Há duplas para todos os gostos. Como duplas de avançados. Tomem o exemplo de Mancini e Vialli como referência. Os dois, alcunhados gémeos do golo pela empatia dentro e fora do campo, elevam a Sampdoria a um patamar nunca visto: vencem a Taça das Taças em 1990, sagram-se campeões de Itália em 1991 e atingem a final da Liga dos Campeões em 1992. Que trajeto, irra. Também há duplas de reforços. Como Yuran e Kulkov no Benfica (e Porto). Ou como Lemajic e Costinha, dois guarda-redes do Boavista para o Sporting.

E duplas de equipas? Uyyyyyyy, isso é como os chapéus do Vasco Santana na “Canção de Lisboa”: há muitos. United-City, este sábado às 12h30. Que dupla. Imperdível. Desde que Chevy Chase faz um filme em Londres que a Inglaterra nunca mais é a mesma. Falamos daquelas comédias de série B, em que ele leva a família às costas. Certa vez, todos para Londres. Aluga-se um carro para passear. Ao entrar numa rotunda, Chevy Chase diz entusiasmado: “Look kids, the parliament.” Uma volta depois, mas já não tão efusivo, “look kids, the parliament”. E a cena repete-se over and over. Porque ele não consegue virar à direita. É aquele problema da Inglaterra, os mind the gap, look left e look right. No futebol, a Inglaterra também é assim sui generis. O dérbi de Manchester prova-o em absoluto. Falamos de duas equipas da mesma cidade com títulos europeus (banal, sim: Milan-Inter e Real-Atlético). Falamos de duas equipas da mesma cidade com títulos de campeão da 2.ª divisão. Olááááááááá, aí é diferente.

O último grande a cair é o Manchester United, em 1974. E em circunstâncias fantásticas, qual filme de série B, se tivermos em consideração que é em casa (Old Trafford), com o arqui-rival (Manchester City) e um golo (de calcanhar) da sua antiga estrela (Denis Law). Campeão nacional em 1967, Matt Busby é um treinador de sorte. Lidera a equipa mais talentosa do planeta, com um trio de ataque multifacetado: o tranquilo inglês Bobby Charlton (capitão), o irreverente norte-irlandês George Best e o excêntrico escocês Denis Law. O objetivo é conquistar a Europa.

No ano seguinte, em 1968, Busby carrega a Taça dos Campeões, após o retumbante 4-1 ao Benfica, com prolongamento incluído, em Wembley. Nessa noite mágica de 29 maio, o Manchester United não pode jogar com Denis Law, lesionado. No seu lugar, Busby aposta num miúdo chamado Kidd, que até marca um golo. Passam-se seis anos e o Manchester United cai em descrédito. Charlton arruma as chuteiras, Best (quase) vive dentro de uma garrafa de whisky… e Law? Bem, Law é colocado na lista de transferências em 1970, a troco de seis mil libras. Como ninguém o quer, continua a jogar em Old Trafford: 1971, 1972, 1973. É aqui que Law sai do Manchester United, com 237 golos em 404 jogos, em direção ao Manchester City. A custo zero.

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Estamos em abril de 1974. Old Trafford recebe o dérbi e o United desce em caso de derrota. Aos 80 minutos, o resultado está 0-0. O United tem a bola em seu poder e perde-a no meio-campo contrário. Inicia-se então um contra-ataque conduzido por Francis Lee e concluído de forma soberba por Law de calcanhar, em plena grande área, à saída de Alex Stepney, guarda-redes que fizera parte do United campeão europeu em 1968. A reacção de Law é assustadora. Não olha para trás nem festeja o que quer que seja. Antes que o jogo seja reatado, o avançado escocês pede a substituição. Sai cabisbaixo e nunca mais joga na liga inglesa. Mal cruza a linha lateral, os adeptos do United invadem o campo (na esperança de que o jogo seja adiado e repetido, o que não acontece) e abraçam-no. A ele, Law, o homem que atirara o United para a 2.ª divisão. Arrepiante, isn’t it?

Pois, é como as duplas de treinadores? Tipo quê, Alex Ferguson e Carlos Queiroz no Manchester United? Errrrr, não, isso não. Hoje, pelo menos. Se nos afastarmos ligeiramente do foco, esticamos a realidade. Olhe lá o caso de Mourinho e Guardiola. Que dupla. Chi-ça, aquilo é um sem fim de canções de escárnio e mal-dizer. A lista é enorme. Igual (em tamanho) aos seus egos. E aos seus currículos. No ranking dos títulos, Mourinho ganha por um de diferença (23-22). No ranking dos campeonatos nacionais, Mourinho ganha por dois (8-6). No ranking da Liga dos Campeões, empate técnico (2-2). Será? Em estatística pura e dura, sim. E em romantismo? Guardiola ganha as duas pelo Barcelona, apoiado numa estrutura e cultura estáveis de anos e anos. Mourinho ganha uma pelo Porto em 2004 (só com dois estrangeiros no onze: Carlos Alberto e Derlei) e outra pelo Inter em 2010 (ausente da final desde 1972, quando Pep tem pouco mais de um ano de idade).

