Há muito que Paredes de Coura se tornou num local de culto. Todos os anos, milhares de festivaleiros deslocam-se até à pequena vila minhota para celebrarem o melhor da música — de lá mas também de cá. Como verdadeiros crentes, trocam o conforto de uma cama quente por uma tenda mal montada, um banho gelado no rio Coura e uma cerveja que deixa as mãos congeladas quando o corpo já pede calor. Mas a banda sonora é quase sempre de fazer inveja, e isso faz tudo valer a pena.

No início da semana, a organização avisou que já só restavam três mil passes nas bilheteiras. O primeiro dia foi calmo, aguardando-se uma enchente a partir de quinta-feira, com o regresso ao ativo dos LCD Soundsystem.

Já esta quarta-feira, e só com o palco principal a funcionar (amanhã junta-se o Palco Vodafone FM e o Palco Jazz) passaram os portugueses We Trust, Best Youth e Orelha Negra, a super-banda Minor Victories e o projeto do neo-zelandês Ruban Nielson, os mui amados Unknown Mortal Orchestra.

O arranque morno permite ver, contudo, que viajar até Paredes de Coura é uma tradição já com um posto respeitável, 24 edições, mas a juventude do público mostra que o velhinho festival não é apenas para saudosistas. O espaço foi ligeiramente ampliado, o campismo está cheio há alguns dias, o que prova que há quem aproveite o bilhete para passar umas férias junto ao rio, e nem a descida súbita da temperatura é capaz de afastar os melómanos.

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Unknown Mortal Orchestra

A sensação que ficou resume-se assim: quatro chegam para fazer uma orquestra. Porque o hype da banda sediada em Portland (EUA) tem isso como base, um conjunto (pequeno) de músicos virtuosos que se bastam sozinhos e à música que fazem, num palco despido.

O neozelandês Ruban Nielson, vocalista e guitarrista, nunca demora a mostrar que domina a guitarra com os dedos e com a voz. É que, às vezes fala com ela, ao usar a voz como som que complementa os agudos da guitarra elétrica. É preciso muita habilidade.

Todos os músicos são muito bons, brincam com um improviso que lhes dá gozo e todos têm espaço, ainda que breve, para mostrar o que valem – ficando sozinhos em palco em “estilo livre”, que passa pela pop, pelo rock e pelo jazz.

Ruban Nielson não cantou particularmente bem mas foi o quanto bastou para confiar na mancha de gente na frente do palco, ao ponto de se atirar para um minuto de crowdsurf, sem nunca deixar de cantar. Mostrou igual à vontade para se sentar no chão, de costas para a plateia, numa daquelas conversas entre instrumentos que dura o tempo que tiver de durar.

Os Unknown Mortal Orchestra são repetentes por estas bandas, estiveram aqui junto ao rio Coura em 2013 para apresentar o álbum II, que confirmou o grande sucesso do primeiro e homónimo, de 2011. Desde aí ganharam tração e público, é seguro dizer que são sempre bem recebidos por cá (estiveram no ano passado no Super Bock Super Rock) apesar de, como alguns dizem, Multi-Love (2015) ter virado para uma linha menos “arriscada”, mais pop.

Mas foi esse, sem surpresa, o centro das atenções do espetáculo desta noite, com um ou outro hit mais antigo a picar o alinhamento. Para o fecho deixaram aquela que foi, talvez, a canção mais bem afinada da noite, “Can’t Keep Checking My Phone”. O resto foi uma espécie de desvario instrumental, uma viagem que já muitos conhecem e apreciam. Eles dizem que gostam de vir a Portugal e vão voltar, é limpinho. [PE]

We Trust Ft. Coura All Stars

A noite tinha então começado a cair quando os portuenses We Trust entraram em palco. Acompanhados por uma orquestra de jovens músicos de Paredes de Coura, a banda de André Tentugal — que está longe de ser um estreante no festival — apresentou um espetáculo diferente a que chamou We Trust Ft. Coura All Stars.

