“Mudei radicalmente de vida. Vou fazer sete coisas ao mesmo tempo: ter um programa na televisão, dar aulas na Universidade, promover exportações na Câmara de Comércio, ajudar à internacionalização de uma grande companhia portuguesa como a Mota Engil, fazer consultoria estratégica no Golfo e na América Latina, participar em conferências e em palestras várias, e espero ainda ter tempo para ajudar na formação dos jovens do CDS”.

Foi assim que, em junho, Paulo Portas explicou aos jornalistas o que iria ser do seu percurso profissional agora que deixava o palco político e a liderança do CDS-PP, ao fim de 16 anos. Se na altura não era claro a que se referia Portas quando dizia que ia “fazer consultoria estratégica no Golfo e na América Latina”, agora tornou-se oficial: desde julho que se tornou conselheiro para a empresa petrolífera estatal mexicana Pemex.

As pontas do véu foram sendo levantadas aos poucos, desvendando o tabu sobre qual viria a ser o futuro do eterno político. Em março, no Congresso do CDS onde se despediu do partido, muitos esperavam que revelasse o mistério no discurso das lágrimas, mas não aconteceu. O máximo que disse foi: “Estou a preparar uma vida profissional que não depende só de mim. Haverá um momento em que eu vos direi o que vou fazer. São várias coisas, saberão tudo no momento certo”.

O momento certo foi chegando, mas a conta-gotas. Primeiro, o anúncio do programa de televisão: um programa semanal de comentário sobre política internacional, no Jornal das 8, na TVI. Será um modelo “inovador e interativo” e a estreia deverá acontecer na reentré, em setembro. Mas antes de o programa arrancar, Portas iniciou-se neste novo papel, comentando para a TVI alguns importantes acontecimentos da atualidade internacional, como foi o caso das eleições espanholas e do referendo britânico sobre a saída da União Europeia.

Depois, a vice-presidência da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, cargo (não remunerado) que assumiu desde março deste ano. Paulo Portas ficou com o pelouro da internacionalização, tendo na altura justificado o lugar como sendo “uma forma muito útil de continuar a ajudar a internacionalização das empresas e o setor exportador, que são os pilares do nosso crescimento”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em junho, ao mesmo tempo que deixava de vez o lugar de deputado no Parlamento, conhecia-se o seu terceiro trabalho, aquele que mais polémica causou. Paulo Portas tinha sido contratado pela construtora Mota Engil para dinamizar o Conselho Consultivo Internacional para a América Latina, exercendo uma função consultiva naquela que é uma das maiores empresas do país no ramo da construção civil. O foco de Portas, consultor, seria o mercado da América Latina, continente para onde a empresa se está a virar. O novo cargo de Portas depressa causou indignação junto do meio político, levantando-se dúvidas sobre as eventuais incompatibilidades do ex-governante ao exercer funções numa empresa com a qual contactou de perto enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro com a pasta das exportações.

Mas Portas sempre negou qualquer incompatibilidade. Ao Expresso, o ex-vice-primeiro-ministro justificou que nunca teve tutela direta no setor das obras públicas, construção ou infraestruturas (pasta que estava entregue ao Ministério da Economia) e que a Mota Engil era apenas uma das muitas empresas que tinha visto crescer enquanto governante. “Como MNE e vice-PM sempre lutei para que as empresas portuguesas, em igualdade de circunstâncias, pudessem ganhar contratos, mercados e oportunidades. Foi o que fiz durante quatro anos com centenas de empresas, porque era esse o melhor serviço que podia prestar ao meu país”, disse na altura ao Expresso.

O sétimo trabalho, entre a lei e a ética

A par das palestras, conferências e da componente letiva — Portas vai dar aulas a partir de setembro na Nova School of Business and Economics (Universidade Nova de Lisboa), e vai ter um papel ativo na formação dos jovens do CDS (na escola de quadros do partido, que se realiza todos os anos no final do verão) — junta-se agora um outro, o tal relacionado com “consultoria estratégica no Golfo e na América Latina”. Como foi noticiado ontem, Paulo Portas é desde julho consultor de uma filial da petrolífera Pemex, a maior empresa do México, um dos países que Portas mais visitou enquanto governante, acompanhando missões empresariais.

Era o sétimo trabalho que faltava descobrir. E tal como a ida de Portas para a Mota Engil, também esta recente contratação da gigante petrolífera mexicana não caiu bem entre os partidos políticos à esquerda. Ao Observador, o deputado comunista António Filipe pôs o cargo na Pemex e na Mota Engil no mesmo saco: “Esta situação é só mais uma”, disse, considerando que ao aceitar os cargos na Mota Engil e na Pemex o ex-governante está a fazer “uma utilização de cargos governamentais para, após a cessação de funções, exercer cargos no privado que beneficiem das funções públicas em que esteve investido”. Para o deputado comunista a questão levanta “problemas éticos”, ainda que, à luz da lei atual, não seja ilegal.

Também o Bloco de Esquerda reagiu esta segunda-feira à nova função de Paulo Portas com indignação: “Acabou de sair do Governo e foi contratado por dois portentos económicos como a Mota Engil e a Pemex. É claro que isso suscita dúvidas”, disse fonte do partido ao jornal i.

Certo é que, segundo a lei atualmente em vigor, Portas, que enquanto vice-primeiro-ministro fez duas visitas oficiais ao México (em 2013 e 2014), não incorre em nenhuma incompatibilidade ao aceitar este cargo, uma vez que a lei do chamado “período de nojo” só impede os ex-governantes de, nos três anos seguintes, exercer funções em empresas privadas que tenham tutelado diretamente. E não sendo ministro da Economia, Obras Públicas ou Infraestruturas, Portas não tutelou diretamente empresas como estas.

Para o deputado comunista, a lei atual é “muito permissiva” e, sendo certo que “não vale para o passado mas apenas para o futuro”, deve ser mudada para apertar a malha aos ex-governantes no exercício de funções em empresas privadas. Na sessão legislativa passada foi constituída no Parlamento uma comissão sobre a transparência onde estão em discussão diversos projetos de lei relacionados com as incompatibilidades dos titulares de cargos públicos. Um deles é o projeto de lei do PCP que, à semelhança do do PS, pretende alargar o período de nojo dos ex-governantes às empresas que, não só tenham sido por eles tuteladas, bastando que sejam do setor por eles tutelado.

Se assim fosse, Paulo Portas, na qualidade de vice-primeiro-ministro responsável pela diplomacia económica, teria ficado provavelmente impedido de exercer os cargos na construtora e na petrolífera. Entre as propostas legislativas em cima da mesa, que serão discutidas e votadas no arranque da próxima sessão legislativa, em setembro, está ainda a proposta de os ex-governantes que pretendam aceitar cargos em empresas privadas terem de passar primeiro pelo crivo do Parlamento, que decide de forma vinculativa se podem ou não aceitar os cargos em causa.

A filial da empresa mexicana para a qual Paulo Portas irá trabalhar (a Mex Gas Enterprises) tem sede em Madrid e foi criada em 2014 para agregar as participações da empresa que estavam até então no paraíso fiscal das Ilhas Caimão, onde estavam concentrados os ativos e o negócio do gás a nível internacional desta empresa. Em junho de 2014, numa visita do presidente do México a Portugal, a Pemex assinou um memorando de entendimento com a Galp relacionado com a “troca de informação e/ou desenvolvimento de projetos”, segundo a empresa mexicana, mas o conteúdo do acordo permanece secreto e só será dado a conhecer ao público a partir de 2026.