Só apareceu mais de duas horas depois de terminada a corrida, na qual ganhou a nona medalha de ouro. Estava aliviado, sorridente. E farto, farto das entrevistas. Usain Bolt explicou aos jornalistas na zona mista que foram precisas muitas lágrimas e suor para chegar onde chegou. Sacrificou muito, garante. E deixou poucas dúvidas: “Foi a última vez, malta, desculpem…”

O jamaicano é o homem mais rápido da história do atletismo. Ganhou nove medalhas de ouro em três edições de Jogos Olímpicos (2008, 2012 e 2016). Ou seja, ganhou sempre 100m, 200m e 4x100m. O Observador esteve na zona mista e ouviu os desabafos do homem que iguala as medalhas de ouro de Larisa Latynina, Mark Spitz, Carl Lewis e Paavo Nurmi.

“Sou o maior”, ouviu-se mais do que uma vez. “Maior” é uma palavra que em português não soa tão bem quanto o sedutor “greatest”, que nos leva para os tempos de Muhammad Ali, o pugilista que era apaixonado pelo espelho. Bolt avisara, aliás, que deseja ser enfiado no mesmo saco de Ali e Pelé, os grandes do desporto. “Estou feliz por ter concretizado tanto. Estou aliviado.”

E continuou: “Vou sentir falta do público. Não vou sentir falta destas entrevistas. Já dei umas 500 desde que cheguei aqui. Vou sentir falta do público, da energia e da competição. Adoro competir. Vou sentir falta disso tudo. Tem sido uma grande carreira, estou contente comigo. Nesta noite foi tudo especial. Como vos disse todas as épocas, eu gosto de competir com a equipa. Competir com os melhores da Jamaica é maravilhoso.”

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O atleta ia admitindo que sentia mixed feelings. “Sinto alívio porque foram muito stressantes, os anos que passei. Os problemas da lesão, tem sido muita coisa. Estou também triste, por ir [embora], por ser a última. Vou sentir falta da competição. São tantos os sentimentos que sinto agora…”

Bolt confidenciou que pediu à sua equipa para não lhe darem muito trabalho. Ou seja, para lhe fazerem a papinha toda. “Eles fizeram isso. Não tive trabalho, só corri até à linha.” Bom, isto aqui não é bem verdade. Quando o jamaicano recebeu o testemunho, a sua equipa ia praticamente lado a lado com os surpreendentes japoneses.

Jamaica's Usain Bolt competes in the Men's 4x100m Relay Final during the athletics event at the Rio 2016 Olympic Games at the Olympic Stadium in Rio de Janeiro on August 19, 2016. / AFP / Adrian DENNIS (Photo credit should read ADRIAN DENNIS/AFP/Getty Images)

(ADRIAN DENNIS/AFP/Getty Images)

A agitação era muita na zona mista. Uns acotovelavam-se, outros tentavam ganhar metros, como Bolt faz na pista. Muita gente queria tirar fotografias, até selfies. Ouve-se um estridente “We love youuuuuuu!”. Mais à frente, dançaria um pouco, quando um voluntário mete a tocar dancehall no telefone. O velocista ia cedendo, ia brincando, ia desfrutando naquela serpente que é a zona de entrevistas rápidas, que muitas vezes se torna um fardo para o atleta.

Bolt diz que competirá mais um ano, por isso como será regressar depois disto tudo? “Será difícil voltar, será difícil motivar-me para voltar. Mas tenho mais um ano para fazer. Não deixo os meus fãs desiludidos, por isso dou sempre o meu melhor.”

Olhando para trás, como é que o homem mais rápido de todos os tempos descreve os três Jogos Olímpicos em que reinou? “Nos primeiros eu estava feliz, nos segundos era um desafio e chegar aos terceiros é incrível. Espero ter colocado a fasquia alto o suficiente para ninguém chegar lá.”

E o que foi necessário para chegar ali? “Trabalho duro, homem, trabalho duro”, respondeu aos jornalistas. “E suor, e sacrifício. Sacrifiquei tanto… Passei tanto estes anos. Suor e lágrimas, homem”, diz, com um gargalhada suave e fugaz.

Ia brincando com os colegas, ia encontrando paciência para responder a mais uma pergunta. Até que chegou aquela que se impunha, a mais importante, a que vai prometer um atletismo órfão. Acabou, Usain? “Foi a última vez, malta. Desculpem…”