Bernardo Pinto de Almeida não tem dúvidas de que o novo Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso (MACNA), em Chaves, “poderia perfeitamente estar em Nova Iorque ou São Paulo, como em Lisboa ou no Porto”.

Responsável pela primeira exposição do museu, o professor catedrático da Faculdade de Belas Artes do Porto afirma que, em termos de arquitetura, o MACNA “compete perfeitamente com o novo museu da EDP”, o MAAT, desenhado pela arquiteta britânica Amanda Levete, com abertura prevista para outubro, em Lisboa. “Só não temos o mesmo orçamento e os mesmos meios de promoção”, remata.

A inauguração oficial é na segunda-feira, dia 4, com a presença do presidente da República. O museu abrirá portas ao público no dia 8, feriado municipal em Chaves.

O edifício do museu, projectado por Álvaro Siza Vieira, “é uma obra prodigiosa”, qualifica Bernardo Pinto de Almeida.

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Com edifício projetado por Álvaro Siza Vieira, situa-se na margem direita do rio Tâmega, no lugar de Longras, e custou 10 milhões de euros, pagos pela Câmara Municipal de Chaves e por fundos europeus, segundo Carlos França, chefe do departamento de Cultura da autarquia.

A obra deveria ter começado em 2002, ano em que o projeto foi entregue, mas só agora ficou pronta devido a atrasos burocráticos no licenciamento e nas certificações.

O museu situa-se em zona de reserva agrícola e leito de cheias, pelo que precisou de autorização do governo. O lote de terreno tem cerca de 16 mil metros quadrados, dos quais o museu propriamente dito ocupa 2,7 mil metros quadrados.

Muros em betão branco, cobertura ajardinada, soalho de madeira nos pavimentos, gesso nas paredes e tetos, pavimentos exteriores em granito. “É uma obra prodigiosa”, qualifica Bernardo Pinto de Almeida.

Siza Vieira refere na memória descritiva do projeto que “não é de excluir o risco de uma cheia excecional”. Para o evitar, o edifício foi elevado em cerca de três metros relativamente ao terreno.

“Quando se convidou Siza Vieira havia várias hipóteses de localização apresentadas pelos arquitetos da Câmara”, explica Carlos França. “Siza escolheu uma zona que por acaso não coincidia com nenhuma dessas hipóteses. À distância, reconheço que foi uma decisão arriscada, mas visionária. O objetivo é o de colocar Chaves no mapa e, com algum sentimentalismo o digo, projetar o nome de um flaviense.”

Arquiteto e artista plástico, Nadir Afonso nasceu em Chaves em 1920 e morreu em Cascais em 2013. É uma “figura cimeira do modernismo português, mas não está suficientemente inscrito na história da arte portuguesa do século XX”, diz Bernardo Pinto de Almeida. Uma das missões do museu deve ser a de “evidenciar a imensa importância artística, cultural e histórica” da obra do artista, acrescenta.

Nadir “passa grande parte da vida em Paris, integrando as vanguardas da arte francesa”, descreve o professor. “Nos anos 1980 era mais fácil ver obras dele em Paris do que Portugal. Ainda hoje. Está representado na coleção do Centro Pompidou, em Paris, mas que eu saiba não existe na coleção do Museu de Serralves, no Porto. Os próprios mecanismos de construção do discurso da história de arte em Portugal deixaram-no um pouco de lado. Quem esteve mais responsável por isso talvez não tenha dado pela presença forte de Nadir. Esse legado ainda está por reabilitar.”

O artista tinha noção da falta de visibilidade. Quatro anos antes de morrer, em entrevista ao jornal Público, afirmou que seria importante dar a conhecer o seu trabalho: “Pensei sempre em criar, realizar uma obra. Era uma fascinação tal que não dava para mais nada. Foi uma gafe. Sinceramente, nunca pensei que era necessário ao mesmo tempo promover-me.”

A exposição “Nadir Afonso – Chaves para uma Obra”, que Marcelo Rebelo de Sousa vai inaugurar e que se mantém até outubro, é uma retrospetiva que vai da década 1930 até à de 70.

Mais de 200 quadros em quatro núcleos:

  • 1938 a 1948, época em que estuda no Porto e se aproxima do surrealismo;
  • até 1958, fase de Paris, quando trabalha no atelier de Le Corbusier e passa a pintar formas geométricas;
  • a fase em torno do conceito “Espacillimité (máquina cinética)”;
  • a influência das cidades, como São Paulo ou São Petersburgo, e a apropriação de formas e espaços, uns reais outros imaginários.

O curador diz que Nadir “intuitivamente chega a grandes soluções pictóricas” e esse aspeto vai estar bem percetível na exposição. “A obra dele é complexíssima, de grande rigor em termos de conceito”, resume Pinto de Almeida.

O MACNA prepara-se para abrir portas no meio de alguma indefinição. Por enquanto, a instituição não faz parte da Rede Portuguesa de Museus. Não se sabe quem assumirá a direção artística, embora o nome de Pinto de Almeida esteja na calha. Desconhece-se o orçamento anual, mas o chefe do departamento de Cultura adianta o valor de 300 mil euros, sem contar com custos de pessoal e manutenção. A previsão do número de visitantes ainda não foi divulgada, nem o número de exposições anuais, que previsivelmente não serão mais que quatro.

“É preferível abrir já, mesmo que nem tudo esteja acertado, porque de outra forma estaríamos a adiar e ainda demoraríamos mais a definir o que falta”, acredita Carlos França.

Sabe-se que os bilhetes vão custar cinco euros e o horário de funcionamento será das 10h00 às 19h00, com dia de encerramento à segunda-feira.

O acervo é constituído pelas pinturas e estudos doados pela Fundação Nadir Afonso, gerida pela mulher, Laura Afonso, e pelas filhas do pintor. As obras começaram a dar entrada no depósito do MACNA há cerca de quatro meses transportadas de Lisboa, da casa da família e de coleções particulares.

“A linha de programação que defendo passa por estabelecer relações entre este e outros museus ou centros nacionais e internacionais, com exposições de alto nível que possam fazer do museu um ponto de referência no tecido museográfico português”, diz Pinto de Almeida. “Por outro lado, existe a ideia de manter uma relação forte com Espanha, estou até a trabalhar com o professor José Jiménez, um grande intelectual espanhol, para fazermos essa ponte com o país vizinho.”

O museu deverá programar exposições de artistas que conviveram com Nadir em Paris e de outros mais recentes que, podendo nem ter conhecido pessoalmente o artista, são influenciados pela obra que este deixou.

O MACNA, segundo Pinto de Almeida, tem condições para se estabelecer como um espaço de referência no norte do país, tendo até em conta que hoje se vive uma “moda de arte contemporânea”. “A dinâmica das cidades passa pela construção de museus, vistos como uma nova forma de habitar a cidade e a cultura”, analisa o professor universitário.