A Câmara Municipal do Porto (CMP) vai colocar à venda o Edifício Transparente, situado em frente à Praia Internacional, junto ao Castelo do Queijo. O município pede quase oito milhões de euros pelo imóvel de quatro pisos e com várias entradas, que ocupa 7.189 metros quadrados. Os lojistas temem o futuro incerto, mas lamentam a situação atual. Chove lá dentro, a ferrugem está à vista, quer no exterior, quer no interior. Na fachada faltam azulejos e a estrutura precisa de uma limpeza e pintura urgentes.

A venda foi aprovada na reunião de Câmara de terça-feira, com o voto contra do vereador da CDU e da abstenção de Ricardo Almeida, do Porto Forte (PSD-PPM-MPT). “Acho que a Câmara podia continuar a ter a tutela daquela zona”, defendeu o vereador Ricardo Almeida. “Não precisando a CMP de dinheiro, porque financeiramente está saudável”, não compreende a alienação de um edifício integrado numa zona de praia e do Parque da Cidade, pelo que se absteve na votação. “Custa-me que a CMP perca a tutela direta deste edifício”, disse Ricardo Almeida.

Só o vereador da CDU, Pedro Carvalho, votou contra, sugerindo que seria importante iniciar a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) antes de partir para a alienação, numa altura em que está em curso um Plano de Ordenamento da Orla Costeira que poderá introduzir alterações no local. Uma preocupação partilhada por Ricardo Almeida, uma vez que “a APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo] tem projetos para aquela zona”.

Construído no âmbito da Porto 2001 Capital Europeia da Cultura, com projeto do arquiteto catalão Solà-Morales, o Edifício Transparente esteve seis anos abandonado. A empresa HotTrade venceu o concurso de concessão em 2003, mas os lojistas só começaram a ocupar o espaço em 2007, ano em que as portas finalmente se abriram. É a HotTrade que administra até hoje o espaço, sendo que o contrato de concessão só termina em 2024.

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Rui Moreira justificou a decisão de partir para a venda devido à “degradação do edifício”, com uma “parte significativa estar desocupada” e também pela perspetiva de “uma situação insustentável“. A alienação, explicou, “pode permitir resgatar a concessão ou animar o espaço. Porque esperar mais oito anos para aquilo ficar em ferro não é boa política”. Mas avisou: o comprador terá, para além de tratar da manutenção e da conservação do viaduto pedonal, de cumprir o PDM.

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A fachada tem ferrugem e os vidros estão baços. Quem vê de lado pensa que se trata de um edifício vazio, só com esplanadas. © Sara Otto Coelho / Observador

Para o vereador Amorim Pereira, o facto de “a concessão correr muito mal” deixa uma alternativa: “rescindir o contrato, e existem todos os fundamentos dado que ele nunca foi cumprido no sentido das obrigações do concessionário, que está falido”, acusou, acrescentando que “deste o princípio que esta empresa demonstra não ter condições”. No fim, deixou no ar uma dúvida: “Não sei se haverá compradores interessados com este valor”.

Rui Moreira explicou que o valor foi pedido ao avaliador, resta ver “se o mercado o absorve”. “A questão da indemnização condiciona a avaliação porque quem compra tem de saber que o faz com determinados encargos e obrigações”, frisando que os lojistas “têm direitos”. O contrato com a HotTrade é válido até 2024. “Gostaríamos de ver se o mercado pode resolver antes de nós”, disse. “Senão, teremos de avançar para um processo de rescisão sucessiva.

Rui Rio tentou vender por metade e não conseguiu

O segundo e último piso está ocupado quase na totalidade pelo Cufra Grill, restaurante famoso pelas francesinhas. Ao fundo ainda se vê o letreiro do restaurante asiático Teppan, que se mudou há alguns anos para a Boavista. Mais atrás fica o bar Inala, o único que funciona de madrugada. O chão de madeira está preto “e baço”, lamenta Paulo Gavina, do Cufra Grill. Mas isso nem é o pior. “Se vier cá em dias de chuva vê que há baldes espalhados por todo o primeiro piso.” Ricardo Cruz, vendedor no piso zero, na loja Bang & Olufsen, também se queixa de que “está sempre a chover cá dentro no inverno”. O aquecimento “é muito deficitário”, pelo que o restaurante teve de colocar aquecedores a gás no interior para que os clientes tenham algum conforto.

