Chegados a meio do ano, governantes e deputados param para pensar: como vai Portugal? A julgar pelas últimas semanas, o país vai concentrado em futebol, intervala para se preocupar com o Brexit e o risco das sanções de Bruxelas, e retoma o fio condutor da bola. Mas quem disse que o Cristiano Ronaldo não é uma boa bitola para colocar o país em perspetiva? O Observador reuniu dez indicadores e preparou-lhe uma cábula para acompanhar o debate do Estado da Nação. Começa esta quinta-feira, às 15 horas.

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Portugal chegou ao primeiro trimestre deste ano com um défice de 3,8% do PIB, em contas nacionais — a contabilidade que importa a Bruxelas. O Governo esforça-se por demonstrar que já não é muito e a oposição procura argumentos para provar que, por este andar, o país não vai atingir o objetivo de cortar o défice para menos de 3% do PIB, até ao final de 2016. Os números mostram que, no ano terminado em março (ou seja, desde abril de 2015 até março de 2016) o défice era de 6.954,6 milhões de euros. É o mesmo que dizer que são cerca de 11 hospitais e meio, assumindo um valor de investimento na ordem dos 600 milhões de euros (o correspondente ao investimento no futuro Hospital de Todos os Santos).

É muito? No final de 2010, Portugal tinha um défice de 33 hospitais e meio (20,1 mil milhões de euros), o valor mais alto que alguma vez atingiu. E é preciso recuar a 1999, o início da série estatística, para encontrar o valor mais baixo: ligeiramente acima de seis hospitais, o equivalente a 3.626 milhões de euros.

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É a outra batalha do país: para crescer, Portugal tem de se libertar da dívida pública. Afinal, todos os anos orçamenta cerca de oito mil milhões de euros para gastar com o serviço da dívida. Chegados a meio do ano, a dívida pública está em 238 mil milhões de euros, o equivalente à fortuna de 54 Américos Amorins, o homem mais rico de Portugal. O património do magnata português foi avaliado pela Forbes em 4,4 mil milhões de euros em 2015 e estava na 369ª posição entre os mais ricos do mundo. Este valor de dívida é também a previsão do valor que o Governo de António Costa promete atingir no final do ano.

Tal como durante o mandato de Passos Coelho, a estratégia continua a ser a de manter os “cofres cheios”, na expressão da ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque. E por isso há um volume importante deste endividamento que está depositado nas contas do Tesouro. Em maio, estavam parados 18,4 mil milhões de euros, para fazer face a eventualidades e a dificuldades de acesso ao mercado de dívida. Ou seja, se for medido em Américos Amorins, o Tesouro guarda 4,4 vezes a fortuna do homem mais rico de Portugal.

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Para resolver o problema do défice e da dívida, há um fator fundamental: Portugal tem de crescer. Mas na primeira metade do ano o ritmo da atividade económica tem desapontado. O próprio ministro das Finanças, Mário Centeno, assumiu em entrevista ao Público que já nem pensa na meta de 1,8% para o crescimento e que até as perspetivas mais conservadoras (um crescimento de 1,2% do PIB) se estão a revelar difíceis de alcançar.

Nos primeiros três meses, o PIB cresceu 0,2%, quando comparado com o último trimestre de 2015; o Brexit veio somar incerteza e descrença às dificuldades de saída da crise económica, e a ameaça de sanções que recai sobre o país penaliza a sua reputação externa. Se Portugal conseguisse crescer 1,8%, chegaria ao final de 2016 com um PIB de 180,9 mil milhões de euros. Para termos uma noção da dimensão da economia portuguesa, podemos verificar que gera todos os anos apenas 30% do valor total da Apple.

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O mercado de trabalho português já esteve pior, é verdade. Mesmo assim, todos os desempregados juntos conseguiam encher praticamente dez estádios de futebol do Benfica — que em dia grande é capaz de alojar 65 mil adeptos — e é o que tem maior capacidade em Portugal. No primeiro trimestre de 2016, havia 640,2 mil desempregados, estima o Instituto Nacional de Estatística.

Face ao pico da crise do mercado laboral — registado no primeiro trimestre de 2013, quando nem 14 estádios da Luz chegavam para acomodar os 926,8 mil desempregadas — a situação está melhor, mas está longe de ter sido resolvida. Desde logo, 59% dos desempregados procuram trabalho há pelo menos 12 meses, o que mostra a dificuldade que a economia tem de reintegrar muitas destas pessoas. Depois, a taxa de desemprego jovem continua elevada (31%). E, por fim, no primeiro trimestre deste ano, o sinal foi negativo: em postos de trabalho perdeu-se o correspondente a 70% dos lugares para espetadores no Estádio da Luz. Ou seja, 48,2 mil postos de trabalho (mais do que no mesmo trimestre de 2014 e 2015, e ao nível do que se verificou em 2012).

