Para uns é uma ferramenta de trabalho indispensável. Para outros representa uma das coisas que a indústria da moda tem de pior: a promoção de imagens de modelos sem imperfeições e um ideal de beleza impossível de atingir para as mulheres (e homens) comuns.

Agora, uma ex-editora de imagem da Victoria’s Secret pôs a boca no trombone e confessou algo de que já suspeitávamos (e no fundo, sempre “soubemos”): a empresa recorre com frequência ao Photoshop para retocar as imagens das modelos que apareciam nos seus famosos catálogos (que já foram descontinuados para desgosto de muitos) e que agora só podemos apreciar na conta do Instagram da marca. Se as modelos sempre lhe pareceram demasiado perfeitas para ser verdade… É porque eram.

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Candice Swanepoel na capa de um dos últimos catálogos publicados pela marca. Ao que tudo indica, a fotografia terá sido retocada.

A utilização do Photoshop — uma ferramenta de edição de imagem que permite acrescentar cor, brilho, orientação e até acrescentar e retirar pormenores, entre outras coisas — não é consensual. Atrizes como Kerry Washington ou Kate Winslet são contra a sua utilização, assim como algumas cantoras (como Zendaya, Lady Gaga) e até a supermodelo Gisele Bundchen, que se manifestou contra a sua utilização excessiva.

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A editora de imagem que prefere ser identificada pelo nome fictício Sarah, trabalhou para a famosa empresa de roupa interior e contou ao Refinery 29 que, apesar de fazer disso profissão, considera que o que faz “é errado” e por isso é que já não se dedica a retocar imagens a tempo inteiro.

https://www.instagram.com/p/BIPzBJNA3El/

Mas Sarah fez outras relevações, algumas surpreendentes. O chamado “retoque” de imagem já existia e era bastante comum ainda antes do aparecimento do Photoshop (o programa da Adobe foi criado em 1988, mas a sua utilização só se tornou norma na indústria em meados dos anos 1990). Alterar as cores de determinada fotografia porque a imagem não representava com exatidão a cor de alguns tecidos era frequente, contou Sarah. Mas no início, as correções de cor, luz ou brilho aplicavam-se com o objetivo de tornar as imagens mais próximas do real.

https://www.instagram.com/p/BIut7BwhPHq/

À medida que a ferramenta se foi tornando mais poderosa, passaram a fazer-se também “correções” nos corpos das modelos (e as imagens passaram a afastar-se progressivamente do “real”). Muitas pessoas pensaram: “Se podemos manipular o fundo, então por que não manipular o corpo? E, às tantas, foi uma coisa que ficou completamente fora de controlo”, contou Sarah.

A criação de uma imagem perfeita começa muito tempo antes de as fotografias chegarem ao computador. Sarah trabalhava muitas vezes nos cenários onde tudo era preparado de forma a parecer “perfeito”, incluindo as próprias modelos. Viu muitas extensões de cabelos a serem aplicadas e todo o tipo de truques para aumentar os atributos. Desde enchumaços para encher sutiãs, a vestir sutiãs push-up que ajudam a levantar o peito e o fazem parecer maior — debaixo do fato de banho, cujas alças eram depois “apagadas” na sala de edição.

“Mas quando se veste um biquíni sem alças, não há nenhuma maneira de se poder ter um decote tão pronunciado. É fisicamente impossível, dada a forma como a gravidade funciona“, disse a editora de imagem que acrescentou, no entanto, que outras marcas recorrem ao mesmo truque.

https://www.instagram.com/p/BE_kxYLGlUe/

Sem surpresa, uma das partes do corpo mais alteradas digitalmente eram os seios. As modelos da Victoria’s Secret são conhecidas por serem magras e terem mamas relativamente pequenas. Algumas manequins como Erin Heatherton, que entre 2011 e 2013 foi um dos “anjos” da marca, disse mesmo que lhe pediram para emagrecer para poder desfilar. Uma das coisas que Sarah tinha que fazer era tornar as mamas mais redondas, perfeitamente simétricas e, claro, maiores.

https://www.instagram.com/p/BD5pPoqmlYV/

Modelos um pouco desleixadas?

Outra correção comum: a remoção digital dos pêlos. Muitas modelos com quem Sarah trabalhou nem sequer se depilavam de forma tão minuciosa como poderíamos imaginar, porque sabiam que os pêlos indesejáveis seriam eliminados digitalmente.

https://www.instagram.com/p/BCxz9BFmlSZ/

“Elas posam nas fotografias com os braços para cima, numa pose de praia clássica e têm axilas peludas. E todas têm pêlos púbicos que de vez em quando espreitam. Coisas normais [que todas as mulheres não-modelos têm]”, contou Sarah.

A cor das axilas também é retocada com frequência porque na maioria dos ângulos em que as fotografias são tiradas ficam demasiado escuras, assim como as mãos e os pés.

https://www.instagram.com/p/BE_cy9_mlSk/

O recurso à funcionalidade airbrush — que apaga a celulite e outras imperfeições da pele — é tão banal quanto o afinar da silhueta. Apesar de magras, muitas modelos surgem nas imagens com cinturas ainda mais finas do que são realmente. O objetivo da redução? Tornar a imagem mais curvilínea (e mais sensual).

Sarah explicou que ao contrário do que se possa pensar, os retoques nem sempre são feitos para “emagrecer” as modelos, bem pelo contrário. Muitas vezes também é preciso adicionar “quilos” e curvas a quem os não tem.

https://www.instagram.com/p/BDakf_fmlRf/

Não seria então mais fácil contratar modelos mais “cheiinhas”? A editora de imagem explicou que não, porque a imagem de mulheres naturalmente com mais curvas não funciona. O que quer dizer que as peças de roupa da marca que até já foram fotografadas em corpos de modelos com mais formas, não venderam o suficiente.

Contas feitas, é mais rentável para a marca continuar a contratar modelos magras e recorrer ao Photoshop. A preferência das clientes é que acaba por ditar as regras. Até a própria editora, que conhece os truques todos, se deixa seduzir pelas imagens que retratam e vendem o que na verdade, não existe.

“Encomendei um fato de banho da Victoria’s Secret este verão. Quando ele chegou pelo correio, vi que não era tão giro como parecia na foto. Eu própria retoco imagens como aquela e ainda não estou imune ao marketing. É incrível”, confessou Sarah.