Volta e meia acontece: Eddie Murphy ameaça voltar em força. Voltar à comédia de stand-up, que abandonou nos anos 1980, quando era uma das maiores estrelas que essa arte já conheceu. Ainda não houve nada de definitivo mas, numa entrevista recente ao jornal The Hollywood Reporter, o cómico e ator anunciou que estava a pensar fazê-lo. Mas atenção: isso poderá não acontecer. O mundo já ficou desapontado antes: em 2011, quando era suposto Murphy preparar a cerimónia dos Óscares do ano seguinte, desistiu por causa de uma polémica sobre homofobia. Em 2013, disse a Ellen Degeneres que já não queria fazer filmes “abaixo do talento” dele:

É que, durante um período no início dos anos 1980, e intermitentemente nas décadas seguintes, Eddie Murphy foi uma força cómica sem rival. Em palco, na televisão e no cinema. Apesar de ter continuado, ao longo dos anos, a mostrar exemplos de quanta piada podia ter, é seguro dizer que o cómico nunca mais foi o mesmo. Aqui ficam alguns dos momentos que provam o talento de Murphy, mesmo que uns quantos não tenham envelhecido particularmente bem.

No “Saturday Night Live”

Em 1980, Lorne Michaels, o criador de “Saturday Night Live”, abandonou a série e, com ele, o elenco original também se foi embora. Os cinco anos que se seguiram até ao regresso de Michaels aos comandos são amplamente considerados os piores anos de sempre da instituição cómica que dura até hoje. Mas são notórios por uma razão: foram os tempos de Eddie Murphy no elenco, não só a maior estrela que de lá saiu, mas uma das maiores e mais bem sucedidas estrelas de cinema do mundo. Ele e Joe Piscopo, com quem contracenava regularmente, foram os únicos atores sobreviventes nesse primeiro ano. Murphy é geralmente visto como a salvação de “Saturday Night Live” durante esses tempos — se não fosse ele, um cancelamento teria sido provável.

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A contrato

Antes disso, Murphy fazia comédia em clubes nova-iorquinos enquanto trabalhava numa sapataria. Segundo a lenda, o jovem cómico juntou-se ao programa porque convenceu Neil Levy, coordenador do elenco, que tinha vários irmãos para alimentar (na verdade, Murphy tem um irmão, Charlie, célebre pelas participações em “Chappelle’s Show”, e um meio-irmão). Doumanian não lhe queria dar o trabalho porque já tinham uma pessoa negra, Robert Townsend, no elenco (como se só pudesse haver uma de cada vez) e Murphy impressionou tanto que Townsend foi despedido. No início de 1981, o cargo de Murphy, que aos 19 anos era a pessoa mais nova a ter entrado para o programa, era o de ator recorrente, membro não-efectivo do elenco. Pelo menos até 10 de janeiro desse ano, quando um buraco de cinco minutos no programa levou Murphy a subir ao palco para apresentar um pouco do seu espectáculo de stand-up. Semanas depois era efetivo.

“The Big Laff Off”

No mesmo ano, Eddie ficou em último lugar numa competição de televisão por cabo chamada “The Big Laff Off”. Aqui está um excerto da parte do jovem cómico, com momentos que viriam a ser retrabalhados e expandidos na sua stand-up futura, mas com uma energia um pouco mais contida do que aquela que aparece nos filmes-concerto ainda por vir – já para não dizer vestido de uma maneira bem mais convencional –, apesar de o carisma estar todo lá. Há imitações de gente como Bill Cosby – numa altura em que isso significava algo diferente do que agora – ou Stevie Wonder.

Uma questão de cor

O próprio “Saturday Night Live” tem uma playlist no YouTube com 124 vídeos dos tempos em que Murphy passou pelo programa, com personagens recorrentes e imitações de James Brown, Muhammad Ali, Bruce Lee, Mr. T, Michael Jackson, Sammy Davis Jr. ou Bill Cosby. Neste clássico, uma curta-metragem escrita por Andy Breckman – que viria a co-criar a série “Monk”), Eddie Murphy faz uma falsa investigação sobre racismo, com a cara pintada de branco pelas ruas de Nova Iorque – na altura, diz-se, Murphy, mesmo sendo uma estrela, tinha mais dificuldade em chamar um táxi na rua do que os seus colegas do “Saturday Night Live”.

Com Nick Nolte

A estreia de Eddie Murphy no cinema fez-se em 1982, com “48 Horas”, de Walter Hill, ao lado de Nick Nolte. Murphy, a fazer de Reggie Hammond, um ladrão que é posto em liberdade durante dois dias (daí o nome) para ajudar um polícia de São Francisco, não aparece no filme desde o início, mas a introdução memorável, com óculos de sol, auscultadore e a cantar bem alto “Roxanne”, dos Police. Há muitos outros momentos memoráveis (como este), mas é uma introdução digna de uma estrela.

Febre de sábado à noite

Os colegas de Murphy em “Saturday Night Live” não ficaram nada contentes quando em dezembro desse ano o cómico substitui precisamente Nick Nolte (doente) na apresentação do programa. Tornava-se assim no primeiro membro do elenco a ocupar o lugar de anfitrião. Dois anos depois, Murphy abandonaria o elenco para se dedicar mais ao cinema, tendo voltado nesse mesmo ano para apresentar mais uma vez e gozar com o quão mau tinha sido “Best Defense”, o filme que tinha protagonizado com Dudley Moore. E não regressou durante muito tempo, algo que foi certamente agravado quando, em 1996, David Spade chamou-o de “estrela caída” por causa do insucesso de “Vampiro em Brooklyn”. Regressou ao “Saturday Night Live” no ano passado, quando fez uma breve aparição — com muito pouca piada — no aniversário de 40 anos do programa.

“Delirious”, 1983

No mesmo ano em que chegou aos cinemas “Os Ricos e os Pobres”, o filme que o juntou pela primeira vez a John Landis (que lhe viria a realizar “Um Príncipe em Nova Iorque” e o terceiro “Caça-Polícias”), saiu também o primeiro especial de comédia de Murphy, pela HBO. Gravado em Washington, “Delirious” também foi editado em disco com o nome “Comedian” e ganhou um Grammy. O especial contém várias piadas sobre homossexualidade e sida, nenhuma delas particularmente benigna. Anos depois, em 1996, o cómico pediu desculpa pela “dor causada a quem se tinha sentido insultado”.

https://www.youtube.com/watch?v=hi8vJhoPGE8

“Raw”, 1987

Depois do sucesso de dois “Caça-Polícias”, “Eddie Murphy Raw”, de 1987, tornou-se no mais bem sucedido filme de stand-up de sempre. O realizador foi Robert Townsend, que Murphy substituiu no “Saturday Night Live”. A atuação foi gravada no Felt Forum, dentro do Madison Square Garden. No início há um sketch sobre a família – um Samuel L. Jackson pré-fama faz de tio – e mostra um cómico tremendamente magnético, a falar mais sobre sexo do que antes. Com 223 usos da palavra “fuck”, foi, até ao lançamento de “Tudo Bons Rapazes”, três anos depois, a longa-metragem estreada nas salas de cinema com mais recurso ao dito palavrão. Não voltou a fazer stand-up de forma significativa desde então. Ao que parece, o artista tem saudades. É esperar que aconteça.

https://www.youtube.com/watch?v=1DZJTfWb1UQ