Quando fez as primeiras compras para o restaurante que abriu no passado sábado, Manel Lino deu por si a “trazer uma série de produtos que não estavam em nenhum prato da carta”. Espinafres selvagens, entre outros. O episódio pode parecer insignificante mas serve na perfeição para ilustrar aquilo que o jovem chef quer fazer neste que é, finalmente, o seu restaurante. Manel chama-lhe “cozinha livre”. E explica: “Só tenho uma carta porque tenho de ter, para não embirrarem comigo. A minha ideia é que as pessoas venham cá e que, sabendo ao que venham, não saibam à partida o que vão comer.”

Os rótulos são inevitáveis e o chef sabe-o. Afinal, como diz, “somos todos portugueses, se queremos fazer um refogado fazemos com alho e azeite, tal como os asiáticos, quando querem saltear algo o fazem com o wok, nem pensam usar uma frigideira de teflon.” Mas a ideia, no Trio — assim se chama o restaurante –, é ter liberdade, fazer uma cozinha que seja, ao mesmo tempo, apelativa e divertida, e que combine sabores que nos são próximos com as tendências atuais ou com o seu gosto pessoal.

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O Trio ocupa o espaço de um antigo restaurante de fados, entre o Marquês de Pombal e as Amoreiras. (foto: © Tiago Pais / Observador)

Mais: Manel também quer voltar a dar sentido verdadeiro à expressão “cozinha de mercado”. Porque é do Mercado Biológico do Princípe Real que vem a couve rábano que combina, num dos pratos, com bacalhau e óleo picante. Porque foi do 31 de Janeiro que trouxe a corvina que usou nos primeiros jantares do Trio (serve-a com couve e mousse de sardinha) e porque é num nos talhos do mesmo mercado que arranja as iscas de vitela que lhe permitem fazer um prato, no mínimo, curioso: Batata com essência de isca e pickle de cebola. Sim, só com a essência, ou seja, o molho. Como se as iscas com elas se transformassem em elas sem iscas.

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O percurso de Manel Lino

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“Tenho cara de miúdo mas já sou muito rodado.” A frase que Pedro Lamy imortalizou num anúncio à Galp encaixa que nem uma luva no perfil de Manel Lino. Com menos de 30 anos e aspeto condizente, o chef conta, no currículo, com passagens por algumas das melhores cozinhas de Espanha (e do mundo), casos do El Celler de Can Roca, Mugaritz ou Moments. Em Portugal, esteve com Alexandre Silva (Loco) na abertura do hotel Marmóris, em Vila Viçosa, foi o chef do Mercado no Mercado de Campo de Ourique (um conceito com potencial que, infelizmente, não pegou) e deu-se a conhecer, em nome próprio, num projeto pop-up interessantíssimo no verão de 2014, o Com.Horta, com uma cozinha sustentável e biológica na Comporta. Já no início do ano passado tomou as rédeas do Tabik, do Hotel Bessa, na Avenida da Liberdade, onde continua (e continuará) a prestar consultoria.

“As iscas aproveito-as depois para fazer paté, para rechear uns sonhos de abóbora que também fazemos ou até para o jantar do pessoal”, explica, para afastar a ideia de desperdício. E não o faz por acaso: a sustentabilidade também é uma vertente importante da sua cozinha. Se não fosse, não mudava pratos dos menus de degustação todos os dias, tentando aproveitar ao máximo tudo o que tem no frigorífico e na despensa. “O fine dining olha para o desperdício com muita naturalidade. Aqui não queremos fazer isso, não só pela questão da sustentabilidade mas também porque é um desafio criativo pensar nesse aproveitamento.”

A palavra desafio vai sendo repetida várias vezes ao longo da conversa. O Trio, sendo o seu primeiro restaurante em nome próprio, e em que acumula a função de chef com proprietário (em conjunto com a mulher Joana), é-o, naturalmente. E é, na sua opinião, um desafio necessário, mesmo que as condições não sejam as perfeitas. “Se estivesse à espera de ter dinheiro para abrir o restaurante ideal se calhar nunca o faria. Neste momento também não queria ter uma coisa megalómana, prefiro um projeto pequeno que nos permita crescer e onde estejamos todos a remar para o mesmo lado.” Resumindo, e nas suas palavras, era preciso “começar por algum lado”.

