O livro do Guiness reconhece Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, como o romance mais longo de sempre. São nove milhões de caracteres e perto de um milhão e meio de palavras. Comparada com a colossal obra de Proust, Guerra e Paz é uma leitura rápida.
Ninguém podia acusar Proust de ser conciso. De um pequeno episódio extraía dezenas de páginas recheadas de digressões e divagações que um editor menos generoso teria desbastado implacavelmente. Essa terá sido uma das razões da famosa recusa de André Gide, na altura leitor da editora NRF, em publicar o primeiro volume, Do Lado de Swann. Gide, que acabaria por considerar essa a sua pior decisão quanto editor, não gostou de tantas palavras gastas com o mundo fútil descrito pelo narrador, embora alguns defendam a tese de que nem sequer chegou a ler o livro. Em Diário Mínimo, Umberto Eco inventou relatórios de leitura para algumas das obras do cânone ocidental. Eis a opinião desse leitor profissional e imaginário sobre a obra de Proust: “É necessário, primeiro, um trabalho aturado de editing: por exemplo, tem de se rever toda a pontuação. Os períodos são demasiado fatigantes, há-os que ocupam uma página inteira. Com um bom trabalho de reescrita, que os reduza ao fôlego de duas ou três linhas cada um, simplificando um pouco as coisas, tornando o conjunto mais mexido, o trabalho podia certamente melhorar”.
Levámos ainda mais longe o desafio do leitor de Eco e tentámos condensar cada um dos volumes em 140 caracteres. Não é uma tarefa impossível. Lembremos o que Woody Allen disse sobre Guerra e Paz depois de tirar um curso de leitura rápida: “envolve russos.” De Em Busca do Tempo Perdido diria “rapaz come madalena e não se cala.”
Aqui ficam os sete volumes em sete tweets, publicados esta sexta-feira pelo Observador, para todos aqueles que não podem perder tempo a ler um livro sobre o tempo perdido.
Do Lado de Swann
(1/7) Ir para a cama cedo aborrecia-me. Queria a mamã para mim. Um dia, comi uma madalena e lembrei-me de muitas coisas, quase todas chatas.
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
À Sombra das Raparigas em Flor
(2/7) Lição de vida: tudo o que é maravilhoso na imaginação tem menos graça no mundo real – Bergotte, Balbec. Quero a mamã! Ou Albertine.
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
O Lado de Guermantes
(3/7) Como deve ser bela a vida da aristocracia! Vou seguir a Madame de Guermantes para saber. Por falar na mamã, a avozinha está a patinar.
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
Sodoma e Gomorra
(4/7) Há homens que gostam de homens e eu amo Albertine. Ou não. Vou para Balbec descobrir. A avozinha lá se finou, mas a mamã está viva.
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
A Prisioneira
(5/7) Vivo com Albertine, cada um no seu quarto. Como sou um rapaz inseguro, desconfio dela. Desconfio de todas as mulheres, menos da mamã.
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
A Fugitiva
(6/7) Albertine pirou-se. Gostava de mulheres. Morreu. E o Saint-Loup prefere rapazes. Serei o único heterossexual por aqui? Mamã!
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
O Tempo Reencontrado
(7/7) Guerra! Os alemães são o diabo, só Charlus – que gosta de homens – pensa o contrário. Tédio. Mamã, vou escrever um livro sobre isto.
— Observador (@observadorpt) July 22, 2016
[os dois primeiros volumes, reeditados pela Relógio d’Água, já estão publicados]
Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor e autor do romance As Primeiras Coisas, vencedor do prémio José Saramago em 2015