“Cartas da Guerra”

A escrita torrencial, movediça, prolixa e em jiga-joga espacio-temporal de António Lobo Antunes não é nada amiga do cinema. Tentar tirar um filme de um livro dele é uma empresa temerária que pode não dar os resultados pretendidos, como se viu em “A Morte de Carlos Gardel”, de Solveig Nordlund. Ivo M. Ferreira absteve-se de lhe ir às ficções e apontou antes à epistolografia, elaborando, com Edgar Medina, um argumento a partir de “D’este viver aqui neste papel descripto”, a antologia das cartas que o escritor enviou à mulher, Maria José, nos primeiros anos da década de 70, quando era alferes médico e cumpria o serviço militar em Angola, e a que foram acrescentados excertos de outras obras suas. Miguel Nunes interpreta o autor, e Margarida Vila-Nova a sua mulher, que, grávida, recebe em Lisboa as missivas enviadas pelo marido, que são tanto para ela como para o bebé por nascer, e se ouvem continuamente em “off”.

O filme foi rodado em Angola, a preto e branco (um magnífico trabalho de fotografia de João Ribeiro), e a recriação do ambiente e do quotidiano na base onde o jovem alferes foi colocado é realista e muito convincente, na modorra como nos momentos de alerta. Inevitavelmente, e desde muito cedo, as palavras de Lobo Antunes tomam conta do filme, porque não há conflito, não há interação dramática, praticamente não há atividade narrativa e as personagens são quase todas baças, com duas ou três raras exceções (o capitão do reviralho que simpatiza com o autor, o militar africano), mas mesmo assim ficam apenas como esboços. A atitude reverencial do realizador para com a matéria literária de que se alimenta, e que abordada de outra forma poderia ter sido o ponto de partida para um filme totalmente diferente, transforma “Cartas da Guerra” num trabalho ilustrativo submetido ao verbo alheio, uma sucessão de “quadros vivos” soberbamente elaborados do ponto de vista visual, tutelados por uma voz “off” que não se cala. E de que acabamos por nos fartar, por mais líricas, magoadas, justas, pessimistas, apaixonadas ou ridículas de pegajosas sejam as cartas que lê.

“Florence, uma Diva Fora de Tom”

Meryl Streep está nas suas sete quintas, solidamente brilhante, convincentemente metida até à medula da personagem de Florence Foster Jenkins, uma milionária e “socialite” da Nova Iorque das primeiras décadas do século XX, grande melómana, pianista-prodígio na juventude e benfeitora do mundo musical, mas que vivia na ilusão – uma ilusão alimentada pelos que a rodeavam, fosse por amor, por consideração ou por interesse – de que era uma grande cantora lírica, quando na verdade desafinava pavorosa e indescritivelmente. Gravou discos pagos do seu bolso, deu um célebre recital no Carnegie Hall e tornou-se num fenómeno de culto ainda em vida, uma “anti-diva” plebiscitada por nomes como Caruso, Toscanini ou Cole Porter. Stephen Frears conta a sua história em “Florence, uma Diva Fora de Tom”, interessando-se pela história humana para lá da dimensão cómica e ridícula da personagem, tal como na sua interpretação Streep (que também “canta”) calibra o patético e o dramático. Hugh Grant vai surpreendentemente bem na figura do marido leal e protetor de Florence, enquanto que Simon Helberg, o “Howard” de “A Teoria do Big Bang”, lhes dá boa réplica na figura do pianista lingrinhas adepto de musculação, contratado para acompanhar Florence.

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“Ben-Hur”

A terceira versão cinematográfica do livro de Lew Wallace, depois da superprodução muda realizada por Fred Niblo em 1925, e do monumental “remake” de William Wyler em 1959, que ganhou 11 Óscares e salvou a MGM da bancarrota. Realizado por Timur Bekmambetov, este novo “Ben-Hur” parece uma versão “Readers’s Digest”, atabalhoadamente condensada e mal amanhada, dos dois filmes anteriores, e com diálogos de uma comicidade involuntária, para além de truncar descaramente a história original. Falha com estrondo a erguer os dois grandes esteios da narrativa, fortíssimos nas versões de Fred Niblo e William Wyler: por um lado, a espectacularidade grandiosa, pelo outro, a religiosidade piedosa, e o par de intérpretes principais não está à altura do que uma produção destas precisava. “Ben-Hur” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.