(Este artigo foi originalmente publicado a 1 de julho por ocasião do Euro 2016. É republicado agora por ter sido um dos homens mais criticados pela prestação do Sporting Clube de Portugal na última temporada).

Ainda bem. Quando Rui Patrício resolveu ser futebolista, com 11 anos, não foi para ser guarda-redes como é hoje. Rui era avançado (como canhoto que é, mais descaído sobre o flanco) no Sport Clube Leiria e Marrazes, o clube “da terra”, o mesmo onde o pai e os tios, seis “Patrícios” ao todo, também foram futebolistas. O rapaz só deu em avançado por ser um “matulão”. Sobretudo por isso.

Certo dia, e depois de o guarda-redes titular do Marrazes ter amuado num treino e deixado o clube, o treinador olhou em volta e chamou o tal matulão. “Vais tu à baliza.” Mal sabia ele que Patrício nunca mais abandonaria os postes. E rapidamente se viu que era diferente dos demais. E quem “viu” primeiro foi o Sporting. Depois de disputar um torneiro em Pataias, Alcobaça, Patrício teve escrito sobre si um relatório. E esse relatório chegou às mãos de Aurélio Pereira, o homem-forte do recrutamento do Sporting, o mesmo que descobriu Futre, Simão, Quaresma ou Ronaldo.

Não teve dúvidas quando leu o que o olheiro escreveu: o Rui é para contratar. Já. Mas não foi logo, logo. E não foi porque a família Patrício era toda benfiquista dos sete costados. Não queriam ver o filho no clube rival. Valeu ao Sporting que Paulo Silva, o treinador de Patrício no Marrazes, convenceu a família a deixá-lo pelo menos treinar em Alcochete e depois logo decidiriam se assinava pelo Sporting ou não. Andou um ano inteiro a fazer “piscinas” entre Leiria e a margem sul do Tejo. Em sete dias que a semana tem, treinava duas vezes no Sporting, três no Marrazes e ao fim-de-semana defendia a baliza verde e branca. Ao fim de um ano, e quando por fim o Benfica se interessou por Patrício, já este tinha colocado preto no branco a sua vontade de ser “leão”.

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Estávamos no ano 2000 e o guarda-redes custou 1500 euros ao Sporting. Dezasseis anos depois, Rui Patrício havia de ser um dos heróis que trouxe para Portugal a taça de campeão europeu de futebol. Este ano, no entanto, as graças em redor do leiriense sofreram uma viragem: foi criticado por Bruno de Carvalho depois do jogo frente ao Atlético de Madrid, cercado de tochas aos primeiros minutos do dérbi com o Benfica, gozado pelo “frango” frente ao Marítimo e insultado pelos adeptos no Aeroporto Cristiano Ronaldo. A seguir, Rui Patrício esteve perto de ser atacado pelos sportinguistas nas garagens de Alvalade — e só não o foi porque os colegas o protegeram — e terá sido um dos alvos apontados para o ataque à Academia do Sporting em Alcochete. Depois de tudo isto, Rui Patrício acabou a temporada em lágrimas por ter deixado entrar dois golos do Desportivo das Aves no Jamor. E tudo isto testemunha o rol de críticas que lhe têm sido feitas agora que há uma proposta para sair dos leões e vestir a camisola do Nápoles.

A estreia no Sporting foi a defender um penálti

Na formação do Sporting, onde partilhava o balneário com Daniel Carriço ou Adrien Silva, já Patrício defendia penáltis como defende hoje. Tornou-se a sua especialidade entre postes. E defendia, não só pela altura que tinha — acima do metro e oitenta ainda nos iniciados; 13 anos, portanto –, mas também pela elasticidade com que se atirava aos remates, pelo “sexto sentido” em adivinhar para onde seguiram, e pela invulgar envergadura de braços que nenhum outro miúdo daquela idade tinha.

Rui Patrício estrear-se-ia pelo Sporting ainda com idade de júnior. O balneário dos “graúdos” não lhe era necessariamente estranho, pois treinava com os seniores durante a semana. O seu antigo treinador dos Sub-19, Paulo Bento, chegara ao plantel principal do Sporting e queria-o por perto. Mas recordemos a estreia. Foi a 19 de novembro de 2006, no estádio dos Barreiros, diante do Marítimo. Patrício até tinha sido chamado à baliza do Sporting na pré-temporada, contra o Real de Massamá e o Deportivo da Corunha, mas tinham sido amigáveis a feijões. Na Madeira era a doer. O titular Ricardo lesionou-se antes do jogo, Tiago, o suplente, lesionou-se durante o próprio jogo, e Paulo Bento teve que chamar Patrício. Não foi feliz em tudo o que fez nessa noite. Mas não mais se esquecerá do penálti que defendeu aos 74′. Adivinhou o lado para onde Kanú ia bater: o direito. E agarrou o Sporting aos três pontos.

A estreia foi auspiciosa, mas Ricardo voltou à baliza e Patrício aos “seus” juniores. Só se tornaria titular na época seguinte. No começo, era o quarto guarda-redes de Paulo Bento. Quarto. Mas no início da época Ricardo saiu para o Bétis, o substituto Stojkovic não convenceu, tal como não convenceu o trintão Tiago. A baliza era do miúdo de 19 anos, que galopou na hierarquia da baliza, até ao topo, pouco depois de a época começar. À 11ª jornada, contra o Leixões, Bento lançou-o para não mais o deixar sair. Foi a 24 de novembro de 2007.

Haveria de chegar à Seleção também. Aliás, era titular por Portugal desde as camadas jovens. Apesar de ser titular do Sporting, Luiz Felipe Scolari nunca o fez titular por Portugal. Mas foi o “sargentão” quem lhe deu a primeira internacionalização, num amigável contra a Roménia, a 1 de abril de 2008, quando entrou a cinco minutos do fim. E levaria Patrício ao Euro 2008, onde este viu Ricardo ser titular desde o banco. Com Carlos Queirós nem ao Mundial 2010 foi. A estreia a titular só aconteceu pelas mãos de quem o conhecia melhor: Paulo Bento. Foi a 17 novembro de 2010, contra a Espanha. Não voltou a sair de lá. E “lá” é a titularidade.

Fez, até quinta-feira, dia do Portugal-Polónia, 49 jogos. O quinquagésimo foi contra os polacos, em Marselha. Só três guarda-redes têm mais encontros do que ele pela Seleção: Manuel Bento, Ricardo e Vítor Baía. E foi por pouco que Patrício não bateu o recorde deste último, que ainda hoje é o guarda-redes mais novo de sempre a chegar à marca da meia centena de jogos por Portugal. Vítor Baía tinha 27 anos, um mês e 29 dias quando foi titular, a 14 de dezembro de 1996, contra a Alemanha. Patrício, contra a Polónia, tinha 28 anos, quatro meses e 15 dias. Foi por pouco, sim.

Mas não é importante o recorde que não caiu. O guarda-redes dos Marrazes foi decisivo. E isso também é História. Durante o jogo, como em quase todo o Europeu até aqui, Patrício mal fez uma defesa. Mas teve que ser ele a resolver o jogo nas grandes penalidades. Lewandowski marcou, Milik também e Glik também não falharia. Até que chegou a vez de Kuba. E Kuba atirou para o lado direito, o mesmo para onde Kanú do Marítimo tinha atirado, e Patrício foi desviar a bola com a mão esquerda, tal como nos Barreiros, em 2006.

Patrício provavelmente não se recorda do guarda-redes amuado que o levou para a baliza com 11 anos. Nem nós. Mas, seja ele quem for: obrigado.