Quem tem mais de 30 anos lembra-se certamente do tempo em que todas fazíamos compras na francesa La Redoute. Foi aí que a maioria descobriu a marca de roupa Antik Batik que, neste catálogo de moda mais ou menos conservador, se destacava pelo seu espírito étnico e hippie, sempre a contrapelo das tendências do mainstream e que fazia brilhar os olhos a quem sonhava com mundos distantes.
Foi precisamente uma certa inquietude “de alma e de vida”, como diria o nosso Camões, que levaram Christophe Sauvat, o designer de moda por trás da Antik Batik, a deixar cedo a sua Carcassonne natal, uma pequena cidade medieval no sudoeste de França, mudar-se para Marselha, depois para St Barths, nas Antilhas, e finalmente Lisboa, com uma passagem pelo Rio de Janeiro e outra por Bali, na Indonésia.
Em 2007, Sauvat veio para passar um fim de semana em Cascais e depois conheceu a Comporta, no Alentejo, onde se apaixonou pelos azuis do céu e do mar. Casou com uma portuguesa, o seu filho mais novo já nasceu cá. Diz que continua a ser um cidadão do mundo mas agora é Portugal a sua base. Em 2010 lançou a primeira marca em nome próprio e agora acaba de abrir a loja online Christophe Sauvat, que é como quem diz: acaba de abrir portas ao mundo, com a Comporta em fundo.
Nos anos 90, Sauvat colocou o mundo da moda a vestir o espírito, as cores e a texturas do extremo oriente, teve editoriais em todas as revistas importantes de moda, e com a Antik Batik criou o conceito do étnico-chique, criando a partir daí uma marca de moda que retirou ao étnico a carga condescendente que tem a ideia de exotismo e lhe deu um sentido de intemporalidade. Ou, como diz em entrevista ao Observador: “A roupa transporta conhecimento ancestral das comunidades indígenas e devemos usá-la com esse sentido de honra, de sagrado.” Depois da afirmação mostra o colar de missangas que usa ao pescoço, um colar tribal feito na Colômbia, onde estão os símbolos de várias religiões do mundo, mas também um pequena imagem de Maria. “Sou católico, de uma família católica e de um colégio católico de onde fugi para as ruas, mas continuo a acreditar em Deus”, diz.
Das favelas do Rio de Janeiro para a Vogue
Com frontalidade, o criador explica:
Sou um autodidata, nunca estudei moda, o que eu fiz foi aprender a olhar, sejam pessoas, sejam quadros no museu. Aos 18 anos era diretor de um clube noturno em Marselha onde ia a gente de moda. Foi aí que começou. Sempre gostei de roupas, de ver a forma como as pessoas se vestiam. Depois vivi na ilha de St Barthes, numa comunidade franco-alemã muito rica e fashion, sempre cheia de fotógrafos de moda e modelos. Quando voltei para Paris decidi tornar-me designer e comecei por desenhar relógios. A coisa correu bem e ganhei logo uns prémios.”
Mas a vida de Christophe mudaria mesmo numa viagem ao Rio de Janeiro. Como “rapaz das ruas” que diz que sempre foi, fez amigos numa favela e, por acaso, descobriu que os jovens usavam umas pulseiras feitas de um entrançado de fios coloridos. Teve a ideia de usar aquelas braceletes para os relógios caros que desenhava. A ousadia experimentalista foi um boom na moda dos anos 80. Primeiro junto de uma elite endinheirada que, segundo Sauvat, “incluía pessoas de famílias reais europeias”, e depois com cópias contrafeitas por todo o mundo. Venderam-se milhares. “Fiquei milionário”, diz tranquilamente.
Acabada a aventura dos relógios, continuou a viajar pelo mundo. “Não sou turista, vou aos sítios e fico lá, conheço as pessoas, o que fazem.” Foi numa dessas viagens, em 1992, quando estacionou em Bali, na Indónesia, que descobriu o batik, uma forma ancestral de pintar tecido. A “descoberta” não era nova. Nos anos 60 e 70 os hippies já tinham trazido a moda para o Ocidente. O que Sauvat fez foi dar-lhe um cunho chique, de forma a torná-la atraente para as elites. Quando voltou à Europa criou a marca Antik Batik. Os produtos não eram cópias mas feitos artesanalmente, peça a peça, e cruzavam influencias de tradições de várias regiões do mundo.
Depois de 16 anos à frente desta marca, e porque é “um hedonista e não se cansa de procurar beleza nem mundo”, partiu para outras aventuras. Em 2008, já instalado na Comporta, decidiu transformar uma padaria da vila alentejana numa loja de moda. A loja de roupas étnicas estava a crescer e era o maior sucesso dos verões da Comporta, Christophe teve um cancro e vendeu a sua primeira aventura portuguesa.
Em 2010, já restabelecido, decidiu voltar a sério ao mundo da moda. Voltou à Índia, à América do Sul, ao Japão, contactou artesãs da Comporta e criou a Christophe Sauvat. A marca procura agora juntar ao étnico referências artísticas que vão do cubismo ao psicadelismo, do tradicional ao street style. “A minha ideia de étnico é esta, fundir as raízes ancestrais com o novo, com o que está ainda a surgir e ninguém reparou”, afirma o designer, que deu à marca o lema “one world, no boundaries” (um mundo sem fronteiras). Um lema tão urgente quanto mais a Europa ameaça fechar as portas aos outros.
O verão azul de Christophe Sauvat
A coleção que propõe para este verão de 2016 junta os azuis da Comporta com artesanato da América do Sul. Os vestidos compridos são as estrelas, mas a coleção desdobra-se em muitas outras peças, malas, calçado, bijuteria. São peças delicadas, com bordados e incrustações complexas mas também coisas mais naïf como pompons coloridos, franjas, missangas, conchas. O azul solar é a cor predominante numa coleção que exala juventude, alegria e desejo de natureza.
Há um romantismo dos brancos e dos vestidos bordados que se encontra com calças mais andróginas, a fazer lembrar pijamas masculinos, calções combinados com casacos estruturados que fazem uma lolita transformar-se rapidamente numa lady bem composta.
Para além do étnico não se pode excluir o humor das coleções de Sauvat. O riso e o humor fazem parte do seu olhar sobre o mundo, como pudemos comprovar nesta entrevista. As mulheres para quem desenha roupas são assim um pouco à sua imagem e semelhança: cidadãs do mundo.