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Nos primeiros quatro meses deste ano, Portugal exportou menos do que no mesmo período de 2015. A diferença são quase dois prémios do Euromilhões (cada um deles ao nível do mais gordo que já alguma vez foi distribuído em Portugal, de 190 milhões de euros). As empresas faturaram menos 319 milhões de euros ao exterior, evidenciando o forte impacto do comportamento da economia angolana para Portugal.

Considerando o trimestre terminado em abril, as exportações caíram 1,8% face ao mesmo período de 2015. Os números não são diretamente comparáveis com os do Orçamento do Estado para este ano (uma vez que incluem apenas as exportações de bens e não estão corrigidos do efeito da variação dos preços) mas, ainda assim, recomendam cautela: a expectativa do Executivo era ter um aumento de 4,3% em 2016.

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A reposição dos rendimentos para os trabalhadores é uma das apostas do Governo de António Costa. Assim que tomou posse, o Executivo levou a bom porto as negociações entre patrões e sindicatos e validou um aumento do salário mínimo para 530 euros. São quase seis minutos da vida de Cristiano Ronaldo, considerando os 49 milhões de euros anuais que arrecadou só em salários e assumindo que trabalhou todos os dias do ano, 24 horas por dia.

Já para os funcionários públicos, a promessa é a de repor as remunerações sem cortes até ao final de 2016. De acordo com as contas do Governo, esta medida de política custará 447 milhões de euros: seria o mesmo do que pagar os salários e os direitos de imagem a Cristiano Ronaldo durante cinco anos e dez meses. O avançado português foi o atleta mais bem pago do mundo em 2016, segundo a revista Forbes, e ganhou 77 milhões de euros, somando salários a contratos de publicidade.

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De janeiro a maio deste ano, os cofres da Autoridade Tributária já viram entrar 15.784,6 milhões de euros em receita fiscal. Mais de 40% são receitas de IVA e 30% vêm do IRS. O contributo do IRC não vai além de 10,8%. É muito, ou pouco? São três buracos do BES, cada um avaliado em cerca de 5,3 mil milhões de euros.

A julgar pelas expectativas do Governo para o Orçamento deste ano, é preciso que a coleta acelere nos próximos meses para que a meta seja cumprida. Mário Centeno espera que o Estado consiga arrecadar mais 5,1% em receita fiscal do que o verificado em 2015. Por enquanto, o ritmo de crescimento está bastante aquém: vai em 3,6%. De acordo com a Direção-geral do Orçamento, de entre os impostos com maior peso para a receita pública, só a variação do IRS está a correr melhor do que o implícito ao Orçamento.

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Os gastos com saúde continuam a ser um dos principais pesos da despesa pública. Entre janeiro e maio, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) já gastou uma verba equivalente a sete submarinos, como os que a Armada portuguesa adquiriu por cerca de 500 mil euros cada um. São 3.687 milhões de euros gastos no SNS, mais 2,1% face ao mesmo período de 2015. Mesmo assim, estes números não refletem a totalidade dos compromissos assumidos, uma vez que os pagamentos a fornecedores voltaram a atrasar nos primeiros meses do ano.

As medidas de contenção na área da saúde têm-se focado, para já, na racionalização das convenções do SNS com os privados. Adalberto Campos Fernandes tem-se dedicado a rever alguns dos princípios de funcionamento dos serviços, tendo introduzido, por exemplo, a liberdade de escolha progressiva que passará a ser dada aos utentes, na hora de selecionar o hospital para onde serão encaminhados para consultas de especialidade.

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Os gastos do Estado em Educação, entre janeiro e maio de 2016, totalizaram 1.893 milhões de euros — são mais de 51 Renatos Sanches –, assumindo o valor que o Bayern de Munique entregou ao Benfica pelo passe do jogador (35 milhões de euros).

As contas da Direção-geral do Orçamento incluem já o impacto da devolução salarial para os 141.265 docentes do ensino superior, secundário, básico e educadores de infância que trabalham para o universo das administrações públicas e cujos salários tiverem estado cortados.

O foco do ministro Tiago Brandão Rodrigues esteve na revisão dos contratos de associação com os colégios privados: o Estado deixará de financiar a abertura de novas turmas em colégios onde a alternativa pública esteja disponível.

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Ano após ano, a história repete-se e há um banco a precisar de intervenção pública. Depois do BPN, BES e Banif chegou a vez da Caixa Geral de Depósitos, que precisa de um reforço de capital. Sendo o Estado o seu acionista único, as negociações decorrem com a Comissão Europeia para encontrar uma forma de recapitalizar o banco sem que a operação seja considerada uma ajuda de Estado, e sem que penalize o valor do défice orçamental de 2016.

Um erro, aliás, neste campo será gravíssimo: segundo as instituições internacionais a margem com que o Governo está a trabalhar para atingir a meta do défice já é demasiado curta para acomodar impactos deste nível.

O Governo ainda não confirmou o valor que está em causa, mas as últimas notícias dão conta de um número que ronda os cinco mil milhões de euros. Se se concretizar, será o mesmo que comprar 5,9 milhões de iPhones 6, desbloqueados.