“As reações que estamos a ter já fazem do festival um êxito”, afirma Daniela Ribeiro, em entrevista ao Observador. “Queremos ir além do nosso círculo de amigos e das pessoas politicamente engajadas. Faz sentido chegar a outro público, não só o que frequenta os circuitos culturais. Às vezes pensamos que as pessoas da cultura estão mais sensibilizadas para estes temas, mas há coisas que ainda precisam de ser discutidas”, reflete a produtora do Rama em Flor.

A primeira edição do festival arranca na quarta-feira, 7, e prolonga-se por dez dias em vários espaços de Lisboa: Galeria Zé dos Bois (ZDB), Damas, Lounge e Espaço Rua das Gaivotas 6. Trata-se de uma iniciativa “comunitária, feminista e queer” com “programação transdisciplinar e inclusiva”, classificam os organizadores,

Por entre inúmeras propostas musicais destaca-se a presença, como DJs, dos irmãos suecos Olof e Karin Dreijer, conhecidos como The Knife – cuja atitude é inspirada pelos movimentos feministas (dia 17, na ZDB, Rua da Barroca, Bairro Alto). Vão atuar separadamente, apresentando-se Karin (com “n”) sob o nome Karim & Karam (com “m”), um dos projetos paralelos que ela mantém.

[trabalho visual da videasta Cassie Raptor numa atuação recente de Karim & Karam]

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Rama em Flor é uma ideia de Daniela Ribeiro, de 35 anos, que habitualmente trabalha na ZDB como produtora e assessora de imprensa, e de Rodrigo Soromenho Marques, de 22, da produtora e agência de músicos Maternidade, estrutura informal e em rede, sem existência física.

Começaram a falar por volta de outubro do ano passado e trabalharam em conjunto com vários parceiros. Chegaram a pensar fazer o festival em julho, mas preferiram esperar por setembro para acrescentarem nomes ao programa e encontrarem o público mais disponível após as férias.

Ambos encaram esta primeira edição como um teste ao espaço que existe em Lisboa para um projeto destes. “A afluência conta, mas o lado qualitativo talvez conte mais, não estamos desesperados por ter um número ideal de participantes”, garante Rodrigo Soromenho Marques.

“É muito importante esta noção de festival comunitário, de juntar pessoas que estão isoladamente a trabalhar os mesmos assuntos. Até podem ter diferenças ideológicas, mas encontram aqui um espaço para o confronto de ideias”, destaca Daniela Ribeiro, certa de que o festival “dá mais visibilidade a cada pessoa e a cada tema”.

“É um apelo a uma participação ativa, queremos que as pessoas fiquem engajadas com os tópicos que propomos”, acrescenta o responsável pela Maternidade.

“Há vários grupos que se movem de maneiras diferentes, mas há um eixo comum e acredito que se houver união, não no sentido de concordância, mas se houver várias mentes e opiniões juntas, esse diálogo já vai ser feliz e rico”, acredita Rodrigo Soromenho Marques. “Muitos dos convidados não se conhecem, esta é uma oportunidade. Só o estarem fisicamente juntos, só essa cumplicidade, já acrescenta. As pessoas mantêm diálogos muito vivos na internet, a partir de casa, mas agora vamos falar publicamente, dando a cara e expondo”, sublinha.

Herdeiro assumido festival feminista norte-americano Ladyfest, Rama em Flor optou por ter identidade própria, talvez mais adaptada ao contexto lisboeta. O orçamento é baixo, dizem os organizadores, sem quererem revelar números. Preferem destacar o trabalho voluntário das muitas pessoas envolvidas e o não terem patrocinadores nem estarem associados a marcas comerciais. Daí o adjetivo “comunitário”.

O nome da iniciativa, segundo Rodrigo Soromenho Marques, surgiu “de forma muito orgânica” e remete para noções de profusão, feminino e visibilidade.

Em termos de cinema, a programação ficou a cargo do coletivo lisboeta Rabbit Hole. Será exibida, por exemplo, a curta-metragem “Rhoma Acans”, de 2012, sobre uma família de origem cigana (quinta, 8, 22h00, na ZDB). A realizadora é Leonor Teles, que se tornou notada no início deste ano ao ganhar o Urso de Ouro para a Melhor Curta no Festival de Cinema de Berlim.

Outro dos filmes é o mítico “Fatucha Superstar – Ópera Rock… Bufa”, realizado por João Paulo Ferreira em 1976. Uma visão irónica sobre os valores do Estado Novo, hoje considerada de temática queer (dia 15, 22h00, ZDB).

Nos debates, o mote “Arte e Feminismos” irá juntar à mesma mesa as historiadoras de arte Giulia Lamoni e Margarida Brito Alves, o artista plástico João Pedro Vale, a atriz e performer Mariana Tengner Barros, o crítico Nuno Crespo e a investigadora feminista Shahd Wadi (dia 15, 16h00, ZDB).

Ainda na música, as portuguesas Clementine, de Shelly Barradas e Lena Huracán, apresentam uma “verdadeira algazarra punk” (dia 9, 22h00, ZDB).

Nas exposições, é de referir “O Teu Corpo A Tua Arena”, coletiva de posters elaborados em torno da obra “Untitled (Your Body is a Battleground)“, que Barbara Kruger criou em 1989 (abre dia 11, às 17h00, na Rua das Gaivotas 6).

São nomes e temas “que muita gente prefere que estejam na sombra”, considera Rodrigo Soromenho Marques. “A temática homossexual já é aceite e vista como uma forma de liberalização, mas as identidades transgénero, o poliamor e várias manifestações não normativas da sexualidade ainda são abafadas, mesmo por parte do ativismo mainstream.”

O festival veio para “cruzar estas questões com outros temas, como a raça ou a classe socioeconómica”, acrescenta.