Afunilamos a pesquisa, façamos um zoom aos jogos entre eles. Guardiola domina. E só não é um domínio avassalador, porque uma das três vitórias de Mourinho é na final da Taça do Rei, em 2011 (Ronaldo de cabeça, no prolongamento, em Valência). Ou seja, Guardiola perde um título. Fora isso, Pep é rei no confronto direto, com sete vitórias em 16 jogos, o último deles é a decisão da Supertaça Europeia 2013. Em Praga, o espanhol Torres dá vantagem ao Chelsea (8’). O francês Ribéry empata aos 47’. Vamos para prolongamento. O belga Hazard devolve a vantagem a Mourinho (93’) e é um suplente (Javi Martínez, outro espanhol) a impor o desempate por penáltis, em cima do minuto 120. Na marca dos 11 metros, marcam-se nove golos nos primeiros nove remates. Ao décimo, Neuer adivinha a intenção de Lukaku e entrega a Supertaça ao Bayern de Guardiola.

Daí para cá, Mourinho e Guardiola vivem longe um do outro. Até hoje. É a magia da Premier League a uni-los. Em Espanha, quando um defende o Real Madrid e o outro o Barça, é um fartar de vilanagem inqualificável. Aí sim, empate técnico nos erros, excessos e absurdos desta vida.

PEP, 1-0

Em Espanha, o Barça só viaja no dia dos jogos. É muito bonito. E até o ideal. Para os jogadores, por supuesto. Só que aquele sábado é especial. Há greve de controladores aéreos e Guardiola não pode ficar em Barcelona, à espera que o jogo em Pamplona se adie por obra do destino. O Osasuna não entra nisso e quer jogar. Muy bien, viaja-se para Pamplona de comboio e, depois, autocarro. A equipa chega ao estádio três minutos depois da hora marcada. Só jogam com a anuência de Camacho, treinador do Osasuna. O Barça ganha 3-0 e Guardiola sai-se com esta pérola na conferência de imprensa: “Nós somos daquele país encostado a um canto a quem ninguém liga.” Nós, quem? Catalães? País, qual? Catalunha? Demagogia barata e provinciana.

MOU, 1-1

Clubes há muitos: os de bairro, os novos-ricos e os pretensiosos. E há o Real Madrid, o maior clube do mundo. E o mais famoso também. Lá, não se admitem choradeiras nem queixumes. Faz parte da cultura do clube aceitar as verdades desportivas sem dramas nem polémicas. A 20 dezembro 2010, no final do 1-0 ao Sevilha, aos jornalistas é-lhes apresentada pelo próprio Mourinho uma lista com os 13 erros de arbitragem nesses 90 minutos. Que fará Mourinho quando os árbitros o ajudem? Uma lista com os acertos?

PEP, 2-1

O Barcelona assina um contrato de publicidade nas camisolas com a Qatar Foundation, no valor de 30 milhões de euros. É o maior acordo de sempre. Guardiola está orgulhoso e justifica aos jornalistas: “Qual é o problema do Qatar? Lá é que há liberdade!” Errrrrr, repete lá isso ò Pep? Lá, os apostadores são condenados à morte, os homossexuais locais são presos (e os estrangeiros imediatamente deportados), o consumo de álcool está interditado, há zonas só para homens e outras só para mulheres, não há partidos políticos nem liberdade de imprensa.

MOU, 2-2

À tal lista dos 13 erros, Mourinho pede ao Madrid para se unir na cruzada contra os árbitros. Todos juntos, até a mulher da limpeza. Será uma “boca” para Valdano, braço-direito de Florentino Pérez e anti-Mourinho primário? Talvez, mas como se pode pedir união quando o próprio treinador está vai-não-vai para aceitar o convite de Portugal para dirigir a seleção em dois jogos de apuramento para o Euro-2012?

PEP, 3-2

Na era Rijkaard, está tudo virado de pernas para o ar, com Ronaldinho, Deco e Eto’o a saírem sucessivamente de Barcelona para atos publicitários de calçado, hambúrgueres, roupa e afins. Quando chega, em 2008, Guardiola proíbe esse tipo de “vantagens pessoais” a menos de 48 horas de um jogo. Dois anos depois, altera a tática. E quem é o primeiro a acudir a um ato publicitário? Guardiola, como imagem do Banco Sabadell.

MOU, 3-3

Pinto da Costa (FCP), Abramovich (Chelsea) e Moratti (Inter), nenhum destes presidentes se mete no trabalho de Mourinho. O balneário é dele (e dos jogadores, por supuesto). Certo, nada a apontar. Já o resto, quem manda é o presidente. Em setembro, o prémio Príncipe de Astúrias vai para a seleção espanhola. Quem melhor para recebê-lo senão Iker, capitão de Espanha? Mourinho torce o nariz e impede o guarda-redes de ir a Oviedo para receber o troféu. Pérez desautoriza-o e Casillas vai mesmo às Astúrias.