Dois membros da ajuda humanitária deram entrada num hospital do sul da Europa, depois de regressarem de um país da África subsariana. Tinham febre alta, dores no corpo e vómitos. O hospital não avançou causas possíveis, mas a mulher de um dos doentes não tardou a publicar o que tinha acontecido nas redes sociais. Só ao fim de três ou quatro dias o hospital conseguiu confirmar que se tratava de febre-amarela. E, só depois disso, o Ministério da Saúde e os institutos ligados à saúde pública reagiram.

Este é apenas um cenário apresentado durante um workshop sobre comunicação em situações de risco para a saúde, que decorreu na Alemanha, mas é um cenário possível. Duas grandes questões se levantam à partida: como é que os cidadãos vão reagir a esta notícia? E como é que as autoridades de saúde vão responder às preocupações das pessoas? Ou até, como vão responder às críticas por não terem reagido mais depressa?

As organizações de saúde, que têm comunicadores dedicados a lidar com comunicação de risco em situações de emergência médica, monitorizam o que vai sendo divulgado nos meios de comunicação tradicionais, como os jornais, mas também as questões que vão surgindo nas redes sociais, como o Twitter. Porém, febre, dores no corpo e vómitos são sintomas demasiado gerais para que sejam facilmente captados, no meio de todo o “ruído” das redes sociais, e são tão frequentes que não geram preocupação só por si, como explicaram vários dos representantes dos Estados-membros no workshop.

Mas assim que o hospital tem a confirmação de que se trata de febre-amarela são ativados os mecanismos de notificação a nível nacional e internacional e as instituições e ministérios ligados à saúde dentro da União Europeia vão receber esta informação para poderem agir em conformidade nos respetivos países. Aliás, a rede de comunicadores de saúde pública dos Estados-membros está constantemente em contacto, sabem que suspeitas e novos casos existem nos restantes países do grupo, mesmo quando essa informação ainda não chegou aos órgãos de comunicação social ou à população. E, nesse momento, ativam as respostas que terão de dar em cada caso específico.

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Além de comunicarem entre si, as instituições de saúde têm pelo menos três grandes grupos a quem se dirigir: os profissionais de saúde, os jornalistas e o público. Cada um destes grupos precisará de informação específica, mas dentro do público em geral podem ser encontrados vários subgrupos que terão preocupações diferentes, que buscam informações distintas e que usam canais variados para a obter. Uma videoconferência com perguntas via Twitter pode funcionar com os jornalistas, mas, para chegar aos jovens, as instituições de saúde podem ter de optar por pequenos vídeos informativos na rede social Snapchat (com uma aceitação crescente neste grupo etário).

https://twitter.com/CrisSeven07/status/554680010020503552

Assim que surja uma nova situação, os jornalistas, e os próprios cidadãos, vão exigir respostas das organizações de saúde que se devem esforçar por ser rápidos a responder e fornecer o máximo de informação possível naquele momento. Mas perante situações novas, a informação disponível num dado momento pode ser bastante diferente da que se dará uns dias ou semanas depois.

Quando o zika começou a preocupar

Basta pensar no surto de zika no Brasil. Apesar do número de casos de pessoas infetadas com a doença estar a aumentar, isso, só por si, não foi motivo para alarme porque a doença apresenta, normalmente, sintomas ligeiros. Só quando se começou a associar o zika com a microcefalia nos recém-nascidos, a perceção de risco aumentou, incluindo a nível internacional. Ainda sem certezas sobre se o zika causava microcefalia, as grávidas foram aconselhadas a não viajar para países onde o surto estivesse ativo. Esta recomendação, aliada à prevenção da picada do mosquito, eram as principais preocupações para viajantes. Agora, sabe-se que o zika, além de ter como forma de transmissão principal a picada do mosquito, pode ser transmitido por via sexual, o que fez com que novas recomendações sobre o uso de preservativo ou abstinência sexual fossem publicadas.

Transparência é um elemento-chave nestes momentos, como referiram os comunicadores presentes no workshop organizado pelo Instituto de Saúde Pública britânico (Public Health England). Os especialistas têm de fornecer o máximo de informação cientificamente validada, mas lembrar que há um nível de incerteza associado. Devem ser rápidos a prestar esclarecimentos, mas acrescentar que, à medida que a situação avançar, vão acrescentar novos elementos. Para situações novas, raramente (ou nunca) há certezas.

