“É como um concerto clássico, mas em vez do solo de piano temos um DJ com dois gira-discos e um misturador”, explica ao Observador o compositor Gabriel Prokofiev, com uma naturalidade que contrasta com a raridade do que o público vai poder ver esta sexta-feira à noite na Casa da Música, no Porto, e também no centro da Maia, na Praça Doutor José Vieira De Carvalho, às 22h00 de sábado.

Concerto para gira-discos e orquestra nº.2” é fruto de uma encomenda da Casa da Música e da Bergen Philharmonic Orchestra. O solista é Mr. Switch, um dos DJs mais talentosos e bem-sucedidos do Reino Unido, vencedor de quatro títulos mundiais DMC World Champion. A magia vai acontecer no momento em que a cortina se abrir. É a partir daí que vamos ver Switch a manipular os sons da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música em direto e a mostrar como o trabalho de um bom DJ é duro.

“Sabemos que a música eletrónica consegue transformar os sons. Mas aqui podemos ver os gira-discos fazerem essa manipulação em frente aos nossos olhos. Conseguimos ver o DJ tirar um som da orquestra e torná-lo tão lento que ele se transforma numa linha de baixo“, explica Gabriel Prokofiev. Até haverá direito a battle entre DJ e orquestra. Este excerto de um ensaio ajuda a ter uma ideia daquilo que estamos a falar:

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Nada do que toca DJ Switch existia no tempo de Sergei Prokofiev, avô de Gabriel e um dos maiores compositores do século XX. Sergei morreu em 1953 e não pôde assistir à enorme (r)evolução que o mundo assistiu na indústria da música. Será que o autor da fábula musical “Pedro e o Lobo” ia gostar de ver esta obra tão clássica quanto contemporânea que o neto criou?

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“Acho mesmo que ele ficaria interessado e curioso”, diz. “Tal como muita gente no mundo da música clássica, no início talvez ficasse desconfiado e pensasse: ‘Isto não é mesmo um instrumento, como é que ele faz aquilo?’.” É um palpite, claro, mas com sustentação.

“O meu avô tinha uma mente aberta para o uso de tecnologia. Quando ele compôs a banda sonora para o filme “AlexanderNevsky”, ele teve de gravar e recorreu a um técnica de microfone, em alguns momentos pôs o trombone muito perto do microfone para que o som saísse distorcido e estranho. Isso mostra que ele estava interessado na tecnologia”.

O primeiro Concerto para gira-discos e orquestra foi interpretado em várias partes do mundo ao longo de uma década. Gabriel elogia o virtuosismo de DJ Switch, que já tinha sido solista em 2011, tendo sido mesmo o primeiro DJ a atuar no BBC Proms, concertos organizados pela emissora pública britânica. “Às vezes ele está mesmo no limite. Pensamos: ‘será que vai conseguir manter o tempo? Não sabemos!’.”

gabriel prokofiev

“Concerto para gira-discos e orquestra nº.2” engloba uma década de experiência com composições clássicas que Gabriel ainda não tinh em 2006, já que o Concerto n.º 1 foi a sua primeira composição para orquestra. O segundo Concerto tem influências da eletrónica e do hip-hop e pode ajudar a tirar a orquestra do pedestal inacessível onde muitos a colocam. “Está aberto a um espetro muito maior de sons”, afirma Prokofiev.

Ainda assim, a abertura dos públicos a estilos diferentes e à sua mistura parece ter aumentado na última década. “Frustra-me quando há pessoas que dizem que só ouvem um estilo, seja indie, ou metal. Não se pode viver assim. A alegria da música é poder ouvir diferentes músicas para diferentes humores e situações”, sublinha Prokofiev. “Se as pessoas estão a misturar mais os géneros, isso pode querer dizer que mais pessoas estarão abertas à música clássica, que pode ser mais desafiadora. Isso é positivo e acho que este concerto pode apelar mais a esta geração de mente mais aberta.”

O segundo concerto traz novidades em relação ao primeiro. Uma é o aumento de scratch. Outra é percussão feita com a agulha do gira-discos. “Não é suposto fazer-se isso a um disco, é como se fosse uma atitude de rebeldia punk, mas soa bem“, adianta Prokofiev. Punk no seio da Orquestra Sinfónica do Porto. Ora aí está uma coisa nunca antes vista. Pelo menos até às 21h00 desta sexta-feira (bilhetes a 25€). O programa musical começa com outra composição de Gabriel, “Concerto para bombo e orquestra” e segue para a fundamental Sinfonia nº.2 de Sergei Prokofiev.

Logo após o concerto, Gabriel Prokofiev veste a pele de DJ e junta-se a DJ Switch no Café Casa da Música, que será transformado em pista de dança. Já no sábado, no concerto ao ar livre na Maia, não será tocado o concerto para bombo e orquestra, mas a entrada é gratuita.