Preâmbulo

Gosto de caracterizar as eleições presidenciais americanas como o somatório de duas provas olímpicas de atletismo brutalmente competitivas.

A primeira prova é uma maratona, onde durante o longo processo das primárias, num período de cerca de 12 meses, os candidatos a candidatos disputam o apoio político, mas também o apoio económico dos respetivos partidos. Nesta fase, os candidatos devem “provar”, sobretudo, a capacidade para exercerem o cargo máximo, i.e., serem fit for the job.

Finda a maratona, inicia-se sem compasso de espera uma segunda prova – os 400 metros barreiras. Esta prova começou no final de julho (após as convenções partidárias) e terminará no dia das eleições – 8 de Novembro. O objetivo fundamental dos candidatos é agora o de passar a mensagem ao eleitorado (e financiadores) de serem the best person for the job.

Neste artigo, que é o primeiro de uma trilogia, faço um exercício especulativo sobre a capacidade de financiamento (fundraising) dos dois candidatos e o peso deste fator no desfecho eleitoral.

Novo ciclo político-económico

As eleições de 8 de novembro revestem-se de particular importância, não só porque se encerra o ciclo político do Presidente Obama, mas sobretudo porque o candidato republicano é Donald Trump.

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MESA, AZ - DECEMBER 16: Republican presidential candidate Donald Trump speaks to guest gathered during a campaign event at the International Air Response facility on December 16, 2015 in Mesa, Arizona. Trump is in Arizona the day after the Republican Presidential Debate hosted by CNN in Las Vegas, Nevada. (Photo by Ralph Freso/Getty Images)

O candidato presidencial norte-americano Donald Trump durante um discurso nas instalações do International Air Response em dezembro do ano passado. Créditos: Ralph Freso/Getty Images.

Qualquer que seja o resultado das eleições, haverá certamente alterações na condução das políticas económica e externa dos EUA. A mudança será menor se Hillary Clinton for eleita, prevendo-se que mantenha uma linha política de continuidade nos principais dossiers. Chegando Donald Trump à Presidência, assistiremos a um período inicial disruptivo, marcado por incerteza nas políticas públicas e que, seguramente, terá um impacto não negligenciável nos mercados financeiros globais. Creio, contudo, que mesmo neste segundo cenário, e passado o período inicial de acentuada volatilidade, os mercados financeiros acabarão por se ajustar à nova realidade.

Importância do fator fundraising

Para vencer as eleições, os candidatos terão de obter 270 votos no colégio eleitoral, o que implica uma disputa simultânea em 51 eleições (50 estados + eleição em District of Columbia). De acordo com as recentes sondagens e os resultados presidenciais de 2012, existem atualmente 11 swing states, estados com um desfecho eleitoral volátil que podem pender para qualquer dos candidatos. A contenda nos swing states é especialmente feroz, com um custo por voto bastante elevado. Estima-se que o investimento necessário para a gestão da campanha eleitoral de 2016 seja, para cada candidato, superior a 1000 milhões USD. Assim, como em qualquer negócio a operar em ambiente concorrencial, os candidatos têm de conseguir acesso adequado a capital para poder fazer face ao elevado nível de investimento necessário.

MILWAUKEE, WI - NOVEMBER 4: Citizens go to the cast their ballots at the South Shore Park building on election day November 4, 2014 in Milwaukee, Wisconsin. Republican Gov. Scott Walker is running in a tight race against Democratic opponent Mary Burke. (Photo by Darren Hauck/Getty Images)

Cidadãos de Milwaukee preenchem boletins de voto em South Shore Park nas eleições em 4 de novembro de 2014.

O fundraising dos candidatos, não obstante a relevância de outras variáveis também explicativas do resultado final, poderá ter um caráter determinante nestas eleições. Historicamente, este fator não é o único que explica o vencedor mas tem sido um indicador avançado merecedor de atenção.