A audiência tem de sentir que quem está a comunicar sabe do que está a falar, que está a dizer a verdade, que compreende o que as pessoas estão a sentir e que está a agir de forma a garantir a proteção da saúde dos cidadãos. Se isto acontecer, as pessoas vão sentir-se confiantes na mensagem. E a confiança do público é um elemento-chave quando se trata de uma situação de risco para a saúde pública.

Ébola – aprender com os erros

Um dos problemas no combate ao ébola foi a dificuldade em comunicar com as populações locais. Na Serra Leoa, onde uma grande parte da população não confia no Governo, sobretudo depois da guerra civil que atingiu o país, colocar o Presidente a promover cuidados básicos sobre prevenção da contaminação teve o efeito contrário. Uma situação inesperada para as instituições internacionais no terreno.

Também a forma como a doença foi comunicada – mortal e sem cura – fez com que as pessoas não sentissem necessidade de ir às clínicas ou hospitais. Se iam morrer de qualquer maneira, mais valia que fosse em casa junto da família. Mais uma vez, esta reação foi exatamente o contrário do que os profissionais de saúde esperavam e foi mais um potenciador da transmissão da doença.

Conhecer as expectativas do público a quem é preciso fazer chegar a mensagem, conhecer os medos e as perceções de risco que têm e perceber em quem confiam são elementos-chave para fazer chegar a mensagem. Na Serra Leoa, como uma boa parte da população é aficionada do futebol, ter jogadores, como Cristiano Ronaldo ou Neymar, a transmitir as mensagens de prevenção mais importantes teve um efeito positivo. Durante o surto de ébola, foram identificados outros influenciadores, como líderes de grupos locais ou religiosos.

A campanha foi organizada em conjunto pela FIFA, Banco Mundial e Organização Mundial de Saúde.

Importante para os comunicadores e profissionais de saúde é, também, perceber que perceção de risco tem a população, porque esta perceção de risco pode ser muito diferente do risco real. Em relação ao ébola, no início do surto, as pessoas dos países da África ocidental não acreditaram que a doença era real – a perceção de risco era baixa, mas o risco era alto. Já na Europa, a perceção de risco era muito elevada, mas o risco real era mínimo. A comunicação com estes dois tipos de público tem de ser feita de maneira diferente, tendo em conta que as instituições de saúde não podem perder (ou têm de ganhar) a confiança da audiência.

Outro exemplo em que a perceção de risco e o risco real não são coincidentes é a gripe – a gripe sazonal e a gripe A. O surto de gripe A gerou pânico entre as pessoas em 2009, mas poucas foram as mortes causadas por esta doença. Já a gripe sazonal, que mata várias pessoas em toda a Europa todos os anos, não é vista como um risco real e as campanhas de vacinação não têm o sucesso que as organizações de saúde esperariam. Comunicar o risco real desta doença é difícil, até mesmo entre profissionais de saúde.

Sempre que as organizações de saúde estão a tentar passar uma mensagem à audiência e há especialistas (ou “pretensos especialistas”) que trazem uma mensagem contraditória, isso gera desconfiança e ansiedade nos cidadãos. O zika é mais uma vez um exemplo. Apesar de a Organização Mundial de Saúde apenas desaconselhar as viagens para a América do Sul para grávidas ou mulheres que pensem engravidar, um grupo de cientistas juntou-se para apelar a que os Jogos Olímpicos no Brasil fossem cancelados. A OMS discorda, cancelar os Jogos não vai diminuir o risco de a doença se espalhar a outras partes do mundo.

As instituições ligadas à saúde estão atentas às novas situações em saúde pública, mantêm as comunicações dentro da rede ativas e dão informação à população sempre que necessário. Mas, acima de tudo, esforçam-se por não lançar o pânico quando não existe razão para alarme.

O Observador esteve presente no “Workshop on targeting media, civil society and health professionals to the implementation of the Decision 1082/2013 on serious cross border threats to health”, organizado pela Comissão Europeia e financiado pelo Programa de Saúde da União Europeia.