O que não quer dizer que não vai fazer as coisas à sua maneira. “Não quero perder dinheiro, como é óbvio, mas não vou rodar mesas nem fazer menus a 20€.” Assim, e para não depender diretamente do sucesso financeiro deste projeto, Manel vai manter a consultoria no Tabik (“e outras virão”, diz), bem como as aulas que dá. “O Ferran Adriá tinha uma frase que usava para responder a quem o criticava por dar a cara por tantos produtos: prefiro prostituir-me a mim do que prostituir o meu restaurante.”

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Beringela, gema de ovo e tempura com salada de ervas, um dos pratos que estão a ser servidos esta semana. (foto: © Tiago Pais / Observador)

E por falar em Tabik, a dúvida até pode surgir em quem lê este artigo: não era esse o restaurante de Manel Lino? A confusão é frequente. O Tabik é o restaurante do hotel Bessa, na Avenida da Liberdade, onde o chef faz consultoria e que marcou a sua estreia em Lisboa, como responsável máximo por uma cozinha daquele género. Mas nunca foi o restaurante de Manel Lino e muito menos aquele onde pôde fazer o que sempre que quis, em termos de produto ou confeção. “Na cozinha do Tabik há restrições, que eu até percebo que haja do ponto de vista empresarial.”

E foi da gestão de expectativas que teve de fazer cada vez que alguém procurava a sua cozinha num restaurante que não era o seu que nasceu o nome Trio. “Naquele espaço convivem várias realidades, da pessoa que vai lá para experimentar a cozinha do chef, ao turista, ao cliente que vai à procura do espaço cool com bar e DJ. A maneira de contornar esse problema é concentrarmo-nos em três elementos essenciais: o produto, porque sem bom produto as coisas não funcionam, o staff, porque as nossas ideias e inquietudes têm de estar presentes, e o cliente, porque se ele souber, à partida, ao que vem é tudo mais fácil para todos.” O tal Trio.

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O restaurante inclui um bar antigo, em madeira, mas a intenção não será apostar num serviço clássico de bar, apenas em produto. (foto: © Tiago Pais / Observador)

Aqui, é especialmente importante que o cliente saiba ao que venha. Da cozinha, onde Manel conta com o braço-direito Rodrigo Parracho (que também tem um percurso interessante, com passagens por Vila Joya, Noma e Per Se) sai, em primeiro lugar, um menu fixo curto (duas entradas, um prato de peixe, outro de carne e uma sobremesa) que, se tudo correr como pretendem, até será para retirar a longo prazo. A ideia é que os clientes optem pelos menus de degustação, cujos pratos vão rodando com grande frequência. Há dois, um de 5 pratos (45€) e outro de 8 (65€). Ambos incluem 5/6 snacks de início e a opção de acompanhar com bebidas selecionadas (15€ para o menu de 5 e 20€ para o de 8), pelo escanção e chefe de sala Ricardo Cavaleiro. Não será um wine pairing clássico. “Queremos que seja dinâmico e inclua cerveja e outras bebidas”, revela o chef. Já a carta de vinhos será mutante, e irá “engordar conforme o necessário”.

Igualmente importante é a componente artística da casa, já que as respetivas paredes exibem diversas ilustrações de João Samina e Tamara Alves. “Tal como há restaurantes que convidam outros chefs para cozinhar em certas noites, nós convidámos artistas para mostrarem o seu trabalho”, justifica. Ainda falta, contudo, a obra maior: uma parede desenhada por João e Tamara, diretamente, a quatro mãos. Até ao fim do mês deverá estar concluída.

Ninguém mais do que Manel tem consciência do produto que oferece. “Sei que há espaços melhores, que a luz podia ser melhor, os acabamentos também mas isto é aquilo que nós conseguimos, neste momento. Pusemos aqui os nossos sonhos e a nossa ilusão toda“, conclui. E se o homem sonha, a obra nasce. Agora é só deixá-la crescer, porque potencial não lhe falta.

Nome: Trio
Morada: Rua Dom Francisco Manuel de Melo, 36 (Campolide), Lisboa
Telefone: 91 208 7901
E-Mail: info@restaurantetrio.com
Horário: De segunda a sábado, das 19h30 às 22h30. É possível que no futuro o restaurante venha a encerrar também à segunda-feira
Preço: Os menus de degustação custam 45€ (5 pratos) e 65€ (8 pratos)
Reservas: Aceitam
Site: facebook.com/restaurantetrio