Regresso a Ítaca

Um realizador francês, Laurent Cantet, filma em Cuba um émulo local de “Os Amigos de Alex”, de Lawrence Kasdan, com tintas mais sombrias e pessimistas do que este, porque as personagens vivem num regime concentracionário miserabilista e não numa democracia permissiva e consumista.

Escrito pelo autor de “A Turma” e pelo grande romancista cubano Leonardo Padura, “Regresso a Ítaca” passa-se ao longo de quase 24 horas no terraço de uma casa de Havana, onde quatro velhos amigos – uma oftalmologista, um pintor, um engenheiro que trabalha clandestinamente e um quadro do partido novo-rico – celebram o regresso a casa de um quinto, escritor que fugiu ao castrismo, esteve exilado em Madrid durante 16 anos e chegou a comer o pão que o diabo amassou. À medida que as horas passam e o “whisky” corre, as histórias alegres dos bons velhos tempos vão dando lugar aos problemas, às amarguras e às recriminações de cada um. A conversa azeda, diz-se o que não se queria dizer e revela-se o que não era para ser revelado.

“Regresso a Ítaca” não se esquiva a alguns lugares-comuns do filme de “balanço de vidas e de geração desperdiçadas”, mas Cantet e Padura extraem o máximo de dramatismo do falhanço pessoal e coletivo das personagens, tornado ainda mais terrível por ter sido causado por um regime ditatorial que cerceou esperanças, desfez sonhos, abafou vocações, semeou desilusões, afastou amigos e separou familiares.

O Demónio de Néon

O novo filme de Nicolas Winding Refn junta o exibicionismo estilístico oco e “poseur” de “Drive-Risco Duplo” com o “gore” descaradamente absurdo de “Só Deus Perdoa”, multiplica-os por dez, acrescenta-lhes “lesbian chic”, necrofilia, canibalismo e uma atmosfera surreal-policial mal decalcada de David Lynch. O resultado é uma mixorofada preciosa e desastrosamente hilariante, sintetizada na sequência em que uma das “top models” canibais vomita um olho humano e a seguir rasga a barriga com um instrumento cortante.

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Realizado com uma impassibilidade gelada e distante, como se fosse uma longa publicidade para uma marca de luxo, “O Demónio de Néon” passa-se em Los Angeles, no rarefeito ecossistema da moda e da beleza fabricada a golpes de bisturi. Elle Fanning é uma adolescente etérea e belíssima, “descoberta” do dia para a noite pela indústria dos corpos perfeitos e dos rostos sobrenaturalmente bonitos, e que é literalmente devorada por ela.

Refn está tão cheio de si que assina com as iniciais – NWR – no genérico, como se fosse uma “griffe”, e pretende que a fita seja uma alegoria tão elaborada quanto chocante sobre os horrores e abusos físicos e morais do mundo da moda e da beleza forçada e mantida artificialmente, só que se espalha ao comprido com estrondo. “O Demónio de Néon” é de um absurdo, de uma pretensão e de um ridículo insondáveis.

A Vida Secreta dos Nossos Bichos

Antecedido por uma nova e esfuziante curta dos Minions, esta longa-metragem digital e em 3D realizada por Chris Renaud e Yarrow Cheney pega na ideia de “Toy Story” e transporta-a para Nova Iorque, substituindo os brinquedos que ganham vida por animais falantes, e revelando o que eles fazem quando os donos saem de casa para ir trabalhar: metem-se em confusões. Dois cães, Max e Duke, rivalizam pelas atenções da sua dona e pelo domínio territorial do apartamento onde vivem, e acabam sem coleiras e perdidos em Brooklyn. Os seus mimados vizinhos de quatro patas e duas asas partem em socorro deles, seguindo-se um estouro da bicharada que deixa a cidade de pantanas.

Embora não atinja a qualidade de uma produção da Disney/Pixar, o “padrão de ouro” da grande animação, esta fita da produtora independente Illumination Entertainment mesmo assim apresenta suficientes argumentos para se qualificar como um divertimento de verão mais do que aceitável. “A Vida Secreta dos Nossos Bichos” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.