A hora era ingrata. Não muito longe dali, numa rulote à beira da estrada, uma multidão assistia atentamente ao FC Porto-AS Roma. Mais interessados na bola do que da música, foram muitos os que escolheram entrar no recinto mais tarde — depois de uns quantos finos e de umas bifanas no pão. E isso notou-se, mas Tentugal não se fez de rogado. Cumprimentou quem por ali estava com um sorriso e de guitarra ao ombro: “Boa noite pessoal, bem-vindos ao Festival Paredes de Coura! É uma honra estar a abrir este festival. Vamos cantar todos juntos, pode ser?”.

A resposta foi morna, mas isso não fez parar os We Trust e muito menos os Coura All Stars. “Se tivesse de escolher uma hora para tocar, seria esta. A do lusco-fusco”, admitiu Tentugal, atirando com uma música lenta. A canção podia não ser alegre, mas o mais triste veio depois.

A meio do concerto, André Tentugal anunciou que os We Trust iam fazer uma pausa. “Este é o nosso último concerto”, admitiu. O último num festival onde, há cinco anos, a banda tinha dado o seu primeiro grande concerto – não naquele gigantesco palco principal, mas no secundário.

As despedidas são sempre difíceis e, por isso, quando chegou o fim Tentugal disse apenas: “Sejam felizes”. [RC]

Minor Victories

Quem tenha andado mais distraído nos últimos meses podia olhar para o cartaz deste primeiro dia de Paredes de Coura e conhecer facilmente os portugueses We Trust, Best Youth e Orelha Negra, e os cabeças de cartaz Unknown Mortal Orchestra. Minor Victories é que podiam causar alguma estranheza. Pelo menos até ao início do concerto, às 22h45, quando entraram em palco Stuart Braithwaite e Martin Bulloch, que tão bem conhecemos dos Mogwai, Justin Lockey, dos Editors, e Rachel Goswell, dos Slowdive.

Temos supergrupo, como se costuma dizer. O que não quer dizer que isso se traduza automaticamente num super concerto. Os ouvidos tentam decifrar as influências trazidas por cada um deles, em canções como “Cogs” ou “Higher Hopes”, do primeiro e único álbum, homónimo, lançado este ano. A ter de escolher um som dominante será o pós-rock, com o crescendo musical de que a canção de despedida, “Out to Sea”, é um bom exemplo.

Foi um dos momentos mais fortes do espetáculo, mas não se pode dizer que a atuação dos cinco músicos tenha deixado o público em êxtase — na verdade, poucos pareceram conhecer as canções, embora os que ali estavam se tenham deixado ficar, expectantes. Pequenas vitórias para um coletivo habituado a maior reconhecimento nos seus outros projetos. [SOC]

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Best Youth

Com os portugueses Best Youth, sabe-se sempre com o que contar — as danças de Catarina, o abanar de cabeça, as luzes psicadélicas dispostas em círculo e aquele indie pop que fica no ouvido. Presença assídua em qualquer evento musical com o cunho Vodafone, a banda do Porto é sempre uma aposta segura, capaz. E isso notou-se. Afinal, quando subiram ao palco (já depois das 21h), o recinto já estava bem composto e foram eles que receberam a primeira grande ovação da noite. A ajudar à festa, estava o resultado da bola — o FC Porto tinha empatado.

Mas não se pode dizer que o concerto tenha trazido algo de novo. O alinhamento, feito de temas retirados sobretudo do álbum de estreia, Higway Moon (2015), teve os hits do costume, como “Hang Out”, e a cover “Never Tear Us Apart”, dos australianos INXS. No final das contas, foi difícil não ficar com a ideia de que cada concerto de Best Youth é uma repetição do anterior. Talvez mais afinado, é certo, mas sem muito para acrescentar. Igual a muitos outros. [RC]

A noite fechou com outra banda repetente em Paredes de Couta (são muitas as do cartaz deste ano). Os Orelha Negra continuam uma referência no panorama funk, soul e hip hop português, uma classificação ainda assim apertada, tal é a mistura de géneros e estilos que cabem naquela música. Foram uma máquina sempre afinada que fechou esta primeira noite, com brio mas sem grande brilho. Foi o primeiro dia, foi para aquecer.