O titular não era Quim, era outro. O titular era Ricardo, que fez todos os seis jogos de Portugal no Euro 2004. Foi ele, Ricardo, quem defendeu um penálti (imagine-se: sem luvas!) contra a Inglaterra, marcando ele próprio a grande penalidade seguinte e decisiva. Foi também ele quem sofreu o único golo da final contra a Grécia, a final do nosso descontentamento.

No banco de suplentes, a vê-lo, estava Quim, a alternativa de Scolari a Ricardo. Quim era o então titular na baliza do Sp. Braga, mas nesse verão estava em trânsito para a do Benfica. Apenas Quim e outros três convocados (o também guarda-redes Moreira, e ainda Beto e Tiago) não foram utilizados um só minuto durante toda a prova. Não faz mal, garante. Ele que já tinha estado no Euro 2000, onde entrou aos 90′ (substituiu Pedro Espinha) na goleada à Alemanha. A jogar uns pozinhos ou nenhum jogo, uma coisa é certa: sofre-se mais no banco. Muito mais.

Mas muito, muito mais. É que não tenhas qualquer dúvida disso. Se estiveres a jogar, a concentração é tanta, que nem te apercebes do que está a acontecer em teu redor. No banco é um sofrimento que nem te conto”, descreve, ao Observador.

E o que é que se faz, impotente, nessa hora de sofrimento – e contra a Grécia, a perder, o “sofrimento” ainda foi maior? “Incentiva-se. É o que podemos fazer. Nós estávamos a perder, mas tal como sofremos um golo, também podíamos – havia tempo – empatar o jogo e virar o resultado depois. Era preciso incentivar quem estava a jogar. Se alguma coisa corresse mal, se fizessem um passe errado, se falhassem um golo, quem está no banco tem que incentivar e dizer que para a próxima vai correr bem. É claro que muitas vezes, com o ruído, com a concentração no máximo, eles nem nos conseguem ouvir”, explica Quim.

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Apesar da derrota com a Grécia, Quim recordará para sempre o dia 4 de julho de 2004, não com amargo de boca pela derrota “em casa”, mas recordará sobretudo o que viveu antes do jogo, na viagem de autocarro de Alcochete até Lisboa.

“Foi incrível. E aquilo motiva, não duvides que motiva. As pessoas talvez ainda pensem que foi demais, que nos desconcentrou e que foi por causa do apoio nas ruas que perdemos a final. Não foi. Nós, dentro do autocarro, vimos de tudo: pessoas a pé, de carro, a cavalo, de barco. Era arrepiante ver tanta gente. E disso nunca me vou esquecer. Hoje, em França, a Seleção também tem esse apoio, mas dos emigrantes. E tenho a certeza que os jogadores, tal como em 2004, se sentem acarinhados, motivados e querem dar uma alegria àquela gente”, lembra.

No Euro 2004, Quim era o suplente e Ricardo (de boné) o titular (Créditos: LLUIS GENE/AFP/Getty Images)

No Euro 2004, Quim era o suplente e Ricardo (de boné) o titular (Créditos: LLUIS GENE/AFP/Getty Images)

Era a parelha de Ricardo Carvalho. Até começou o Euro (mal, com uma derrota frente à Grécia) ao lado de Fernando Couto, mas rapidamente Carvalho ganhou o lugar e entendiam-se às mil maravilhas, ele e Jorge Andrade, o jogador de quem se fala. Foi sempre titular até à final. E tal como Quim, sabe o quanto o apoio que receberam em 2004 foi importante. Tal como é importante esse apoio este sábado, na final de Paris:

É importante, sim. Até porque Portugal não está a jogar em casa. E, assim, sente-se como se estivesse. E não, não há qualquer pressão por teres toda aquele gente nas rua, em Marcoussis, à espera do autocarro ou nos treinos. Ver as bandeiras não inibe; ajuda.”

Mas em 2004 o apoio foi talvez demasiado, como nunca antes se viu ou se voltou a ver depois. “É verdade. E hoje digo que talvez tivesse sido melhor estar mais próximo do estádio e ir diretamente para o jogo. Mas para nós jogadores, apesar do apoio, sentíamos que era um dia normal, mesmo não sendo um dia normal. Organizar um Europeu e ser finalista, não é normal. Sabes que mais? Não mudava absolutamente nada naquele dia. Nada. Sim, não é o ideal ter tanta, tanta gente – e isso pode desconcentrar-te –, mas o que vivi nesse dia foi uma sorte”, conta Jorge Andrade.

Mas afinal, o que é que correu mal?

