E lá chegou quinta-feira, o dia mais aguardado da edição deste ano do Festival Paredes de Coura. O motivo? LCD Soundsystem. Os nova-iorquinos subiram ao palco já depois da meia-noite, no final de um dia longo com muitos concertos, boa música e agradáveis surpresas. E banhos no rio Coura, claro. Contas feitas de outra maneira: a banda de James Murphy foi a cereja no topo de um bolo com muitas e boas camadas.

Se quando às 18h Ryley Walker subiu ao palco encontrou apenas um punhado de gente, bem que podemos culpar o Coura. A tarde quente pedia uma “viagem” de barco, uma sombra fresca e uma imperial com os amigos. Os concertos tinham de ficar para depois.

De guitarra ao ombro, o norte-americano não teve outro remédio senão se contentar com uma pequena multidão pouco animada, refastelada na relva verde. Aqui e ali, uma cabeça ia abanando ao som da guitarra melodiosa, acompanhada pelo baterista Gabriel Ferrandini e por um baixista bem português (de Lisboa), mas pouco passou disso.

A verdade é que as músicas escolhidas para o concerto de abertura do palco principal, longas e muitas vezes sem voz a acompanhar, também não pediam festa — pediam contemplação. E foi isso que Ryley Walker teve. [RC]

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Sleaford Mods

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“Nottingham duo Sleaford Mods are Britain’s angriest band”, escreveu o britânico The Guardian. É fácil constatar que sim, é verdade. Patrões, a sociedade, uma Inglaterra xenófoba, vai tudo corrido a insulto e indignação.

Há quem veja em Jason Williamson o porta-voz da classe trabalhadora do Reino Unido. Para os festivaleiros portugueses não deve ser fácil acompanhar as letras, ditas (pouco cantadas) com um sotaque carregado. Mas vale a pena procurar as letras e perceber as mensagens.

O projeto Sleaford Mods teve origem em Nottingham, em 2007, e tem como figura fundadora e principal o vocalista, a quem se juntou Andrew Fearn (em 2012), o músico que libertou espaço a Jason para se dedicar totalmente às palavras. Em palco são uma presença estranha, um casamento de conveniência em que parece que só um é que trabalha.

Ilustra-se assim: Jason fala (canta? grita?) para o microfone que agarra com força, Andrew pressiona no “enter” do computador que está em cima de um caixote, no meio do palco, no início de cada música que Jason vai ter de cantar. O resto do tempo, passa-o de mãos nos bolsos. Só vendo.

O mais curioso é a força que sai daqueles dois ali, abandonados no palco imenso. Os Sleaford Mods têm uma energia fantástica e a acidez do vinagre. Fazem lembrar (muito!) os The Streets de Mike Skinner (por alturas de Original Pirate Material, de 2002), no tom e na agressividade, mas são mais rápidos.

Os Sleaford Mods demonstraram neste início de noite porque é que o álbum Key Markets (2015) foi um disco que recebeu muitas estrelas e nomeações. Não se percebe uma palavra, mas aquela “raiva” é contagiosa. E, neste caso, deliciosamente cáustica. [SOC, PE]

Joana Serrat

Ainda Ryley Walker tocava os últimos acordes e já Joana Serrat estava em cima do palco, na outra ponta do recinto. Sorriso fácil, franja a tapar os olhos, foi difícil não cair de amores pela compositora de Vic, Catalunha. Uma das surpresas do Palco Vodafone FM, Serrat apresentou um concerto intimista, sincero. Como ela própria.

O alinhamento seguiu, sobretudo, o fresquíssimo Cross the Verge, lançado neste mesmo ano e gravado num estúdio analógico, o Hotel2tango no Canadá. Um álbum que fala de perda, mas também de honestidade. Porque às vezes tem de se “perder tudo” para se seguir o “caminho da música ou outro qualquer”, como ela própria referiu. Para se seguir o caminho certo.

Em palco, músicas como “Saskatoon” ou “Lonely Heart Reverb” ganharam uma nova vida — mas sem perder nada. De guitarra ao ombro, Joana Serrat mostrou o porquê de ser considerada uma das melhores vozes da folk de raiz americana. Talvez as palmas devessem ter sido mais. [RC]

Bed Legs

Whitney tinha tudo para ser bom. Criada pelos ex-membros dos Smith Westerns, no final de 2014, a banda lançou no ano passado o primeiro álbum de originais, Light Upon the Lake, bem recebido pela crítica. O seu indie rock, com traços de psicadélico, é clássico e moderno ao mesmo tempo e é capaz de fazer as delícias de um público de gostos variados.

