Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, Bloco de Esquerda e PCP deixaram a oposição e ousaram pôr o pé bem no centro do caldeirão político. Fazem parte de uma “geringonça” que corre na direção certa, acreditam, mas não corre ao ritmo que os partidos da esquerda ambicionam. Sete meses depois da tomada de posse do Governo socialista, bloquistas e comunistas reconhecem que o país está diferente. Para melhor. Mas é preciso mais, muito mais.

Podemos dizer que Portugal é hoje um país melhor“, reconhece Pedro Filipe Soares, em declarações ao Observador. O líder parlamentar do Bloco de Esquerda lembra as conquistas conseguidas pela atual maioria parlamentar de esquerda, desde a “devolução dos cortes salariais” ao “aumento do salário mínimo”, passando pelo “descongelamento das pensões”, pela “reposição dos direitos sociais” e pelo “alargamento da tarifa social de eletricidade a um milhão de portugueses”. Até sublinha a “defesa da escola pública”. São vitórias que dão força à aliança de esquerda, mas que não chegam para apagar a impressão digital deixada pelo anterior Governo, admite o bloquista.

“A nossa realidade continua ainda muito marcada pelas consequências da política que foi seguida não só pelo anterior Governo, mas durante mais de 40 anos”, concorda João Oliveira. O líder parlamentar do PCP reconhece que as medidas adotadas pelo Governo socialista são “positivas”, mas é preciso mais. É preciso uma transformação “profunda”, que dê resposta à “precariedade laboral e à emigração, que marcam hoje de forma dramática a vida nacional e que marcarão de forma duradoura nos próximos anos“.

Não é exagerado dizer que a reversão do caminho seguido pelo anterior Governo é o vapor que faz mover a “geringonça”. Mas não chega. “Reconhecemos o trabalho que foi feito, mas existem ainda grandes desigualdades sociais. Há muitos desafios por cumprir e muito por caminho por percorrer”, defende o bloquista.

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“Foram tomadas algumas medidas que não deixam de ter esse significado [de imprimir maior justiça social]. Mas os problemas são muito profundos. A verdade é que as medidas não respondem aos problemas de fundo que estão colocados. É preciso ir mais longe“, completa João Oliveira.

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As divergências são reconhecidas e assumidas. Bloco de Esquerda e PCP acreditam que o país andará sempre coxo se continuar sujeito às imposições europeias e querem rasgar os tratados. Os socialistas vão mostrando o descontentamento com algumas decisões de Bruxelas, mas movem-se com alguma cautela.

Pedro Filipe Soares reconhece que existe uma mudança de discurso. Ao contrário de Pedro Passos Coelho, António Costa tem procurado bater-se na Europa pela defesa do interesse público. Mas chegará o momento em que as “chantagens europeias terão de merecer um combate forte — e decidido — do Governo português. E nós, Bloco de Esquerda, não faltaremos” à chamada, garante o bloquista.

João Oliveira defende o mesmo. “O PS parte de um principio de que é possível compatibilizar as exigências da União Europeia com a necessidade de responder aos problemas do país. Nós [PCP] temos uma perspetiva diferente. As exigências da União Europeia são contraditórias com a política de que o país precisa para resolver os seus problemas. O país terá necessariamente de enfrentar as imposições europeias e resolver essa contradição“. Este, no entanto, não é o momento. Se as sanções chegarem tudo pode mudar, vão ameaçando os parceiros parlamentares dos socialistas.

Na próxima sessão legislativa, quando os deputados se sentarem para discutir outra vez o Estado da Nação, Bloco e PCP esperam ver um país diferente. “Com mais direitos laborais, com mais e melhor emprego e com maior justiça social“, sublinha Pedro Filipe Soares. Se esses objetivos tiverem sido alcançados, “então este caminho terá valido a pena”, assume o bloquista.

João Oliveira ajuda a compor o caderno de encargos. É preciso apostar decididamente “na valorização do trabalho, no aumento do salário mínimo para os 600 euros, no aumento real das pensões para lá da inflação, numa política que recupere o controlo público dos setores estratégicos e no reforço das linhas de apoio à produção, quer permitam a criação de emprego e o crescimento económico sustentados”, enumera o líder parlamentar comunista.

“Se for esse o caminho seguido”, não existirão razões para romper com a aliança parlamentar de esquerda, explica Pedro Filipe Soares. O líder parlamentar comunista concorda. “Estamos convencidos que foram dados passos positivos. Passos que têm de ser consolidados e solidificados – e não revertidos” e o “PCP mantém o firme propósito” de apoiar uma solução que garanta recuperação de rendimentos e direitos sociais”.

Agora, se daqui a um ano a “geringonça” vai continuar a “geringonçar”? Isso “é uma pergunta a que só a própria vida poderá dar resposta”, admite João Oliveira. O tempo o dirá.