Marisa Monte convidou Carminho para cantar samba. E o público acabou a dançar o vira. O concerto da cantora brasileira estava prometido depois de ter sido ela a convidada de Seu Jorge (no MEO Arena, em março e que teve direito a pedido de casamento pelo meio). E estava também prometida a festa que ambas deram, que era quase inevitável.

A amizade entre Marisa Monte e Carminho nasceu em 2013. Três anos traduzidos na cumplicidade que se viu em palco. Mais do que uma relação profissional, o que nos deram a partir do palco é coisa feita de amizade. E, já se sabe: traduzindo isso em tom, timbre e tempo, dá maravilhas.

Cool Jazz Festival

Carminho gravou um dueto com Marisa Monte para o seu último álbum, Canto (2015). Créditos: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Na noite de quarta-feira, o palco estava montado nos Jardins do Marquês de Pombal, em Oeiras, mas poderia estar em qualquer outro local, deste ou do outro lado do Atlântico. As duas cantoras conheceram-se numa das muitas deslocações da fadista ao Brasil e desde então têm cantado muitas vezes juntas, muitas vezes em “sessões de improviso”, como a que fizeram em casa de Paula Lavine, em Ipanema, e onde trautearam uma das novas composições de Arnaldo Antunes, “Ao Pé do Ipê”.

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Essa não fez parte do alinhamento de ontem mas “Chuva no Mar”, também composta por Arnaldo Antunes e Marisa — o dueto com a brasileira que integra o último disco de Carminho, Canto (2015) — não faltou. “Uma música que nasceu no Brasil e se naturalizou portuguesa”, explicou a cantora que conta com quatro Latin Grammy Awards no currículo. E foi um dos momentos altos da noite, que começou fria, mas só porque o vento assim quis. Marisa Monte abriu com “Infinito Particular”, saudou, cantou, mas as primeiras manifestações de emoção da plateia sentada e dos muitos em pé só chegaram depois do êxito “Beija Eu”.

A brasileira passou pelo álbum homónimo de 2001 (com “A Sua”) e por O Que Você Quer Saber de Verdade, de 2011 (“Ainda bem”) num registo intimista e sempre à maneira Marisa Monte, mas ainda faltava alguma coisa. Faltava “a querida amiga Carminho” com quem partilhar a “linguagem em que a gente consegue ser feliz”. O entrelaçar das vozes começou com “A Dança da Solidão” e daí em diante o espetáculo foi outro. A fadista ensaiou passos de samba, Marisa Monte contou a história de “Gentileza”, canção dedicada a José Datrino (um artista urbano do Rio de Janeiro que ficou conhecido como “Profeta Gentileza”, por defender o ideal “gentileza gera gentileza”). Soltámos todos a voz, cantámos todos no que nos pareceu a melhor das afinações.

Estava dado o tom, a harmonia entre as vozes de Marisa Monte e Carminho e os muitos momentos de conversa entre as duas fizeram o resto. A fadista é apaixonada por MPB e foi buscar “Os Argonautas” ao reportório de Caetano Veloso. Houve tempo para ter “Saudades do Brasil em Portugal” de Vinicius de Moraes, e para mais uma história. A conversa era tanta que as introduções às canções mais pareciam um momento de partilha de intimidades entre amigas que a audiência saboreava num momento de voyeurismo coletivo. Ou em menos palavras: fomos uns privilegiados.

Mais uma confissão: Marisa Monte contou que é apaixonada por música portuguesa e que uma das canções da sua infância é… Um vira. Sim, “O Vira” do grupo Secos e Molhados, do qual Ney Matogrosso fez parte nos anos 70. Uma canção que Marisa cantava quando era criança e que lhe valeu “os primeiros trocadinhos”.

Muitos não conheciam a canção, mas e então? Em menos de nada, todos cantavam. “No Brasil a gente mistura tudo!” E em Portugal, a mistura acompanha-se com palmas, muitas palmas, muita gente a vibrar. O concerto tinha finalmente arrancado a sério quando Carminho se ausenta do palco. Marisa Monte segue com o alinhamento, menos intimista e mais perto da pop e do samba (“Passe em Casa”, “A Menina Dança”, “Balança Pema”). Depois de uma primeira saída de palco e de dois minutos de aplausos sonoros, chegamos ao encore.

Voltam Marisa e Carminho e regressam os êxitos. “Amor I Love You” e “Velha Infância”. Uma viagem musical à idade da inocência que fez muitos levantarem-se das cadeiras instaladas no jardim e dirigirem-se à frente de palco. Isso do frio e do vento já era coisa de outros tempos, já ninguém queria saber. Voltaram a dar o concerto por terminado, mas o público não estava pelos ajustes. Queria mais e gritou por mais. Marisa Monte e Carminho voltaram a subir ao palco e a dançar “O Vira”, pela última vez. Era o fim do samba que começou sentado e acabou em pé, a dançar o vira. “É muita gentileza!” Foi mesmo muita.

Marisa Monte volta a convidar Carminho no palco do Jardim de Serralves, no Porto, sábado às 22h. Bilhetes a partir dos 25 euros.