Apesar da simpatia de Julien Ehrlich (que para além dos Smith Westerns, também passou pelos Unknown Mortal Orchestra), que falou pelos cotovelos sentado atrás da sua bateria, o concerto foi morno. Talvez tenha sido por isso que, quando os Bed Legs chegaram ao Palco Vodafone FM, uma multidão tenha decidido trocar o palco principal pela outra ponta do recinto.

A escolha foi legítima. Talvez desconhecidos para muitos, os bracarenses Bed Legs foram, sem sombra de dúvidas, uma das grandes revelações deste segundo dia de festival. Quem passou pelo Palco Vodafone FM por volta das 20h, teve direito a assistir a um verdadeiro concerto de Rock ‘N’ Roll, com maiúscula. Rápido, imparável.

“Como é Paredes de Couraaaa? Estamos prontos para rockaaarrr?”, gritou o vocalista, Fernando Fernandes. E Paredes parecia estar. À media que os temas de Black Bottle, o primeiro álbum de originais, iam sucedendo uns aos outros, o número de cabeças a abanar ia aumentando. Houve saltos, cabeças a rolar, crowdsurfing — dos espectadores e de Fernando, que não parou durante um segundo, diabólico.

No final, os Bed Legs foram para casa com a maior salva de palmas da tarde. Nada mau para uma “banda de garagem”. [RC]

Shura

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Coube a Aleksandra Denton (Shura, em russo, é o diminutivo do primeiro nome), estar no Vodafone Paredes de Coura para substituir Sharon Jones. “Foi um sorte”, terão pensado muitos dos que conhecem e se encantam com o single “Touch”, de 2014, uma canção pop lamecha que foi uma bala na carreira da jovem artista (tem 25 anos). Shura fez questão de o dizer: “A última vez que cá estive [em Portugal] foi há dois anos. E só tinha duas canções!” [risos]. Hoje tem um álbum inteiro, editado no início de junho.

Nothing’s Real foi por isso, sem surpresa, a base da atuação (curtinha) no palco secundário. Foi inteligente na escolha, selecionou os temas que melhor ilustram aquilo que diz ser um disco de canções sobre o que é sentir-se “velho” aos 25 anos, letras desgraçadas vestidas com música para dançar (ou abanar), como nos explicou esta tarde, em entrevista.

O tema que dá nome ao disco logo a abrir e a longa-metragem “White Light” a fechar, foram momentos altos. Pelo meio cantou “Touch”, a tal balada fulminante – mas que não faz justiça ao disco. Já trata a canção por tu, sabe que é a que o público melhor conhece e gozou com isso, improvisou, deixou-se levar pelo riso no meio das frases e, para provar que dos dramas também se fazem festas, desceu ao fosso para cumprimentar os fãs.

Mas se ao vivo a música está no ponto, a voz não, precisa de treino. O elevado nível de produção do álbum faz com que seja difícil chegar a alguns tons, o que deixa um sabor a pouco. Shura esteve bem-disposta, divertiu-se e divertiu as muitas pessoas que tinham as letras na ponta da língua, deu para aquecer. E vai voltar mais vezes.

Thee Oh Sees

Os Thee Oh Sees já não são nenhuns estranhos. A banda de garage rock passou por Paredes de Coura há exatamente dois anos (mas pelo palco secundário), depois do que parecia (e deveria) ser uma pausa sem fim certo. Tinha então saído Drop, álbum gravado num antigo armazém de bananas. Um dos muitos de uma discografia que já vai longa.

Desde então, pouco parece ter mudado. A energia continua a mesma, não fosse a banda de John Dwyer conhecida pelas atuações explosivas, sem travão. É, aliás, assim que vale a pena ver os Thee Oh Sees — ao vivo, a destilarem rock puro e duro.

Com um novo álbum na manga, A Weird Exits, lançado a 12 de agosto, o concerto incluiu alguns temas novos, muito mosh, crowdsurfing e uma nuvem de pó que mal deixava ver o palco. O ar podia estar irrespirável para os lados do Palco Vodafone, mas os fãs não pareciam importar-se. Até ao fim, não pararam quietos nem um segundo. E a banda de São Francisco também não.

Em 2017, os Thee Oh Sees completam 20 anos. É um número grande, mas que não parece pesar. A verdade, é que continuam tão jovens e cheios de energia como em 1997. Esperamos que estejam para durar.