confirmou a morte do músico aos media americanos): “Todos os outros queriam ser Elvis, eu queria ser o Scotty”. O guitarrista morreu esta terça-feira, aos 84 anos.

[Scotty Moore à guitarra com Elvis Presley, em “Hound Dog”]

Foi fácil para Scotty Moore perceber que com Elvis nada seria igual, nem para ele nem para ninguém. Mas porque nunca deixou de cumprir o bonito e legítimo cliché de querer ser “ele próprio”, Moore gravou um álbum a solo em 1964, “The Guitar That Changed The World”. O título era o certo, as músicas eram as que Presley tornou famosas mas em versões instrumentais. O resultado foi simples para Sam Phillips, o dono da Sun Records que o tinha como assalariado: despediu Scotty, que coisas dessas — como se sabe — não se fazem.

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Entre 64 e 68 (ano do fenomenal “Comeback Special” de Elvis), foram pontuais as colaborações entre Moore e Elvis. Tudo mais que compreensível, numa altura em que Hollywood roubou o protagonismo aos discos e às atuações e Presley se entregou a uma “ridícula e interminável série de filmes”, como o próprio Scotty Moore chegou a descrever a fase em diferentes ocasiões. O guitarrista haveria de colocar um ponto final na colaboração com Elvis quando Las Vegas entrou na equação de forma decisiva.

[Elvis no “Come Back Special” de 1968, também com Scotty Moore]

Depois de 68, Scotty ficou por casa e gravou outros músicos. Assim se deixou ficar até ao início dos anos 90, quando as dificuldades financeiras (até porque os royalties e direitos associados vindos das gravações de Elvis não o tinham como beneficiário) o obrigaram a voltar aos palcos, para tocar com outros guitarristas da mesma categoria, como o lendário Carl Perkins. Na verdade, esse regresso serviu também para recuperar o papel decisivo da Moore na história do rock’n’roll e de o apresentar a novas gerações.

Scotty Moore, nascido em 1931 no Tennessee, tocava com Doug Poindexter e os Starlite Wranglers em 1954. Estava nos estúdios da Sun quando Sam Phillips lhe pediu ajuda para um novato que por ali havia de chegar para gravar umas coisas. Juntou-se ao baixista Bill Black e juntos acompanharam Elvis em “That’s Alright Mama” e “Blue Moon of Kentucky”. Fez nessas canções o que já fazia antes: misturava os tiques de R&B, country e jazz que treinava desde os 8 anos, que levou pela adolescência e pelos anos que passou na Marinha.

Moore misturava o virtuosismo melódico com uma rara noção rítmica, um estilo raro que fez dele um guitarrista que parecia dispensar os serviços de um baterista. Pelo menos até 1955, ano em que os Blue Moon Boys ficavam completos, após a entrada do baterista DJ Fontana (já lá estava o baixista Bill Black). Keith Richards não seria o mesmo, nem Bruce Springsteen e muitos outros heróis. Scotty, o guitarrista que deixou uma importantíssimo legado, o homem que chegou a ser manager de Presley enquanto o acompanhava em palco, o empresário que ajudou Sam Phillips a gerir os Sun Studios, até ter sido despedido. Raramente perto de lugares de protagonismo, sempre a moldar a história.