Entrou em terceiro lugar, naquela fila típica atrás de alguém que parecia ser um guia turístico. Sorriu para quem lhe disse algo do público. Ia juntando as mãos, agarrava só o polegar direito. Perto de si tinha Lauren Hernández, sua amiga e colega de infância. Foi anunciada pelo speaker e o pavilhão quase vinha abaixo. Aos 19 anos olham-na como uma lenda. A nova senhora da ginástica, a sucessora de Larissa Latynina, a princesa das princesas do reino de Comaneci.

Simone Biles já contava com três ouros — all-around, salto e na competição por equipas –, mas desta vez essa medalha dourada ia escapar-lhe das mãos, aterrando antes no pescoço de uma holandesa loira, que tinha uma fotocopia de si na bancada a rezar por ela.

Começou a competição e Simone vestiu as calças. Sentou-se. Quando a primeira ginasta, a chinesa Yilin Fan, concluiu a sua prestação, levantou-se e começou a aquecer. Voltou a sentar-se durante a rotina da canadiana Isabela Onyshko. O olhar é de ferro, guerreira com uma causa. Enquanto Onyshko esperava a nota, Biles tomava conta da sua trave, parecia limpar as impurezas. Tinha de estar perfeito. Depois ouviu a treinadora, serenamente.

RIO DE JANEIRO, BRAZIL - AUGUST 15: Simone Biles of the United States slips while competing in the Balance Beam Final on day 10 of the Rio 2016 Olympic Games at Rio Olympic Arena on August 15, 2016 in Rio de Janeiro, Brazil. (Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

O momento em que Simone Biles se desequilibrou (Laurence Griffiths/Getty Images)

E começou. Parece que está no quarto de sua casa, em frente ao espelho. É uma menina de 19 anos a fazer movimentos sublimes numa trave mínima. O grau de dificuldade é dos maiores, naturalmente, mas parece simples. Martha Karolyi, uma das inventoras de Nadia Comaneci, disse há poucos dias que há quatro anos não imaginava que Simone seria assim. Se nem Karolyi imaginava…

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“Aaaaaaaaaaaaaaaaaaah”, diria pouco depois o público a uma só voz, abafando todos os outros sons e ruídos. Simone Biles quase caiu da trave, depois de um mortal frontal — a partir daqui só se iam ouvindo as palmas da treinadora. Aquilo terá pesado na cabeça da jovem norte-americana, pois aqui e ali notou-se menos solidez. Martha Karolyi diria no fim, na zona mista, onde atletas, treinadores e jornalistas trocam umas bolas, que esta prova é a mais exigente a nível mental, e que Simone já vem com algumas provas em cima. Ou seja, fica complicado manter o foco e a energia.

A rotina de Biles terminou e ela não estava satisfeita: 14.733. Conseguiria apenas o bronze, o que vai no sentido inverso ao que se esperava. Seria uma desilusão. Antes, viu Hernández de pé, apoiou-se depois nos joelhos, como se sofresse por ela. No fim celebrou, orgulhosa da amiga. Deu-lhe um abraço, sentiu que algo especial tinha acontecido. Laurie Hernández tem 16 anos. “Vejam o sorriso de Simone”, dizia o speaker.

Ponto final. A holandesa Sanne Wevers ganhou o ouro (15.466 pontos) e deixou a irmã gémea super feliz na bancada. A norte-americana Laurie Hernández ganhou a prata (15.333), e um pin novo: na zona mista confirmou a febre dos pins e ganhou um de uma jornalista norte-americana. O lugar mais baixo do pódio foi de Simone, que assim terá, pelo menos, mais uma razão para voltar em Tóquio 2020.

“A Simone também é um ser humano”, disse no fim aos jornalistas Martha Karoliy, lembrando o que às vezes todos esquecemos. Admitiu que foi uma desilusão, mas assegurou que o programa de ginástica dos Estados Unidos é o mais forte do mundo. Pelo menos atualmente, reforçou. E lá contou uma história curiosa: “Uma vez disseram-me nuns Jogos Olímpicos que não se estavam a divertir. Eu disse que se vem aos JO fazer o trabalho, depois sim podemos divertir-nos. Ganhar medalhas é divertido”, disse a senhora que esteve com Nadia Comaneci em 1976, com um senhor sorriso.

Se assim é, Simone Biles está a divertir-se: três medalhas de ouro e uma de bronze. E ainda não acabou a diversão…