Ao analisar os dados do Centre for Responsive Politics , relativos ao montante utilizado pelos candidatos eleitorais desde a eleição presidencial de 1980, infiro o seguinte:

  1. Desde de 1980, há apenas duas ocasiões em que os candidatos com mais financiamento perdem as eleições: em 1996, com a reeleição de Bill Clinton; e em 2012 com a reeleição de Barack Obama. Todavia, nestas situações, houve a “vantagem do incumbente”, uma vez que os presidentes em exercício se recandidataram. Acresce que, mesmo nestes casos, não há uma discrepância significativa nos montantes gastos na campanha dos dois candidatos, o incumbente e o challenger
  2. Em eleições verdadeiramente competitivas, onde não há um incumbente na corrida, quem investe mais na campanha tem vencido as eleições. São paradigmas de tal as eleições de 2000, onde George W. Bush venceu contra todas as expectativas, bem como as de 2008, onde Barack Obama, apesar de parecer ter menos apoio económico, acabou por recolher e investir mais do dobro do seu opositor, John Mcain, e ser eleito.
WASHINGTON - JUNE 25: U.S. President Barack Obama (L) delivers remarks after a meeting with a bipartisan group of Senators and members of Congress, including Sen. John McCain (R-AZ) (R), in the State Dining Room at the White House June 25, 2009 in Washington, DC. Obama hosted the bipartisan group of Senate and House members to begin a dialogue on immigration with the hope of starting the debate later this year. (Photo by Chip Somodevilla/Getty Images)

Barack Obama com o deputado John McCain. Créditos: Chip Somodevilla/Getty Images

Ano Partido Republicano Partido Democrata
1980 Ronald Reagan Jimmy Carter
57.7 49
1984 Ronald Reagan Walter Mondale
67.5 66.5
1988 George H. W. Bush Michael Dukakis
80 77.3
1992 George H. W. Bush Bill Clinton
92.6 92.9
1996 Bob Dole Bill Clinton
110.2 108.5
2ooo George W. Bush Al Gore
172.1 127.1
2004 George W. Bush John Kerry
367.2 328.5
2008 John McCain Barack Obama
350.1 745.7
2012 Mitt Romney Barack Obama
1254.3 1144.9

Estratégia e resultados

Cumpre agora analisar a estratégia e capacidade de fundraising de Hillary Clinton vs. Donald Trump.

EXETER, NH - AUGUST 10: Democratic presidential candidate Hillary Clinton takes questions from reporters following a town hall meeting at Exeter High School August 10, 2015 in Exeter, New Hampshire. Clinton answered questions about Donald Trump's recent comments regarding women. (Photo by Darren McCollester/Getty Images)

Hillary Clinton, candidata democrática à presidência dos EUA, responde a perguntas dos jornalistas no Liceu de Exeter. Créditos: Darren McCollester/Getty Images

Hillary delineou e executou a sua estratégia de fundraising ao nível de um CFO de uma empresa do S&P500. Iniciou o processo muito cedo (2015), diversificou fontes de financiamento (obteve contribuições de empresas e de apoiantes individuais) e setores económicos. Não foi uma mera casualidade o facto de um dos primeiros endorsements à sua candidatura ter sido feito por Warren Buffet, tendo assim o mítico investidor se apresentado como avalista da credibilidade política e solidez financeira da campanha. Até 21 de julho de 2016 (segundo o Centre for Responsive Politics), Hillary Clinton já tinha levantado 374.585 milhões de USD.

Por sua vez, Donald Trump desenhou uma estratégia de financiamento ao estilo de um concorrente do Shark Tank: pôs algum capital próprio inicial; conseguiu licenciar uma patente – posteriormente e com a patente concedida, montou um pitch eficiente e ficou à espera do investimento de um venture capitalitst. Resumindo, o objetivo de Trump era conseguir vencer as primárias do partido republicano, usando algum capital próprio e vendendo a ideia de não precisar de financiamento, por ser bilionário. Tentaria, após obter a nomeação do partido, expandir a sua base e fontes de financiamento. A sua estratégia funcionou na primeira parte; porém, na segunda, os resultados têm sido desastrosos: até 21 de julho de 2016 (segundo o Centre for Responsive Politics) Donald Trump tinha arrecadado somente 97.298 milhões de USD.

Conclusão

Se o perfil de fundraising se mantiver durante os próximos 3 meses, não existindo um evento extremo que condicione o curso da campanha, parece-me que podemos antecipar quem será o próximo inquilino da Casa Branca.

Carim Habib, Managing Partner Dolat Capital