Nos dias de verão, época em que o Edifício Transparente é mais procurado, o principal problema são os vidros, pouco condizentes com o nome do local. “A grande maioria dos comentários depreciativos que temos em sites como o TripAdvisor são por causa dos vidros. É um Edifício Transparente mas não se vê lá para fora“, brinca Paulo Gavina, que ali trabalha desde 2008. É um exagero, mas com um fundo de verdade: dá para ver a praia, mas há vidros com aspeto muito sujo e baço. “Já nos prometeram a substituição de 15 vidros em maio do ano passado, continuamos à espera”, diz, com uma expressão mais resignada do que desiludida. O Observador tentou contactar a HotTrade, mas nunca obteve resposta.

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Apenas um dos vidros do Cufra Grill foi substituído. Os restantes aguardam que a promesa de maio de 2015 se cumpra. © Sara Otto Coelho / Observador

Na reunião de Câmara, o vereador Amorim Pereira foi muito crítico e relação ao que ali se passa. O concessionário “nunca teve condições para fazer fosse o que fosse, nem sequer para receber as rendas”, afirmou. Paulo diz que o restaurante onde trabalha tem os pagamentos em dia, mas lamenta que a administração não cumpra com as suas obrigações de manutenção. “Só há um segurança, a limpeza deixa um pouco a desejar, os elevadores estão sempre a avariar, a casa de banho dos homens tem um buraco na parede que, em vez de ter sido tapado, foi protegido com acrílico e continua tudo à vista”, queixa-se. Já tentaram negociar com a HotTrade não pagar algumas rendas e usar esse dinheiro para fazer melhorias no espaço, mas a proposta não foi aceite.

O Cufra Grill está ali desde 2007, altura em que o imóvel ganhou vida. À época foram necessárias algumas obras de remodelação com projeto do arquiteto Carlos Prata, já que a maresia contribui para o desgaste rápido dos materiais. Em 2011, no pico da crise financeira que o país atravessava, o executivo de Rui Rio tentou vender o imóvel por 4,068 milhões de euros, mas sem sucesso, fruto também de “uma série de embrulhadas”, como descreveu Rui Moreira na reunião de Câmara de terça-feira.

À época, a APDL impediu o negócio, alegando que o imóvel fazia parte do domínio público marítimo. Contactado pelo Observador, Hugo Baptista, do departamento de Gestão Dominial da APDL, limitou-se a dizer que o assunto é com a Câmara Municipal do Porto. O município refere, na proposta que apresentou, que o imóvel se situa em Área Verde de Utilização Pública.

Receita de sucesso para o Edifício Transparente procura-se

O Cufra Grill é, provavelmente, o negócio que mais pessoas atrai ao local durante o ano todo. O contrato com a HotTrade termina em 2018 e o futuro torna-se agora incerto. “É preciso que venha alguém que queira investir a sério nisto”, defende Paulo Gavina. Com “uma paisagem lindíssima”, o que falta são obras a sério, com bons materiais, em primeiro lugar. Depois, disciplina e organização. “Por exemplo, os horários não são uniformes. Umas lojas fecham às 19h, outras às 20h. Agora no verão está ali a esplanada da Somersby e umas vezes abre, outras não abre, não percebo. As pessoas vão ao Norteshopping e sabem com o que é que contam”.

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A madeira do chão já apresenta sinais de desgaste. © Sara Otto Coelho / Observador

O jovem Ricardo Cruz olha para cima, para o Cufra, e depois em direção ao Castelo do Queijo, onde fica a discoteca Kasa da Praia, do Grupo K, “sempre cheia”. Pede para que lhe sigam o exemplo. “Fala-se muito do problema do estacionamento aqui. O Cufra, por exemplo, comparticipa uma parte do que os clientes gastam ali no parque. Se calhar a administração podia pensar numa solução mais global”. A discoteca também não fica vazia por falta de lugar para parar o carro. “Tal como a Baixa está sempre cheia de pessoas que vão beber um copo, acho que falta aqui o conceito de noite, faltam bares que fiquem abertos até tarde, com uma luz mais baixa.

Concorda que os horários “são uma balbúrdia”, mas não quer que se siga um caminho que transforme o espaço num centro comercial tout court. “Precisamos de outros negócios e de mais critério de seleção, porque há aí uns erros de casting.”

Durante o dia, fazem falta coisas viradas para as crianças e para o mar, porque onde há crianças há pais. Depois à noite, bares com música. “Devia haver animação. Por exemplo, durante o Euro só uma esplanada é que tinha TV. Porque é que não se juntaram todos? Fazem falta aqui umas sessões de cinema à noite, era preciso projetar isso com alguns meses de antecedência, mas de forma concertada, todos a remarem para o mesmo lado.” No entanto, ao saber do preço que a Câmara pede, Ricardo ri-se. “Isto não vai ser vendido.”