Quarenta anos separam estas duas capas da revista Time. À esquerda, a edição de 2 de agosto de 1976, que trazia na capa Nadia Comaneci, uma ginasta romena de 14 anos que conseguiu o primeiro 10 (nota máxima no antigo código de pontuações da ginástica artística) da história olímpica. Quatro décadas depois, a revista norte-americana voltou a colocar uma ginasta na capa: Simone Biles.

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À esquerda, a capa de 2 de agosto de 1976, com a ginasta Nadia Comaneci. À esquerda, a edição de 8 de agosto de 2016, com Simone Biles na capa. (Imagens: Time)

Com 19 anos e sem qualquer experiência olímpica, Biles chegou aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro pronta para fazer história. A ginasta norte-americana começou a ganhar medalhas em 2013, apenas um ano depois dos Jogos Olímpicos de Londres, e leva, até agora, um percurso perfeito: nos três mundiais de ginástica artística em que participou (2013, 2014 e 2015), foi a vencedora da prova individual geral e venceu mais uma série de medalhas. Só de ouro, Biles já tem dez.

Nascida em 1997, Simone Biles teve de passar por dificuldades antes de chegar aos ginásios. A mãe era viciada em droga e não tinha condições para cuidar de Simone e da sua irmã, Adria. Acabou por abandonar as crianças, que foram adotadas pelos avós. À revista Time, a ginasta revelou que, ao crescer, imaginou como seria a sua vida “se nada disto tivesse acontecido”. “Pergunto-me se ela se sente mal com o que aconteceu, se desejaria ter feito as coisas de forma diferente”, confessa.

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Foram os avós que, mais tarde, arranjaram um psicólogo desportivo para Biles. A capacidade de concentrar toda a sua energia, explica a sua treinadora, é essencial para o sucesso que a levou a outro nível.

A ginasta, com apenas 1,45 metros de altura, está mesmo noutro nível, até para as suas rivais olímpicas. Biles tem capacidades tão impressionantes que já criou um movimento assinado por ela. Dois mortais e uma meia volta no solo, um movimento que foi executado pela primeira vez em 2013, quando ninguém o tinha tentado. A acrobacia já tem nome: “The Biles”. Não é difícil entender porquê:

Como mostra este artigo interativo do The New York Times, uma das grandes vantagens que Biles tem sobre as suas rivais é a capacidade de começar os movimentos acrobáticos com muito pouca corrida de balanço. E menos corrida de balanço significa mais tempo e mais espaço para efetuar mais movimentos do que as oponentes.

Aqui ao lado, em Espanha, o El País diz que o aparecimento de Simone Biles “deixou este desporto sem o aliciante de qualquer modalidade”, que é “a possibilidade de ganhar, ou, pelo menos, de o tentar”. O sorriso calmo de Simone, à entrada para a prova de solo, contrastava com os nervos das outras ginastas. Entrou, saltou, e foi, sem surpresas, a melhor. A pontuação de 15,733 leva-a à final com o melhor resultado, e a medalha parece garantida.

Nastia Liukin, vencedora do ouro nos Jogos de Pequim, em 2008, explicou ao The New York Times, que “a diferença entre o primeiro e o segundo lugar é, normalmente, de três décimos, cinco décimos, e ela chega e ganha com uma diferença de um ou dois pontos”. E vai mais longe: “Ninguém está sequer perto [da qualidade] dela”, diz Liukin à Time.

“Tem sido uma jornada incrível até aqui”, confessa Biles ao jornal brasileiro O Globo, explicando que se sente “honrada” por “competir pelos Estados Unidos”, e esperando ter deixado “todos orgulhosos”. Os EUA têm dominado a modalidade durante anos, e o aparecimento de Biles só vem garantir a continuação desse domínio. A competição deste domingo valeu ao país 185.238 pontos – mais dez que a China e a Rússia, duas grandes potências da modalidade.

Tudo indica que Biles consiga chegar ao ouro em cinco modalidades: equipas, individual, salto, trave e solo. A acontecer, superará até Nadia Comaneci, que nos Jogos de Montreal, em 1976, conseguiu três medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze.

Só há uma modalidade em que Simone Biles está menos à vontade: as paralelas assimétricas. As russas e as chinesas dominam aí, e Biles prefere não tentar muita dificuldade. É que, desde que o antigo código de pontuação acabou (aquele em que Comaneci fez o primeiro 10), o quadro não tem, em teoria, limite. Atualmente, a execução continua a valer 10 pontos, sendo que os restantes estão relacionados com a dificuldade do exercício. Por norma, resume o El País, “os 15 pontos converteram-se numa linha que separa os exercícios brilhantes dos bons exercícios”. Foi precisamente essa a pontuação que obteve no exercício de paralelas assimétricas. Por isso, será o único pódio que não deverá disputar.

A treinadora, Aimee Boorman, é responsável pelo sucesso da ginasta desde os seis anos de Biles. Desde que Simone apareceu na academia em que Boorman na altura trabalhava, a treinadora percebeu que tinha à sua frente uma futura campeã. Estão juntas desde esse momento, e fazem os treinos numa instalação montada pela família de Biles, na cidade texana de Spring.

“Diria que ela não demora mais do que três dias a aprender uma nova habilidade. A maioria das atletas precisam de anos”, explica a treinadora ao The New York Times. O grande problema eram os nervos. Só depois de ter falhado algumas vezes — e de ter sido retirada de uma competição — é que conseguiu controlar as suas emoções. A partir daí, foi só vitórias.

Na terça-feira, Biles vai à final por equipas tentar o ouro. Quinta-feira é a vez de lutar pelas medalhas a título individual.