A mãe de Mazen Moham Abdallah, de 14 anos, acordou com pessoas a bater na porta. Quando a abriu, encontrou cerca de 30 homens armados e equipados e outros agentes vestidos à civil. Pediram para ver o filho. Depois acordaram-no, revistaram o seu quarto e perguntaram se conhecia diversos nomes. Mazen negou sempre, mas os agentes encontraram mensagens no seu telemóvel que referiam manifestações. Foi levado para detenção, na esquadra. Os pais de Mazen não o viram durante três semanas. Durante o período em que esteve detido foi torturado. Violaram-no com um pau de madeira e deram-lhe choques elétricos nos genitais, de forma a conseguir uma confissão sobre algo que ele não sabia.

O caso de Mazen é um dos muitos que consta num novo relatório da Amnistia Internacional, que denuncia as várias violações dos direitos humanos que estão a ocorrer no Egito. No relatório “Officially, you do not exist” (“Oficialmente, tu não existes”) são descritos os atos da Agência Nacional de Segurança Egípcia (NSA) que “rapta, tortura e força o desaparecimento” de diversas pessoas para intimidar os supostos inimigos do regime que derrubou o presidente islamita Mohamed Morsi, em 2013.

Os ativistas da Amnistia Internacional (AI) explicam no relatório que desde o início de 2016 já foram detidas cerca de 630 pessoas, sem serem formalmente acusadas e sem poderem comunicar com a família ou com os advogados.

O número de desaparecimentos aumentou desde que Magdy Abd el-Ghaffar se tornou o ministro do Interior do Egito, em março de 2015. Desde então desaparecem, em média, quatro pessoas por dia no Egito. O ministro já negou por diversas vezes os desaparecimentos forçados de que a NSA é acusada.

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Tortura é utilizada para obter confissões

O relatório da Amnistia descreve algumas das práticas que a NSA utiliza para torturar os detidos, entre os quais o espancamento, suspensões pelos braços a partir do teto, a aplicação de choques elétricos nos genitais e outras partes sensíveis da cara e do corpo, como os lábios e o peito, serem postos a rodar sobre duas cadeiras atados a uma vara, como animais no espeto.

Outra das torturas referidas por alguns prisioneiros e familiares foi atar dois prisioneiros algemados um ao outro enquanto o outro braço era algemado a uma barra no teto e impedia os dois de dormirem, ao mesmo tempo que dor era infligida nos pulsos, braços e ombros devido à posição. Esta tortura foi usada na ilustração de capa do documento.

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A capa do relatório da Amnistia

Segundo alguns dos prisioneiros, as torturas aconteciam durante interrogatórios que demoravam entre seis e sete horas e que só eram libertados depois de não haver vestígios físicos de qualquer tipo de tortura. Durante toda a duração dos interrogatórios, os prisioneiros permaneciam vendados. Estes métodos eram usados tanto em adultos como em crianças, informa a CNN, com base no relatório.

Aser Mohamed, uma das crianças detidas e torturadas, tinha 14 anos quando esteve 34 dias sem poder contactar com a família, depois de ser levado por agentes para um interrogatório que duraria “um par de horas”.

A família de Ebada Ahmed Gomaa, de 15 anos, contou à AI que o seu filho lhes disse que esteve 50 dias em detenção sem poder ver o sol e que foi alvo de tortura incluindo choques elétricos e sovas. A criança foi também acusada de ser um terrorista, tendo a agência de segurança tirado fotografias a Ebada ao lado de várias armas em sua casa e na rua.

Já Omar Ayman Mohamed Mahmoud, um estudante de 17 anos, esteve desaparecido durante 44 dias, depois de ter sido levado de casa por 15 agentes a meio da noite. Nenhum mandado de procura foi emitido e a família só ficou a saber do paradeiro do jovem seis semanas depois. Apenas passados 45 dias de o procurador público ter ordenado a sua libertação é que Omar saiu em liberdade.

Muitas vezes agentes da NSA violavam os detidos de forma a conseguir extrair uma confissão. Algumas dessas violações eram feitas com um pau de madeira, como aconteceu a Mazen Moham Abdallah, que foi também vítima de choques elétricos nos genitais, de forma a conseguir uma falsa confissão.

A cumplicidade dos procuradores

Quando Ebada Ahmed Gomaa foi a julgamento e mostrou ao procurador as suas feridas, dizendo ter sido torturado, este não tomou nota e não pediu um exame físico às autoridades forenses.

Segundo o relatório, várias vezes as datas de detenção são alteradas e quando os acusados tentam explicar isso aos procuradores estes ignoram as queixas. Por exemplo, Islam Khalil afirmou que foi detido em maio de 2015, mas que o seu processo dizia que só fora detido a 20 de setembro de 2015. Quando Khalil tentou explicar isto ao procurador, este não alterou a data no processo.

No Egito, a acusação deve ser feita nas primeiras 24 horas depois da detenção, mas como é possível perceber pelo caso de Islam e vários outros referidos no relatório, muitas vezes isso não acontece.