É hoje treinador no Oriental. E, talvez por isso, à distância de mais de uma década, Jorge Andrade explica a derrota na final com uma análise tática. “A derrota não teve nada a ver com a pressão. A pressão era a natural, a que há em qualquer jogo. Nós queríamos era vencer, ponto final. Mas nada nos correu bem naquele dia. Primeiro, os gregos têm uma oportunidade de golo, e concretizam-na. Depois, o nosso melhor jogador até então na final, o Miguel, saiu lesionado. E aí tivemos que nos reorganizar, entrou o Paulo [Ferreira], o Deco recuou no relvado para construir jogo desde trás, metemos mais gente na área, mas nada resultou.”

Mas a lesão de Miguel foi assim tão desestabilizadora da tática? Quim concorda com o colega de então: “Não tem nada a ver com a entrada do Paulo [Ferreira]. A saída do Miguel destabiliza porque, com ele, havia uma série de situações de jogo que estavam treinadas e que tiveram que ser alteradas no momento. Mas eu penso que, essencialmente, nós perdemos porque, em casa, na final, não estávamos a esperar de sofrer o golo da Grécia. E talvez nos tenha vindo ao pensamento aquele primeiro jogo, em que também perdemos com eles. E quando sentes essa ansiedade, não consegues parar e raciocinar. Acho que foi aí que perdemos o jogo. E a lesão, depois, também não ajudou nada.”

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Ainda hoje, tantos anos mais tarde, Quim não compreende o que se passou naquela noite. Não quer compreender. “Ainda agora, que estou aqui a falar contigo e penso na final, não consigo digerir o que se passou. Estávamos no nosso país, numa final, e ninguém, nem os adeptos nem nós, esperaria a derrota com a Grécia. Sinceramente, não sei como foi possível perder. O melhor mesmo para esquecer tudo isso é vencer no domingo a França”, deseja Quim.

E Jorge Andrade não tem dúvidas de que isso é possível. “Claro que podemos vencer a França. Em 2004 éramos nós os favoritos e perdemos em casa. Agora têm eles o favoritismo e também estão em casa; talvez percam.” E quanto a essa final de 2004, a ficha já caiu? “O esforço foi tanto, na final e durante todo o Euro, era tanto o cansaço, tanta a emoção, que quando o jogo com a Grécia terminou, o que sentíamos, mais do que frustração pela derrota, era o sentimento do dever cumprido. Nunca Portugal tinha chegado a uma final. E chegou lá por mérito. Foi uma derrota agridoce”, explica.

É hora da “vengeance”?

Ainda há resistentes da final de 2004 neste Euro em França: Ricardo Carvalho e Cristiano Ronaldo. A experiência (negativa) que eles trazem do Portugal-Grécia no estádio da Luz pode ser muito importante para os restantes, que na sua maioria se estreiam agora em Europeus. “O que o Ricardo e o Cristiano trazem é, acima de tudo, tranquilidade aos outros. Eles são os mais velhos, e são eles que se chegam à frente quando alguma coisa não está a correr bem, quando é preciso executar melhor o que o treinador está a pedir; eles são a voz de comando, são o ‘treinador’ dentro do campo”, explica Jorge Andrade.

Tanta felicidade haveria de resultar, depois da final, em tristeza (Créditos: LLUIS GENE/AFP/Getty Images)

Tanta felicidade haveria de resultar, depois da final, em tristeza (Créditos: LLUIS GENE/AFP/Getty Images)

E Quim concorda: “O Cristiano e o Ricardo vão ser importantíssimos. Mas também o Nani, o Quaresma, o Moutinho, todos aqueles que são mais experientes. Mas não nos podemos esquecer que nós, futebolistas, somos seres humanos e temos receio. Mesmo com experiência, temos receio. E só o podemos ultrapassar se todos estivermos unidos. Os mais experientes não vão resolver nada sozinhos, o que podem é liderar numa altura má. Mas todos têm que estar concentramos ao máximo.”

A receita para a final (e para ganhar a final) é esta: concentração e crer. Mas jogar contra a França, que nos eliminou em 1984 e 2000, sempre em meias-finais de Europeus, não vai pesar no subconsciente de quem joga? Afinal, é a nossa “besta-negra”. “Não vai pesar coisa nenhuma. O que os jogadores pensam — e sabem — é que aquele era outro tempo, eram outras seleções, e que agora Portugal tem uma oportunidade única de vingar essas derrotas do passado”, atira Andrade.

“Vingança”, Quim? “Não. Pelo menos os jogadores não pensam nisso quando entram em campo. A imprensa fala nisso, os adeptos também, mas os jogadores não. No meu caso, que já não estou lá, não me sai do pensamento o Euro 2000, confesso-te. Eu estive lá, na meia-final, e fui eliminado com um penálti do Zidane. Em 2006, no Mundial da Alemanha, aconteceu a mesma coisa e foi outra vez com um penálti dele que fomos eliminados. O que os jogadores agora têm que pensar é que vai ser ao contrário: quem vai marcar o penálti da vitória é o Cristiano”, lembra Quim.