A organização dos Jogos Olímpicos pode estar com problemas de segurança e com incertezas sobre a participação de alguns países, mas uma coisa está garantida: o Brasil quer passar a ideia de um país aberto à diversidade. A cerimónia de 5 de agosto, sexta-feira, contará com a participação da transexual Lea T e no início do ano já tinha sido anunciado que os atletas transgénero podem participar sem terem feito a cirurgia de mudança de sexo.

A modelo brasileira, nascida Leandro Medeiros Cerezo e filha do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo, será a primeira modelo transexual a participar numa cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos. Irá provavelmente desfilar, mas não adiantou pormenores sobre o que vai acontecer porque o sigilo imposto pela organização assim o exige, disse à BBC Brasil.

Lea T vai juntar-se a Elza Soares, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Anitta e refere que a ideia é apresentar o Brasil como um país diverso. “A mensagem será muito clara: inclusão. Todos, independente de género, orientação sexual, cor, raça ou credo, somos seres humanos. Meu papel na cerimónia (…) ajudará a transmitir essa mensagem”, disse.

Eu, como qualquer outro transexual, tenho uma missão. Falo da transexualidade porque faz parte da minha história”

Aos 35 anos, já leva seis no mundo da moda. A ascensão foi muito rápida. Conheceu Ricardo Tisci, designer da Givenchy, que se encantou pela sua androginia. Aí ainda se apresentava como “Leandra” mas foi quando se tornou a cara da marca francesa que adotou o nome “Lea T”. Depois, deu a cara e o corpo pela RedKen (da L’Oréal) — foi a primeira modelo transexual a ter um contrato com a marca — e pela Benetton. Lea foi também capa da Vanity Fair e da Vogue, duas das mais importantes revistas de moda do mundo. Kate Moss juntou-se a ela na britânica Love e juntas protagonizaram cenas sensuais.

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Inclusivo nos Jogos Olímpicos, negro no resto do ano

Lea T explicou à BBC Brasil que aceitou o convite para mostrar que “o Brasil é muito vasto e toda essa diversidade precisa, de alguma forma, ser representada em um evento como esse”. O Brasil até pode ser um país com muita diversidade, mas essa diversidade nem sempre é bem aceite — pelo menos no que toca à orientação sexual e identidade de género.

O Brasil é um dos países mais negros na lista de homicídios contra homossexuais e transexuais. Entre 1963 e 2007, ocorreram 2802 homicídios de homossexuais e transgénero sendo que, só de 2000 a 2007, registaram-se 972 casos, revelou a associação Grupo Gay da Bahia. Só em 2007 foram assassinados 122 homossexuais e, no ano passado, foram assassinadas 318 pessoas LGBT – 52% eram gays e 37% eram pessoas transgénero.

Estes números vão no sentido oposto às recomendações da equipa médica do Comité Olímpico Internacional que, em janeiro, aconselhou a organização do evento no Rio de Janeiro a permitir que os atletas transgénero participem na competição, mesmo que não tenham feito a cirurgia de mudança de sexo.

Os atletas transgénero já podem participar nos Jogos Olímpicos desde 2004, mas tinham de seguir várias condições: estar a fazer terapia hormonal há pelo menos dois anos, ter feito a cirurgia de mudança de sexo e ter efetivado a alteração do nome e do género legalmente, ou seja, no Registo Civil e documentos de identificação. A regra existia para ambas as transições (homem/mulher e mulher/homem).

Agora, a ideia é que os atletas não precisem de seguir estas restrições, bastando apresentar-se como pessoas transgénero. Mas há uma exceção: no caso dos atletas que nasceram homens mas se sentem mulheres, é preciso apresentar um relatório dos níveis de testosterona, que não podem ser superiores a determinado valor — isto para não prejudicar as restantes atletas que também competem na categoria “mulher”, porque altos níveis de testosterona podem melhorar a performance física. O Comité Olímpico Internacional não divulga se há ou não atletas transgénero a competir nesta edição, por respeito à privacidade dos mesmos.