Lucy, a “avó da humanidade”, pode ter morrido na sequência de uma queda de uma árvore, há mais de três milhões de anos. É o que revelam as conclusões de um estudo, publicado esta segunda-feira na revista científica Nature, em que foram analisados novamente os ossos do mais famoso antepassado humano do mundo. Os investigadores que conduziram a investigação afirmam que as fraturas dos ossos de Lucy são consistentes com as encontradas em humanos que sofrem quedas de alturas elevadas, mas há quem esteja cético e considere que em três milhões de anos pode acontecer muita coisa a um esqueleto.

Quem é Lucy?

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Trata-se do esqueleto de australopiteco mais completo alguma vez descoberto (foram recuperados cerca de 40% dos ossos). Foi descoberto em 1974 na Etiópia, e batizado por causa da música Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, que os investigadores ouviram no acampamento, à noite, para celebrar a descoberta.

John Kappelman, antropólogo da Universidade do Texas que liderou o estudo, explicou ao The Guardian que “a consistência do padrão das fraturas com o que verificamos em vítimas de quedas leva-nos a propor que foi uma queda a provocar a morte de Lucy”. O cientista acrescentou ainda que “os ferimentos foram tão graves que provavelmente ela morreu muito rapidamente depois da queda”.

Kappelman já tinha estudado o esqueleto de Lucy antes, mas, após analisar alguns raios-x dos seus ossos, decidiu propor uma nova explicação para algumas das fraturas. Grande parte delas estavam descritas como resultantes dos próprios processos de fossilização e erosão, mas o antropólogo preferiu investigar outras possibilidades. Kappelman juntou-se a Stephen Pearce, um cirurgião ortopédico, e a dupla descobriu em pelo menos uma dezena de ossos, incluindo no crânio, na espinha, nos tornozelos, nas canelas, nos joelhos e pélvis, fraturas que podem ser explicadas por uma queda de uma altura elevada.

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Modelo mostra o movimento provável da queda de Lucy.

Os investigadores tiveram de pedir autorização ao governo da Etiópia para, no final de uma exposição em Houston, levarem o esqueleto para a Universidade do Texas. “Em segredo, por motivos de segurança”, explicou Kappelman à BBC. “Analisámos tudo. Trabalhámos 24 horas por dia, sete dias por semana, durante dez dias seguidos, sem pausas”, contou o cientista, sublinhando a importância das imagens recolhidas. “Permite-nos, literalmente, olhar para o interior de rochas mineralizadas e ossos. A Lucy, por muito que a adoremos, é uma rocha. Está completamente mineralizada”, afirmou.

HOUSTON - AUGUST 28: The 3.2 million year old fossilized remains of "Lucy", the most complete example of the hominid Australopithecus afarensis, is displayed at the Houston Museum of Natural Science, August 28, 2007 in Houston, Texas. The exhibition is the first for the fossil outside of Ethiopia and has generated criticism among the museum community and others that believe the fossil is too fragile to be moved from it's home country. (Photo by Dave Einsel/Getty Images)

O esqueleto de Lucy em exposição do Museu Nacional da Etiópia. (Dave Einsel/Getty Images)

Outros cientistas, contudo, mostraram-se céticos em relação à descoberta. Ao The Guardian, o paleoantropólogo Donald Johanson disse que “há uma miríade de explicações para a fratura dos ossos”. Para este investigador, “a sugestão de que ela caiu de uma árvore é sobretudo apenas uma história, que nem é verificável ou falsificável, e, por isso, impossível de provar”. Outro paleoantropólogo, Tim White, da Universidade da Califórnia, ironiza a descoberta: “Se os paleontólogos aplicassem a mesma lógica aos mamíferos cujos ossos fossilizados foram distorcidos por forças geológicas, iríamos ter todos os animais, desde gazelas a hipopótamos, rinocerontes ou elefantes a trepar e a cair de árvores altas”.

Mas John Kappelman mantém a tes, e explica que, “com base na literatura clínica, estes são traumas severos”. “Não conseguimos descobrir uma teoria razoável que explique que estes ossos possam ter sido partidos postmortem [depois da morte] com os ossos na superfície, ou com o corpo a ser pisado. Se o cadáver fosse pisado, os ossos iriam partir-se de forma diferente, e não de forma compressiva”, explica o investigador, que mesmo assim não convence os mais críticos. Reconhece, ainda assim, que a explicação poderá não ser definitiva: “Nenhum de nós viu Lucy a morrer”.